sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Maria


Hoje, no Dia Nacional do Mar, deixo-vos com um poema que o protagonista do meu novo romance escreveu, na varanda da sua casa, enquanto pensava em Maria, uma bela mulher, muito ligada ao mar.
(Para ler com uma valsa)
Maria
Ao mar iria,
Mas o mar ia mareá-la.
Sem ti,
Ela sentiria
Um lamento que vem agitá-la.
No rosto grita a lágrimas
Secá-la, ela recusa.
Quer o sal que a enviúva
Salvador do seu desgosto.
Por ela chama o pescador
Ao ver as ondas de uma mulher,
A brisa leva-lhe os desejos
E a veste em espuma de beira-mar.
Pesca a dor nas tuas mágoas
E emudece a saudade vã;
Que só a idade do teu ofício,
Enredada em sacrifício,
Em mãos vazias sabes calar.
(in «Entre mulheres - diário de um lisboeta», pp.200-201, Poética edições, 2018)


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Textura

Já subi e desci muitas vezes os degraus que dão acesso à cave, na minha casa, e embora esta parede e este tecto estejam aqui há 13 anos, nunca os tinha visto. Refiro-me a ver. A parede tem uma colecção de vassouras "velhas", entre aspas porque foram compradas e nunca usadas, e esta forma redonda, quase feminina do tecto abaulado sempre me passou despercebida. Esteve ali, desde que foi feita pelo construtor, sem que eu me tenha detido nos degraus e estendido o braço, para lhe tocar com a palma da mão, a sentir-lhe a textura. É fria e ligeiramente rugosa, mas senti-la deu-me um estranho conforto. Muitas vezes assim é a nossa vida: coisas e pessoas que sempre estiveram ali, mas nas quais mal reparamos. Hoje notei-lhe a presença, toquei-lhe e logo este recanto ganhou outro significado. A partir de hoje é mais minha, passou a fazer parte de mim, não está só ali. Conquistou a sua razão de ser. Imaginem a quantidade de tesouros que temos, sem que houvesse oportunidade de se fazerem possuir por nós. 


quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Foi preciso isto

Resultado de imagem para whatsapp 
5nunes. De repente, os cinco tornam-se outra vez irmãos. Embora arrumados em pontos distintos no mapa, a geografia deixou de ser um entrave e os cinco inauguraram uma intimidade que não tinham, desde os tempos vividos sob o mesmo tecto. Foi preciso isto.
WhatsApp. O que se passa convosco? O que é feito? Como têm vivido vocês, em todos estes anos? Foi preciso isto. Os filminhos-tour vão mostrando as casas de um e de outro, cada refúgio, tudo o que é mais precioso, na vida de cada um, na tentativa de recuperar a distância perdida, Vejam a pessoa em que eu me tornei, com a personalidade já por todos conhecida, como quem se confirma: vejam, é assim que eu vivo, esta foi a vida que escolhi. Os sofás, as molduras, os filhos, as efemérides e colecções, os vasos com ou sem flores, o panorama da janela, os móveis, a herança e, até, o futuro próximo: isto vai ser assim, aqui gostávamos de fazer assim… e de repente estamos – não só a mostrar o presente – mas a partilhar os desejos do futuro. Foi preciso isto.
De repente, a irmã mais velha faz a confissão há muito esperada, já esquecida, da parte das irmãs mais novas, sem expectativas: gostaria imenso que todos os meus irmãos me tratassem por tu. E pelo meio do diagnóstico que ninguém deseja viver, há esta coisa singela – Tratem-me por tu –, como quem sente a urgência de encurtar distâncias, esquecer as coisas pequeninas e celebrar a palavra Família, sendo mais irmãos; estando juntos à mesa, ainda que apenas com a ponta dos dedos, nos telemóveis, a mostrar que a intimidade de uma imagem vale por mil palavras de circunstância.
Foi preciso isto. A nossa mãe teve um pesadelo esta noite. Sonhou que decorava montras com vestidos lindos e que, uma vez prontas, vinha alguém e destruía tudo. Agora fazia aqui falta um psicólogo, ou assim, para interpretar que montras serão estas. As coisas bonitas, na vida da Mãe. Juventude, Beleza, Saúde, Glamour, Aventura, Felicidade, Futuro. Foi preciso isto, para sentirmos, enfim, que o Futuro está a ficar cada vez mais apertado. E que chegou uma força estranha e inevitável, para destruir tudo.
Mas será que veio para destruir tudo?
WhatsApp?
O que têm feito?
Estamos juntos, nesta montra feita de belas coisas, para ver a construção das nossas vidas.

Dedico este texto aos meus quatro irmãos e aos meus pais. 

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Claras resoluções

Esta noite tomei uma decisão quanto à geografia da escrita e do trabalho ao computador. Agora que está aí o frio e a chuva, o escritório, com a sua excelente luz natural, vai ficar reservado para a escrita tradicional, a organização de papelada, o arquivo de correspondência..., e o meu portátil veio comigo para o quarto. É quase um pecado, escrever e trabalhar assim a qualquer hora do dia, enfiada na cama. Agora é que eu me desgraço de vez. 
Estou a tentar habituar-me a funcionar sem rato, o que para já é frustrante, mas quanto menos objectos, melhor. Ainda vou descobrindo a função de uma ou outra tecla que, para mim, eram ainda um mistério. "Guardar imagem como"? Ali está, na fila de baixo, do lado direito do teclado, entre "alt gr" e "ctrl", não fazia ideia que este sinalzinho de menu servia para tal. Que outros mistérios haverá por desvendar? Pernas dobradas em /||\, para apoio, o foco de leitura virado para o teclado, o alimentador junto à mesa-de-cabeceira e Internet fibra (mudança recente), que agora me permite ligação à rede com bom sinal, aqui no quarto. Veremos quanto tempo dura esta minha resolução. Sou perita em desfazê-las, como quem bate claras em castelo mas, para já, é definitivo, para os meses frios que se avizinham. Que interesse tem esta mensagem num blog? Absolutamente nenhum. É o que temos hoje. Cansaço. Preguiça. Sono. Mas com conforto. Lá isso. Dentes já lavados, basta pôr de lado o computador e escorregar, para dormir. É o que vou fazer já de seguida. Bater sonhos em castelo. Boa noite.