quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A mosca

Tenta concentrar-se no que está a  escrever, mas não consegue. Aquela mosca, que chegou há uns minutos, veio para ficar, instalando-se como uma amiga indesejada e inoportuna, daquelas que, por mais que enxotemos, acabam sempre por tornar a pousar na nossa vida: uma melga. Insiste em passar à sua frente, em colar as patas nojentas ao monitor, em aterrar em cima das palavras que ela já escreveu, esvoaçando nervosa, frenética, estúpida, confundindo-se com o cursor, confundindo-a. Pousa no teclado, na lâmpada do candeeiro, no "abat-jour", no F9, no "M", no Enter, no "Caps Lock". Ela suspende os indicadores e a raiva, para que a ideia não lhe fuja, o raciocínio não lhe escape. A mosca não quer saber, pousa-lhe nas costas da mão, no risco direito dos cabelos, no cheiro quente que exalam as raízes da sua cabeleira. A irritação provocada pela mosca que não sai, não há meio de sair. Ela apaga as luzes, abre a porta do escritório, acende as do corredor...e nada. Ao invés de sair, a mosca pára na escuridão, pois sabe que não pode voar às escuras e recusa-se a abandonar a sua missão: impedi-la de escrever.
Até que acontece. A mosca distrai-se, por fim. Talvez com uma qualquer frase a que achou graça, uma linha que a fez reflectir.
Então ela, que graças à raiva adquiriu o instinto de caça de um gato, num movimento impiedoso apanha o bicho desprevenido na tecla "X" - a tecla errada, minha amiga! - e zás! Ali fica, carregando com ódio no quadradinho minúsculo e cinzento, até a esmagar bem esmagada, assimxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Roubei a imagem aqui

Sem comentários:

Enviar um comentário