sábado, 30 de março de 2013

Famílias

Uma das minhas chachadinhas cinematográficas preferidas. Apetece saltar para dentro da tela e fazer parte desta família.

sexta-feira, 29 de março de 2013

W. H. Auden

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message 'He is Dead'.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.

The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the wood;
For nothing now can ever come to any good.


Aqui muitíssimo bem interpretado pelo actor escocês John Hannah, em "Quatro Casamentos e um Funeral". Muitos de nós tomámos conhecimento do poema em questão nesta cena tocante:

quinta-feira, 28 de março de 2013

quarta-feira, 27 de março de 2013

terça-feira, 26 de março de 2013

Meluxa


Meluxinha, hei-de recordar-te sempre lindíssima, de riso fácil, sapatinhos de sabrinas variados, aquela tua arte de decorares o teu corpo de um jeito só teu. E sempre, sempre elegante. A tua filhota sai a ti: tem um estilo muito próprio, tu sabes. Hoje cada um de nós fará um brinde à saúde da tua alma alegre. Aposto que, da nuvem onde te encontras, já lançaste o teu dom e enfeitaste de cor todas as nuvens em volta. Gosto de pensar que, num belo poente alaranjado e quente, estão, algures, os teus traços. Um abraço forte de parabéns, cunhada. Quem me dera que os meus braços pudessem estender-se até à tua nuvem, para te abraçar. De todos nós, que te amamos, PARABÉNS, minha querida. 
E como sei que gostas muito deste tema, que descobriste comigo, deixo-te na companhia do "Dindi", interpretado pela Flora Purim. 

segunda-feira, 25 de março de 2013

Cesare Pavese

3 citações de Cesare Pavese, que se suicidou com quarenta e dois anos. Contêm um cinismo que, no entanto, dá que pensar...

"Não é bom ser criança: bom é, quando somos velhos, pensar em quando éramos crianças."

"Para se desprezar o dinheiro é preciso justamente tê-lo, e muito.""

"Dá-se esmola para tirar da frente o miserável que a pede."

E, para o redimir, termino com uma outra que tantos conhecem e que, por várias vezes, vi referida em filmes e em conversas:

"Nunca voltes ao lugar onde já foste feliz" - que, na verdade, pressupõe a degradação de tudo, mas não vamos pensar assim, não é?

Este post é dedicado à minha amiga Lara :)

domingo, 24 de março de 2013

Chat

Imaginem quatro pessoas que nunca se viram e que conversam várias horas por dia num chat de grupo. Há muito riso, muito disparate. Divagações sobre livros, filmes, bandas sonoras, música, gastronomia, vida familiar. Mas também há momentos de pura confissão e desabafo. Às vezes, dos 4, estão só dois ou três. os outros chegam depois e lêem tudo o que ficou para trás a tentar apanhar o diálogo. As tarefas domésticas e outras vão sendo proteladas, porque aquele "plong!" do chat soa, acendendo a curiosidade de todos. A bateria do "espertofone" a 2%, o jantar ao lume, o cão que uiva, a mulher que aguarda em casa, o filho que estranha o riso da mãe. E estão assim, juntos, várias horas por dia, um conhece o outro vagamente, outra conhece uma delas também. Os laços vão-se criando e cada vez têm mais pontos em comum. Ou de discordância, o que é excelente pretexto para o debate e a paródia. É tanta a cumplicidade, que já dificilmente outros os entenderão. Mas ninguém está preocupado com isso. É demasiadamente tarde para entrar neste carrossel. E o apetite já está plenamente satisfeito.

sábado, 23 de março de 2013

Os nossos mortos

Antigamente, quando alguém nos morria, ficavam as cartas e as fotografias. O amor e as recordações. E a saudade, claro, a amontoar-se por tudo e por nada. Até ir sendo dissipada pelo tempo, a ficar dia a dia mais leve, mais etérea. Até conseguirmos sorrir, ao pensar nesse alguém sem que as lágrimas nos viessem aos olhos. Quando muito, restava também o seu número de telefone numa qualquer agenda e, nesse caso, havia várias opções do destino: ou, nostálgicos, o deixávamos ficar, incapazes de riscá-lo, ou, na mudança anual de agenda, os mortos iam ficando para trás.
Agora não.
Agora o correio electrónico lembra-nos semanalmente do aniversário dos nossos mortos. E guarda zelosamente todos os emails trocados, num baú virtual que nunca iremos atirar para a reciclagem. Agora temo-los na agenda de contactos do telemóvel e não os conseguimos apagar. A culpa não nos deixa, iríamos sentir-nos cruéis, frios. E o número ali vai ficando, inútil e precioso. 
E há os blogues: o blogue de alguém que já partiu como quem sai e deixa a porta aberta. Volto já. A data do último post vai ficando cada vez mais para trás, cada vez mais pretérita. A página de facebook ou do Twitter mantém-se, pois ninguém sabe nem quer saber a password. E não se desamigam os mortos. Não são spam. Não se denunciam. Não se bloqueiam. Continuamos a receber notificações sobre o movimento das páginas dos nossos mortos, onde um dia deixámos um comentário. No mural conjunto aparece-nos o quadradinho com a fotografia, sempre que alguém lá vai deixar um ramo de flores, um ai, uma canção, um abraço. Às vezes até lá vamos escrever também. Escrevemos aos nossos mortos na montra onde publicamos a nossa saudade. 
E em tudo isto há um estranho consolo. Como se os nossos mortos fossem de todos e a vida não fosse exclusiva de ninguém.

sexta-feira, 22 de março de 2013

W. H. Auden

The Novelist
Encased in talent like a uniform,
The rank os every poet is well known;
They can amaze us like a thunderstorm,
Or die so young, or live for years alone.
They can dash forward like hussars: but he
Must struggle out of his boyish gift and learn
How to be plain and awkward, how to be
One after whom none think it worth to turn.

For, to achieve his lightest wish, he must
Become the whole of boredom, subject to
Vulgar complaints like love, among the Just

Be just, among the Filthy filthy too,
And in his own weak person, if he can,
Must suffer dully all the wrongs of Man. 


quinta-feira, 21 de março de 2013

Poesia

Para celebrar o dia de hoje, dedicado à Poesia, deixo-vos com um poema de José Luís Peixoto

Amor
o teu rosto à minha espera, o teu rosto 
a sorrir para os meus olhos, existe um 
trovão de céu sobre a montanha. 

as tuas mãos são finas e claras, vês-me 
sorrir, brisas incendeiam o mundo, 
respiro a luz sobre as folhas da olaia. 

entro nos corredores de outubro para 
encontrar um abraço nos teus olhos, 
este dia será sempre hoje na memória. 

hoje compreendo os rios. a idade das 
rochas diz-me palavras profundas, 
hoje tenho o teu rosto dentro de mim. 

José Luís Peixoto, in "A Casa, A Escuridão"

quarta-feira, 20 de março de 2013

Primavera

Segredos de Primavera
O aniversário da prima Vera era no verão. Mas isso pouco importava, pois era veramente uma criatura primaveril. Logo que a estação chegava, de seus cabelos brotavam flores de todos os tons e aromas. O que ninguém sabe – veja lá, é segredo de família! – é que seus pais a recolheram de um minúsculo ninho de fadas, na floresta, numa festa de equinócio.
(
Micro-conto em dedicatória, da autoria da minha grande amiga 
Denise Katchuian Dognini, S. Paulo, Março 2013)

Parabéns, Alice!


Esta Senhora completa hoje 70 anos. Diz que adora ter 70 anos; odeia ser septuagenária :) Querida Alice!
A Primavera não podia anunciar-se em melhor dia! Celebremos a primavera, que chega amanhã para nos renovar a alma, e também as Grandes e Boas Pessoas que temos a sorte de guardar cá.

terça-feira, 19 de março de 2013

Pai

"Pai, Quero que Saibas 

É o teu rosto que encontro. Contra nós, cresce a manhã, o dia, cresce uma luz fina. Olho-te nos olhos. Sim, quero que saibas, não te posso esconder, ainda há uma luz fina sobre tudo isto. Tudo se resume a esta luz fina a recordar-me todo o silêncio desse silêncio que calaste. Pai. Quero que saibas, cresce uma luz fina sobre mim que sou sombra, luz fina a recortar-me de mim, ténue, sombra apenas. Não te posso esconder, depois de ti, ainda há tudo isto, toda esta sombra e o silêncio e a luz fina que agora és."

José Luís Peixoto, in 'Morreste-me'

A todos os pais ausentes. Felizmente não é o caso do meu, que ainda está entre nós, espero que por muito bons anos. 

segunda-feira, 18 de março de 2013

...

Lendo, lendo, lendo, lendo...
Escrevendo, escrevendo...
Lendo, lendo, lendo...
Escrevendo...
Lendo...
...

domingo, 17 de março de 2013

sábado, 16 de março de 2013

A Gaiola

(inspirado em Oscar Wilde, O Rouxinol e a Rosa)

Os olhos dele, quase humanos, imploravam liberdade. Feita de prata e safiras, a gaiola era de uma beleza fria, inútil. Olhando-o, a mulher bebeu a infusão de pétalas. O pássaro soltou um guincho de saudade e ela compreendeu: aquele era um homem de asas presas, sofrendo pelo seu amor interdito. A mulher abriu a portinhola. Ele soltou as asas e foi cravar no peito o espinho da rosa mais próxima. E a maldição quebrou-se, enfim.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Reviver o passado

Adeus, até amanhã. Vou até à casa dos meus pais, onde passei os fins de semana e as férias da minha infância e adolescência. Agora irei ocupar o quarto de casal, com papel de parede às florinhas: era o da minha irmã mais velha, que, nos anos 70, já era uma jovem senhora. O que era o meu quarto e o da minha irmã do meio, com as duas pequenas camas brancas em ferro e colcha de quadradinhos em azul e branco, é, há anos, a oficina do meu pai, onde ele constrói modelos de barcos, ou não fosse o meu pai oficial da marinha reformado, com cachimbo, barba branca e tudo, a cujas longas pernas eu me agarrava com medo das ondas, na praia. O meu pai era um rochedo que nenhuma onda derrubava, eu tinha a certeza. 
Sei que será uma espécie de viagem ao passado. E que vou matar um pouco das muitas saudades que tenho desse tempo feliz, em que éramos crianças com preocupações ridículas, vivendo os dias no ócio de quem tem uma vida simples e privilegiada. Um pouco de mim está lá, sempre, e é essa Verocas que vou tentar encontrar, nas lombadas dos livros, nos cadeirões, nas fotografias, nos objectos, na luz, nos cheiros que habitam a minha memória.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Dirty Loops

Esta não é uma banda de covers qualquer. Ele, o cantor, tem a escola do Stevie Wonder e canta que se desunha. Tocam os 3 que nem bestas. Desculpem, mas há coisas que têm de se dizer assim. Aconselho a verem alguns videos relacionados, que surgem no fim (ex: Justin Bieber, Adele... muito superiores aos originais, como é óbvio).

quarta-feira, 13 de março de 2013

Chiado

Saí de casa com duas horas e meia de antecedência. Apanhei três transportes para ouvir o meu filho cantar durante 3 minutos. Se valeu a pena? Sim, absolutamente. Há emoções que valem sempre a pena. 

Chiado:
Decididamente, não volto à Brasileira. Já uma vez aqui escrevi acerca deste café histórico onde há muito não se faz jus à sua fama nem à estátua do Senhor Pessoa. Outra novidade: para utilizarmos a casa de banho temos de apresentar o talão do balcão, ou seja, barram-nos a entrada a não ser que provemos que acabámos de consumir algo, ou seja, eu explico melhor, há consumo obrigatório para podermos fazer um xixi. Não, não basta não termos ar de marginais ou o bom senso de consumirmos alguma coisa depois, por simples boa educação. É evidente que saí e fui à pastelaria do lado que me serviu, com boa cara, uma bica excelente e um dos melhores pasteis de nata que alguma vez comi. É caso para dizer que da Brasileira tenho...a minha conta. Sem factura.

No ar soava o último Hit lusitano, o Grândola Vila Morena na voz do Zeca, novamente repescado para simbolizar mais uma manifestação iminente.
Quando desci do Largo de Camões ao Chiado, lá estava ela: polícias de carro e de mota, a multidão a subir vinda do Rossio, as filas de bandeiras encarnadas, os solistas de belas vozes e um coro afinado e impressionante de crianças, todos cantando a Vila Morena. Não houve distúrbios, tudo se fez com ordem. Para esquecer a crise e aproveitar a ida a Lisboa entrei nos velhos armazéns renovados, fingindo para comigo mesma ter dinheiro na carteira para gastar em inutilidades; espreitei algumas das minhas lojas preferidas, suspirei, como é meu dever de mulher, por almofadas, senhorinhas, candeeiros, perfumes, um serviço de pratos, sapatos. Numa troca bem-disposta de sms com o meu marido, já me dei por feliz ao saber que tínhamos voltado a ter internet, finalmente.
Três transportes de volta, de regresso a casa. Eu muito provinciana, sem saber recarregar o cartão do metro. Antes era tudo tão mais simples, ou é impressão minha? 
Ainda houve tempo para um cafezinho junto à praia, apesar do frio terrível que hoje chegou. Enfim, frio terrível. Os siberianos fartavam-se de rir, se lessem isto.
Ao computador: 82 emails em atraso, 42 notificações no facebook, 2 pedidos de amizade. Regressada à solitária vida no campo e à sociedade, entre a multidão virtual.
À noite...Papa.

terça-feira, 12 de março de 2013

Alain de Botton

Já li vários livros deste senhor, que tem o condão de dissertar de uma forma clara, sedutora e bem humorada sobre assuntos que, à partida, podiam ser massudos. Hoje terminei, finalmente, o livro de Saramago (O Ano da Morte de Ricardo Reis) e comecei de imediato a ler "Religion for Atheists", na língua original, por saber, de antemão, que Alain de Botton consegue chegar aos leitores facilmente. Esta conferência no TED já foi vista bem mais de um milhão de vezes e foi, decerto, o embrião deste livro. Muitíssimo interessante, por sinal. E polémico...claro.
Para mais, espreitem a crítica no The Independent

segunda-feira, 11 de março de 2013

Sem Internet

(Continuando a escrever em diferido, com alguns dias de atraso)
Conclusão do dia: quando não temos Internet cuidamos muito mais da casa. Que remédio. E lemos mais. Livros, quero dizer, não emails ou posts no facebook. Uma pilha de roupa em atraso ficou engomada; bancadas limpas, cantos aspirados, metais areados. E a leitura, claro, avançou. Dei-me ao luxo de me deitar na cama depois do almoço a apreciar o sol a entrar pela janela e a derramar-se na colcha, fazendo por terminar o interminável livro do Saramago e namorando já o próximo a ler, com uma meia dúzia de livros espalhados, à escolha. Alguns a reler, outros para ir lendo (como os poemas de W.H. Auden, contos de Rubem Fonseca), outros ainda promessa de boa leitura, com o selo de garantia do que é intemporal.

domingo, 10 de março de 2013

Estouros

Escrevo isto com 5 dias de atraso e já verão porquê. No Sábado jantávamos placidamente. Lá por fora andava a tempestade. Julgamos que, se tivermos uma casa forte como a do porquinho Cícero, estamos seguros, mas não é bem assim. A trovoada estalou em cima de nós, lançando trovões e relâmpagos como se estourassem no interior da casa. De repente, a escuridão total. Só se viam luzinhas na linha do horizonte, ao longe. Por aqui ficou tudo apagado. Os cães e o marido adormeceram, no tédio de quem nada tem para fazer. E eu fiquei ridiculamente a gastar a bateria do telemóvel jogando (eu a brincar com joguinhos de telemóvel, imagine-se), pela primeira vez, "Climate Mission", cuja música, ao contrário do que é habitual nestas andanças, era bastante zen: e fiz nascer árvores de fruto, lutei contra a desflorestação  plantando árvores de fruto na Nigéria e milho no Zimbabwe. Vencida pela escuridão, deitei-me às onze da noite na companhia de velas e lanternas de LED, sem saber que no dia seguinte já tínhamos electricidade, é certo, mas que iríamos ficar sem telefone e sem internet durante 5 dias. Pronto, restou-me o consolo de ter contribuído para a reflorestação do planeta, valha-nos isso.

sábado, 9 de março de 2013

Quanto é que vale?

Não, nem tudo é perfeito. Estes blogues são muitas vezes o reflexo de coisas extremas, está tudo péssimo ou tudo maravilhoso, mas a verdade é que, pelo meio, há mesmo coisas assim, ter um filho de 17 anos, estudante no Conservatório Nacional de Música, que nos envia pelo facebook algo como isto e a mensagem: "Para pores na tua lista. É linda."

sexta-feira, 8 de março de 2013

Mulher

Poema del 8 de marzo
Luis Sepúlveda
(poema oferecido pelo próprio, hoje, no facebook, dedicado a todas nós)

Me gusta cuando hablas porque estás bien presente

me gusta cuando dices pan y  lo huelo

y cuando hablas con los hijos y  los veo

y cuando dices tango, país, tierra, mar y memoria

porque todo entonces tiene la forma que yo quiero

Me gusta cuando nombras las cosas de la mesa

cuando haces inventario de lo que crece entre la hierba

cuando mirando al cielo pronosticas la lluvia

de estrellas o recuerdos o del agua antigua.

Con tus palabras inauguras el mundo que yo quiero.

Y me gusta tu voz porque sé que un día fue silencio

que cuidó los nombres de las calles, de los ríos,

de las plazas, de las aves y de los compañeros

a salvo en tu tierno vigor de compañera.

Tu voz cuidó la palabra amor y es nuestra herencia.

Me gusta cuando hablas en la calle y en la barricada

cuando envuelves la justicia con tu mejor tono

y me gusta tu susurro en medio de la noche

porque nombras la vida uniéndose a los sueños.

Me gusta cuando hablas porque estás bien presente.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Sejamos

© Nanã Sousa Dias / Navegador Solitário 
Sejamos esperança ainda que estejamos sós. Cumpramos a urgência da terra na renovação. Criemos, do verdor e do musgo, outras vidas que rompam o enquadramento em que nos deixámos enclausurar. Tracemos a sombra esguia que nos engrandeça a figura modesta; para que nos tornemos rastilho, remando em mares já navegados, novo trilho, na planície inundada de chuva e solidão.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Mundos

Ser-se dois em dois pequenos mundos. Desde que os olhos se cruzem de vez em quando. A medo, ela pergunta: se eu me sentir demasiadamente só, salvas-me? 

terça-feira, 5 de março de 2013

3 Chamadas Perdidas

1. Culpa
O telefone tocou. Ninguém atendeu. Era tarde para desculpas. Há coisas que se dissipam no tempo de um adeus ou de um perdão. Perdoa-me, dizia a chamada que ela nunca atendeu. Volta, por favor, dizia a voz que não se ouviu. No tapete da sala jaz o corpo desistente, a mulher que, não esquecendo, foi incapaz de perdoar. Do lado de lá estende-se um fio imenso de culpa.

2. Perdida
Nunca passa fome. Vive da gratidão dos que, por vê-la, arranjam um pedaço de pão, um osso, uma casca de fruta, um biscoito. O nome por que é conhecida não faz qualquer sentido. Perdidos são os que andam sem consolo na vida, sem projecto nem futuro. É cadela rafeira, sim, mas tão orgulhosa que, quando a chamam pelo nome, não responde.

3. Em Má Hora
Chamou a Musa com todas as letras que tinha, a fim de entornar na página vocábulos saídos da boca das divindades para a mão do escritor. A Musa chegou mas com atraso. Quando se encontraram, já ele conduzia, a caminho do emprego. Foram encontrá-lo desfeito contra um poste, defronte a uma curva apertada. Os olhos abertos mostravam a expressão de uma epifania.

(a partir de Desafio "Chamada Perdida", até 300 caracteres, Grupo de Microficções, Facebook, Março 2013)

segunda-feira, 4 de março de 2013

Abrigo

Não fazer quase nada. Ficar de pijama de malha polar e roupão, entregue ao conforto do ócio. Até o serra da estrela desiste de ser territorial e acaba por consentir na presença da cadela, que se enrosca aos meus pés. Dormem ambos comigo, neste escritório onde apenas se escuta o tec-tec-tec dos dedos no teclado e a chuva a embater contra os vidros. Lá fora a terra inunda-se, os ramos das  árvores são sacudidos pelo vento. Ponho qualquer coisa a descongelar, a cama fica por fazer, o automóvel inútil, parado em frente à porta, entende que estes são dias de clausura, em que só as janelas, de vidro ou virtuais, constituem o nosso contacto com o mundo. 

domingo, 3 de março de 2013

Brown's Coffee Shop

Das raras vezes em que vou a Lisboa e posso gastar uma horas na zona do Chiado, uma das minhas preferidas, vou até ao Brown's, um café que conheci graças ao meu filho que um dia lá me levou. Creio que muito boa gente não conhece este espaço. É uma espécie de Starbuck's, mas em bom. E ainda por cima português. Ah pois. Sou sensível à música de fundo, se não é boa, está tudo estragado. E o Brown's passa música excelente, do tipo Duetos de Tony Bennett com orquestra, standards de jazz muito cool, intercalados com uma ou outra mais mexidotas, mas sempre regressando ao jazz conservador, com cantores e boas vozes. Além das bebidas em copo (chocolate quente, vários tipos de café guloso, com natas, caramelo, chocolate etc), servem tostas enormes em pão saloio, Chá english breakfast (nada de lipton), saladas, sopas, massas, sanduíches várias., bifes. Os empregados são simpáticos e sorridentes, o espaço está lindamente decorado,  em tons castanhos, cadeiras de couro de orelhas e outras em materiais diversos e agradáveis, tudo muito confortável, muito "cosy". Várias salas espaçosas, as paredes cheias de fotografias a preto e branco, candeeiros e projectores de luz quente, ideais para leitura e escrita, tomadas com ligação à Internet...e é frequentado por gente civilizada. O que se pode pedir mais de um café? Aqui fica a sugestão.
Localização: Rua da Vitória, 88 (Baixa) 
Horário: 2ª a Domingo, 08.00 - 23.00
Página no facebook: Brown's Coffee Shop

sexta-feira, 1 de março de 2013

Aspirações

Sexta-feira é o dia escolhido para fazer um lar da sua casa, que ao fim de semana recebe família e amigos. Sobe e desce as escadas, numa inevitável aula de step, percorrendo as várias divisões. A luz preciosa do sol vai mudando de posição e o balde, a esfregona e os vários produtos perseguem-na, encontrando-a incidindo nos azulejos, na tijoleira, nas madeiras, nos vidros da casa. O descanso vai sendo adiado, só falta acabar este chão, já agora, os vidros também, isto não pode ficar assim, olha uma teia de aranha, agora uma mancha aqui. E os trapos, as peças de roupa que é preciso lavar à mão, o cheiro doce do produto das lãs, a roupa de molho no alguidar encarnado, o perfume do óleo de cedro nos móveis renascidos, o aspirador sorvendo o pelo infernal do cão serra da estrela, o pano húmido passado em todos os frascos e frasquinhos da bancada de mármore, para quê tantos perfumes e cremes, tantos bibelots, tanto de tudo.
Os pés escada acima escada abaixo, os braços e as mãos espremendo produtos e panos, a boca em silêncio, os ouvidos que apenas escutam o som que fazem as coisas a ser limpas, os olhos talvez vazios, mecânicos; mas é ocupada nestas lides que pensa nas suas personagens, nos seus livros, enquanto, rindo, duvida que assim, ocupada em singelas tarefas domésticas, lhe surjam ideias para um grande romance. Julga que os escritores têm vidas grandes, aventureiras, sofridas; que não é no tubo de um aspirador ou nas dobras de um trapo que nascem literários enredos.

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