terça-feira, 16 de agosto de 2016

Vida silvestre

Estendo a roupa sob o canto dos pássaros, roupa lavada cujo amaciador me transporta para um campo de girassóis ou de uma qualquer flor silvestre, com cheiro a liberdade.
Trabalho no pequeno escritório com vista para o vale, tudo verde, azul e branco à minha esquerda, o resto são livros; de frente o serra da estrela deitado, sob a janela de rede que emoldura o pinhal, a poente.
E é daí que chegam os meus vizinhos, do pinhal, da Casa do Segredo para a Casa da Lua, a entregar-nos morangos tardios para a estação, acabados de colher.
Faço uma máquina de loiça, engano um almoço, também ele tardio, com um copo de leite e bolachas, antes de subir de novo ao escritório. Os cães sempre colados às minhas pernas, como sombras arfando.
Faço nova pausa no trabalho de revisão literária, um livro que fala dos astros, das conjugações do universo celeste, a fazer fé na fé do leitor que usa a astrologia como bússola, para que a sua vida não seja perdida em deserto.

Desço as escadinhas de madeira e faço um café na chávena de barro e pequena flor, gravada com o nome "Casa da Lua".

O sol deita-se na perfeição da tarde, enquanto eu regresso ao texto por rever. Os cães dormem. O meu frigorífico cheira a morangos e a roupa, ao vento, liberta o cheiro das flores silvestres e este vai, numa serpentina perfumada, ter com a planície e os pássaros, que durante todos os meus gestos nunca deixaram de cantar.
Tudo é entardecer, mas nada é demasiado tarde, por mais tardios que sejam os meus dias.


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