sábado, 31 de outubro de 2015

Halloween

Que melhor forma de ilustrar o espírito Halloween senão com Tim Burton e a música de Danny Elfman? :-)


sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Sessões de autor

Devo ser a pior pessoa para falar dos meus livros. Fico sempre com a sensação de que estou a pedir desculpa por ter nascido, por ter escolhido escrever e publicar (quase que digo, não leiam, que não vale a pena, leiam outros) e estou para ali a mentir com a boca toda. Em especial, sinto que não mereço o interesse  e o entusiasmo dos que me ouvem. Não sei vender o peixe, não sei. Apregoo com voz tímida e triste. O melhor é não me perguntarem nada!
Ah, não me interpretem mal, sou muito bem tratada, dão-me imenso mimo, chocolates e flores e trabalhos maravilhosos e eu dou também o que posso...mas aí é que está. O sentimento atraiçoa: acho que recebo muito mais do que aquilo que dou. Será justo? Pronto, já sei, Freud explica, isto ia lá com um psiquiatra ou terapias alternativas,  mas o que é que hei-de fazer? É o que temos. E hoje temos isto, em estado de urso, até porque está uma ventania danada.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Condessa de Ségur

Reencontrei um livro que fez parte da minha infância e, que me lembre, tem a particularidade de ter sido o único, na época, a provocar-me pesadelos. Foi com um sorriso e muita emoção que tornei a percorrer a memória desse tempo, dessas histórias e, em especial, das ilustrações que magicamente têm o condão de nos transportar. Ao olhar para estas ilustrações, sou criança outra vez.






domingo, 25 de outubro de 2015

Beatrix Potter

Há universos infantis maravilhosos. Um dos meus preferidos, no que diz respeito a ilustração, é o de Beatrix Potter. Apesar de ter visto as suas histórias e desenhos recusados pelas editoras sessenta e nove vezes (é verdade, só à septuagésima tentativa é que uma editora disse "sim"), teve sucesso imediato e tornou-se na autora de livros infantis mais vendida de sempre! (moral: se acreditam no vosso valor e no vosso sonho, não desistam). Depois de um enorme desgosto amoroso, com a morte do seu noivo e editor, em 1905, usando parte dos primeiros royalties que obteve com a venda dos seus livros, comprou a propriedade Hill Top, no Lake District. A vida campestre tinha muito mais a ver consigo do que a vida social, na cidade; por isso Beatrix tentou ultrapassar o seu desgosto e saiu, enfim, da casa de seus pais, apesar de ainda solteira, mudando-se definitivamente para Hill Top, na Escócia (e que pode ser visitada como casa-museu). Ao longo dos anos, foi comprando em leilão e mantendo as quintas adjacentes, para que estas fossem preservadas e cultivadas, ao invés de aparceladas e vendidas para construção.
No final da sua vida, Beatrix Potter deixou à National Trust 4 mil acres de terras e 15 propriedades, com paisagens e lagos belíssimos, e uma flora e fauna que fizeram parte de muitas das suas histórias.
Em 2006 a sua vida foi adaptada ao cinema, com o filme «O mundo encantado de Beatrix Potter» («Miss Potter»).
Esta grande mulher esteve-se nas tintas para as convenções da sua época e fez muito pela conservação da paisagem, da agricultura e dos trabalhadores que cultivavam as terras da região. Foi também cientista e dedicou-se, nomeadamente, ao estudo dos fungos (ex: cogumelos), se bem que seja célebre pelas suas ilustrações. Aqui ficam algumas que, na época, foram verdadeiramente revolucionárias. Animais da quinta com roupinhas :-) e desenhados com todo o rigor científico.









quinta-feira, 22 de outubro de 2015

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Agustina

«Eu não me levo muito a sério. É a melhor maneira de viver. Aquele que se leva a sério está sempre numa situação de inferioridade perante a vida.»
Deve ter toda a razão. E nós estamos sempre a esquecer-nos dos seus conselhos sábios. Diz que é muito conhecida e pouco lida. Acho que, mais uma vez, tem razão. Dizemos "Agustina" e não é preciso acrescentar mais nada. Todos sabem quem é, tem artigo antes do nome, sempre, é A Agustina, apesar de ser dona de um apelido marcante - Bessa-Luís - Agustina Bessa-Luís é todo um nome literário, aconchegado em palavras, gerações, famílias, lugares nortenhos e personagens, escritos e descritos em letra miudinha, a construir e a contar esta enorme mulher pequena. 
Parabéns, Agustina, pelos seus 93 anos.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Tardes em naftalina

De Raquel Serejo Martins

My Old Home, © Ana Cristina Dias
«O calor insuportável, o acordar antes do despertador, a noite feita de um sono solto, intermitente, o sol já inflamado, o céu vazio de nuvens, de pássaros, o vidro da janela morno, quase quente, os pés descalços pelo chão do quarto, pelo mosaico da casa-de-banho, o seu rosto no espelho, os olhos lembram berlindes.
Oferece-se um sorriso, o sorriso matinal possível, breve e azul, o cabelo despenteado lembra-lhe sempre as mesmas palavras da mãe, passa um pente por esse cabelo.
Precisa de água como um peixe precisa de água, desesperadamente.
O banho da manhã incapaz de arrefecer o corpo, de levar pelo ralo, o calor dos lençóis colado ao calor do corpo.
De olhos fechados, tenta esquecer a noite debaixo do chuveiro, afogar o cansaço.
Esquece o presente e em consequência chega tarde ao trabalho.
Não se esquece da garrafa de água, o calor obriga-a a circular pela cidade sempre com uma garrafa de água, como se a garrafa de água uma garrafa de oxigénio, como se o seu corpo dentro de um fato de mergulho.
A viagem para o trabalho uma epopeia.
Epopeia nenhuma, nem furos nos pneus, nem falhas nos travões, igual, igual o caminho, talvez mais rápida.
Na rádio ouve notícias de cidades a norte submersas em água por causa de chuvas diluvianas. O mundo em desequilíbrio perfeito.
Com dificuldade arruma as mãos no volante, os olhos na estrada.
As ruas quase vazias. Os semáforos numa sincronia rubra a obrigar os carros a parar.
Procura e encontra um espaço para estacionar sob a sombra de uma árvore.
Um jacarandá, uma sombra azul e parca.
O asfalto sem a habitual dureza a prender-lhe os saltos dos sapatos, os passos, quase a vontade.
Custa-lhe caminhar. No corpo um peso para lá do peso do corpo. Abraça-se, precisa verificar, o fato de linho, leve, não de borracha.
Custa-lhe respirar. O ar insuportável, irrespirável.
Senta-se à secretária, vinte minutos depois da hora em que era suposto sentar-se à secretária.
A secretária como se um boião de aquário.
Na secretária um pisa-papéis em bronze em forma de peixe.
A manhã passa, sem languidez, análises, pesquisas, contas, quadros, mapas, faxes, telefonemas, uma bica sem açúcar, e-mails, processos, relatórios.
Depois a tarde, as horas rubras da tarde, do calor maior, o silêncio sob a ausência de silêncio, as palavras em voz baixa, melodias vagas de rádios, deslizar de cadeiras, dedos sobre teclas e botões, cabeças a pensar, sem tempo para divagações, apenas conclusões.
Do ponto de vista das lâmpadas presas ao tecto lembram os membros de uma orquestra a afinar os instrumentos, a azáfama da tarde, formigas no lufa-lufa do carreiro, ninguém em sentido contrário, a cidade um formigueiro, indiferente ao papa-formigas.
A tarde, passa como a manhã, sentada à secretária.
Sentou-se pontualmente à secretária.
As horas do dia indistinguíveis.
No escritório uma temperatura de frigorífico garantida por um aparelho de ar condicionado com dez anos de garantia.
A tarde passa entre análises, pesquisas, contas, quadros, mapas, faxes, telefonemas, mais uma bica sem açúcar, e-mails, processos, relatórios.
Até que uma assinatura no fim de uma página, a faz reparar na data, transforma o dia, de abstracto a concreto, um dia de Julho.
Uma tarde de Julho.
Julho quase no fim. Mês de pêssegos e alperces.
E fecha os olhos, cinco segundos, o tempo de um respirar, uma tarde inteira dentro de cinco segundos, imagina-se na casa dos avós, o corredor sem fim, um labirinto em linha recta, dezoito metros de corredor onde tudo podia acontecer, ela a pedalar um triciclo pelo corredor, a alegria dos pés fora do chão, os riscos paralelos de três rodas no soalho.
E no corredor um armário, O armário do corredor, quatro portas, quatro chaves de ferro forjado, a pega em forma de coração, um gigante, como se um mostrengo a atormentar o tormentoso Cabo.
Um armário como se um castelo fechado a quatro chaves, na torre de vigia, num sono vigilante, o gato da casa, a prestar vassalagem unicamente a si próprio, desinteressado do trânsito do corredor.
Demorou a conquistar o armário.
Demorou quatro dias a abrir as quatro portas.
Dentro do armário encontrou roupas da avó, o vestido de casamento, dois vestidos de festa, vestidos de noite, escuros como a noite, talvez para que os corpos se confundam com a noite, vestidos decotados nas costas, polvilhados a lantejoulas, um brilho falso de estrelas.
Não consegue imaginar a avó de lantejoulas.
A avó sempre de avental, branco, alvo, imaculado, se um ramo de rosas brancas e um véu, lembraria uma noiva feliz no cume de um bolo de amêndoa e ovos.
A avó de avental à hora do chá, sempre chá preto com dois gomos de limão, acompanhado com uma cigarrilha que fumava numa elegância plácida.
A avó dizia It’s tea time e com pontualidade britânica preparava o chá.
Nunca percebeu se a avó falava a língua de Virgínia Woolf e de Mrs. Dalloway, ou se sabia apenas frases feitas, palavras soltas.
Há coisas que nunca teve coragem de perguntar.
Lembra-se, sempre que a avó a repreendia, o que acontecia com uma frequência mais do que suficiente e que a insatisfazia bastante, que começava os reproches não pelo seu nome próprio, em riste e completo, Sara Luísa, como sempre faziam os pais, mas com o prefixoyoung lady, que em pequena a reduzia à sua condição de ignorante.
Depois cresceu, ficou maior do que a avó, também começou a fumar, as mesmas cigarrilhas amargas, que quem sai aos seus não é de Genebra.
Lembra-se de um tempo, ridículo e breve, em que se sentiu uma big woman, em que pensou que o tamanho era medida suficiente para descurar as consequências das suas acções e omissões.
Depois cresceu mais, os outros dizem que cresceu, dizem que ficou comedida nos gestos e nas palavras.
Não nos pensamentos.
Nos pensamentos não permite que a incomodem.
Em consequência mente. Mente sem pudor sempre que é preciso. Protege-se.
Empenha-se em cultivar pensamentos esdrúxulos, difíceis de medrar, adubados a palavras de poetas assassinados, regados a água de chuva, gosta de andar à chuva, mesmo em dias de Inverno, a água canalizada de chuveiro, que mais não pode fazer quando não chove, a copos de whiskey, que em simultâneo a preservam de constipações e lhe desafinam o fígado.
Dentro do armário lençóis de linho, cobertores de lã e um cheiro a naftalina misturado com alfazema, sabão azul e sol de Verão, um cheiro, também somos feitos de cheiros, que desde então procura, sem nunca encontrar, sempre que abre a porta de um qualquer armário.
Dentro do armário o seu corpo.
Dentro do armário um barulho de búzios.
Dentro do armário uma gaivota e uma cegonha, o ninho da cegonha, a torre da igreja onde a cegonha fez o ninho, a igreja, os sinos a tocar, uma procissão, uma banda e um maestro com pinta de pirata disfarçado de almirante.
Dentro do armário um piano de cauda, dois pinguins, um tigre, uma girafa azul, um índio e dois cowboys, dois pares de patins, uma princesa, sete anões, um lobo mau, três peixes-voadores, um bando de andorinhas, um espantalho, um balão de ar, uma baleia, uma fada madrinha, um submarino, uma costureira perita, um polícia sinaleiro, um carro de bombeiros, um pião, uma amiga imaginária com um vestido vermelho igual ao seu, a quem contava todos segredos, que não gostava de sopa, agora gosta, de dormir sesta, que sabia escrever o seu nome com todas as letras, contar até 38, que já perdeu quatro dentes, quase uma mão cheia de dentes. Cuidado que morde!
Dentro do armário corridas em patins, as duas de mãos dadas, impossível cair, magoar os joelhos, partir o nariz.
Dentro do armário podiam apanhar um avião para Paris.
Viste a Sara?
Onde é que está a Sara?
Escondia-se do mundo.
Escondia-se pelo gosto simples de se esconder, de desaparecer.
Um dia abriram uma porta, abriram todas as portas, uma a uma à vez.
O seu corpo sem respirar dentro do armário, o seu corpo a girar como a chave girava na fechadura da porta. O seu coração no peito entre o tamanho de um botão e de uma baleia.
Dentro do armário não está!
Divertia-se com a preocupação das vozes, dos passos em volta à sua procura.
Mas onde é que se enfiou a Sara?
No buraco de uma agulha!
Sara!
Sara!
E não sabe dizer quantas vezes deu por si, em casa de estranhos, uma vez num museu, um castelo mobilado a preceito, a enfiar sorrateiramente o nariz porta dentro de armários com mesmo um aspecto suspeito, mas vestidos de noiva, nem lençóis de linho, nem cobertores de lã.
O vigilante com o dedo indicador a tocar-lhe no ombro, uma insistência de campainha de prédio de dezoito andares, um labirinto em linha recta onde tudo podia acontecer.
Ela a desfazer-se num sorriso sinónimo de pedido de desculpa pelo seu comportamento atrevido, ela de olhos no chão, nos atacadores dos sapatos, à espera de uma repreensão que invariavelmente começaria com as palavras young lady… enquanto reprime a vontade de o interromper com a pergunta: Desculpe, por ventura sabe onde é que está a Sara?»
(Roubei aqui)

domingo, 11 de outubro de 2015

domingo

O dia morno e cinzento, os trapos para arrumar, a caruma para varrer, o vento, sempre o vento. Os cães a quererem brincar, a ladrar aos caçadores que passam rumo à clareira, junto à mata, com os atrelados que trazem os cães cúmplices da matança. Cuidado, bichos, escondam-se! A tentativa falhada de escrever ficção, um resto de Poirot com tema de Halloween, Um Domingo dormente antes de fritar um arroz basmati e uns bifinhos com molho de amendoim. Um domingo que é nada e amanhã é já segunda, e eu sem entender por que razão não lhe chamaram primeira. A primeira-feira.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Erva

Cheguei-me à beira da terra e belisquei-a. 
Estava ainda aguada do orvalho da noite. 
Da erva escorreram gotas grávidas de húmus, 
Que deslizaram e se infiltraram, 
Rumo ao coração da terra, 
Em líquido verde-água e transparência fria. 
A terra era esponja que guarda as lágrimas nocturnas, 
O pranto dos homens, tantas desilusões
Lançadas pela vidraça dos seus quartos solitários. 
É preciso beliscar a terra de vez em quando. 
Torcer as suas feridas 
Para que seja capaz de absorver mágoas futuras, 
Urdidas em desejos por cumprir.
Nesse  dia  perguntei-te  por  onde  andavam  os  meus 
sonhos 
E tu respondeste que há muito os havias enterrado, 
Porque eram já desistentes, 
Empoeirados, 
De há tanto tempo andarem entregues ao abandono 
De quem desiste de sonhar. 
Na cerimónia fúnebre dos meus projectos 
Soubeste tu plantar uma tímida flor. 
Veremos se, beliscando a terra, 
Apertando a erva, 
Dali nasce a semente como Terra-Mãe, 
Cuja bacia se estende, a deixar sair um filho. 
Belisquemos a terra, pois.
Tentemos dela retirar a seiva que nos faz viver.
O néctar que nos  pode ser salvação. 
Mas não e queixes, se a terra disser que não.


(in «Fora do Mundo», pág.58, Poética Edições, 2014)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Corpo dormidor

Dormiu como há muito não dormia. Sem ruídos nem consciência, sem recordação das mudanças de pose daquele corpo dormidor, na sessão onírica em que apenas a escuridão observa o seu repouso. A vida arrumando-se em silêncio, timidamente, as horas cumprindo um papel rasurado, amachucado em desperdício. Ainda a urgência de uma noite que lhe dê protecção, o consolo de um azul-estrelado, a dar fim ao eclipse que lhe deixa, no rosto redondo, um tímido beijo de luz.
Noite Estrelada, van Gogh

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Alzheimer

Saber, para compreender e dar apoio a quem dele mais precisa. Quero acreditar que num futuro não muito distante haverá um bendito comprimido que evite este drama.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O escritor-fantasma

Ali, preto no branco, estava a lista de autores, obras e discursos escritos na sombra, durante décadas. Todas as provas, deixadas em testamento. Foi um escândalo mundial. Aquilo envolvia até um prémio Nobel. A coisa acabou em suicídios em série, demissões, tribunais, sátiras sem fim. Morto, o escritor-fantasma já não precisava de ganhar a vida. Ainda que tarde, lá conseguiu a sua fama. E foi sem dificuldade que a viúva arranjou editora para os contos e romances que o infeliz marido guardava, há tanto tempo, na gaveta, desolado com tantas cartas de recusa que diziam sempre o mesmo, sem qualquer criatividade, e com a frieza de uma circular:
«Apesar da inquestionável qualidade da sua obra, lamentamos informar que a mesma não se enquadra no nosso plano editorial.»
Ainda hoje o seu espectro paira pela casa. As resmas de papel, guardadas no gavetão da secretária, têm vindo a desaparecer misteriosamente.