Cheguei-me à beira da terra e belisquei-a.
Estava ainda aguada do orvalho da noite.
Da erva escorreram gotas grávidas de húmus,
Que deslizaram e se infiltraram,
Rumo ao coração da terra,
Em líquido verde-água e transparência fria.
A terra era esponja que guarda as lágrimas nocturnas,
O pranto dos homens, tantas desilusões
Lançadas pela vidraça dos seus quartos solitários.
É preciso beliscar a terra de vez em quando.
Torcer as suas feridas
Para que seja capaz de absorver mágoas futuras,
Urdidas em desejos por cumprir.
Nesse dia perguntei-te por onde andavam os meus
sonhos
E tu respondeste que há muito os havias enterrado,
Porque eram já desistentes,
Empoeirados,
De há tanto tempo andarem entregues ao abandono
De quem desiste de sonhar.
Na cerimónia fúnebre dos meus projectos
Soubeste tu plantar uma tímida flor.
Veremos se, beliscando a terra,
Apertando a erva,
Dali nasce a semente como Terra-Mãe,
Cuja bacia se estende, a deixar sair um filho.
Belisquemos a terra, pois.
Tentemos dela retirar a seiva que nos faz viver.
O néctar que nos pode ser salvação.
Mas não e queixes, se a terra disser que não.
(in «Fora do Mundo», pág.58, Poética Edições, 2014)
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