segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Contra o meu silêncio

À medida que a idade avança - e no mês passado completei cinquenta anos -, tendo para uma sinceridade maior. Como se não houvesse tempo a desperdiçar e escrevesse agora apenas para mim, diários sem maquilhagem nem vestidos de seda que façam os outros dizer "que bonito". A confessar a simplicidade dos meus dias, se eles forem simples; a tristeza, se forem tristes; a solidão se forem sós; a alegria, se forem felizes; o tédio, se nada forem. Em vez de me calar se nada tiver, escreverei que nada tenho. Tudo menos o silêncio multiplicado que paralisa e adormece.
Por hoje digo que o Outono chegou. O corpo desistiu de se acobrear. Acobardou-se, amuou. As toalhas, os fatos de banho e os grandes lenços de praia foram lavados e guardados, mal chegando a recordar o sabor do sal ou a rebentação das ondas. Foi um Verão muito mal aproveitado, mas também ele tem culpas, que chegou com atraso. Ainda não foi desta que pintei os muros da minha casa. Em breve as chuvas e temporais, pintar para quê? Agora é tarde. O jardim de vasos também aguarda. Uma espera que já criou raízes. Para começar, as escadas de madeira da piscina desmanchada levaram vasos com plantas. Agrada-me o efeito, a planta da Bé a crescer e a avançar como um longo cacho de uvas brancas, a espinhosa do meu irmão, vinda do Algarve de mota, com ele, a dar as primeiras  flores. Espero que não cometa suicídio, ao descobrir que veio das terras quentes para a zona Oeste, das mais húmidas do país. As poucas floreiras permanecem vazias. Os sacos de terra fertilizada, os vasos, plantas, treliças, ervas, arbustos, flores trepadeiras e todo um pequeno universo de jardinagem chamam por mim, nos viveiros.  O investimento não foi possível. Ainda não. Mas tenho o conforto e o ânimo de um projecto por cumprir. Um prazer adiado. Como escreveu Jorge Luis Borges, "a verdade é que vivemos a adiar tudo o que é adiável". E a terra pode esperar.

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