sábado, 24 de março de 2018

Sábado

Sob o zumbido persistente das serras eléctricas, dos vizinhos cumprindo as directivas que obrigam ao corte das árvores, junto às habitações, pulverizei com anti-fungos alguns recantos da minha casa, plantada nesta terra húmida, e cuja construção, rústica e rudimentar, não está defendida como mereceria. Ao longo do inverno, e da estação das chuvas, permanece este vão combate com a humidade que penetra a construção, invadindo gavetas, armários, paredes, roupas e mármores com o seu hálito condensado, que tudo encharca.
Assisto a um documentário sobre Clint Eastwood, o qual revela facetas inacreditáveis do actor/realizador. Parto depois para a visualização de um segundo documentário, desta vez sobre o dramaturgo Arthur Miller. As janelas da casa abertas, o vento e o frio a tomarem conta do corpo, para que este não sofra os efeitos do ácido de cloro, a corroer o bolor. É Sábado, prossegue o abate das árvores, ladram os cães de todas as casas, excitados com o corropio de homens, entre os eucaliptos e os pinheiros. O meu marido dá uma última passagem aos temas mais clássicos da música ligeira portuguesa, revestidos de jazz, para o concerto de hoje, em Évora.
Dizem-nos que o terreno defronte à nossa casa "é de gente muito antiga", ninguém sabe dizer ao certo quem, e é o que nos salva. Até ver, seja quem for tem ignorado as instruções de abate, em prol da prevenção de novos incêndios que, no ano passado, deixaram o País mergulhado num inferno.  Se a tal gente muito antiga der prova de vida, em breve a janela do meu quarto deixará de ser assim. Sinais dos tempos. A segurança à frente dos meus caprichos.


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