segunda-feira, 28 de maio de 2012

Queen

Para marcar o lado mais negro da actualidade, este video fortíssimo, uma música dos Queen (ou só de Freddie Mercury? Não sei) com a participação do David Bowie, e que marcou a minha geração que ouvia isto porque "o tema era giro..."

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O que nos aconteceu

Indo contra o espírito deste blog, que tenta manter-se à margem de questões polémicas - sociais e políticas - da actualidade, na tentativa de fazer do mesmo um cálido refúgio, publico aqui um texto que espelha o que eu penso acerca do que nos aconteceu. Está bem escrito. Decerto eu não escreveria exactamente assim. Mas o essencial está aqui:


A trapeira do Job
José António Barreiros, advogado

"Isto que eu vou dizer vai parecer ridículo a muita gente.
Mas houve um tempo em que as pessoas se lembravam, ainda, da época da infância, da primeira caneta de tinta-permanente, da primeira bicicleta, da idade adulta, das vezes em que se comia fora, do primeiro frigorífico e do primeiro televisor, do primeiro rádio, de quando tinham ido ao estrangeiro.
Houve um tempo em que, nos lares, se aproveitava para a refeição seguinte o sobejante da refeição anterior, em que, com ovos mexidos e a carne ou peixe restante, se fazia "roupa velha". Tempos em que as camisas iam a mudar o colarinho e os punhos do avesso, assim como os casacos, e se tingia a roupa usada, tempos em que se punham meias-solas com protectores. Tempos em que ao mudar-se de sala se apagava a luz, tempos em que se guardava o "fatinho de ver a Deus e à sua Joana".
E não era só no Portugal da mesquinhez salazarista. Na Inglaterra dos Lordes, na França dos Luíses, a regra era esta. Em 1945 passava-se fome na Europa, a guerra matara milhões e arrasara tudo quanto a selvajaria humana pode arrasar.
Houve tempos em que se produzia o que se comia e se exportava. Em que o País tinha uma frota de marinha mercante, fábricas, vinhas, searas.
Veio depois o admirável mundo novo do crédito. Os novos pais tinham como filhos uns pivetes tiranos, exigindo malcriadamente o último modelo de mil e um gadgets e seus consumíveis, porque os filhos dos outros também tinham. Pais que se enforcavam por carrões de brutal cilindrada para os encravarem no lodo do trânsito e mostrarem que tinham aquela extensão motorizada da sua potência genital. Passou a ser tempo de gente em que era questão de pedigree viver no condomínio fechado, e sobretudo dizê-lo, em que luxuosas revistas instigavam em couché os feios a serem bonitos, à conta de spas e de marcas, assim se visse a etiqueta, em que a beautiful people era o símbolo de status, como a língua nos cães para a sua raça.
Foram anos em que o Campo se tornou num imenso resort de Turismo de Habitação, as cidades uma festa permanente, entre o coktail party e a rave. Houve quem pensasse até que um dia os Serviços seriam o único emprego futuro ou com futuro.
O país que produzia o que comíamos ficou para os labregos dos pais e primos parolos, de quem os citadinos se envergonhavam, salvo quando regressavam à cidade dos fins de semana com a mala do carro atulhada do que não lhes custara a cavar e às vezes nem obrigado.
O país que produzia o que se podia transaccionar, esse, ficou com o operariado da ferrugem, empacotados como gado em dormitórios, e que os víamos chegar mortos de sono logo à hora de acordarem, as casas verdadeiras bombas-relógio de raiva contida, descarregada nos cônjuges, nos filhos, na idiotização que a TV tornou negócio.
Sob o oásis dos edifícios em vidro, miragem de cristal, vivia o mundo subterrâneo de quantos aguentaram isto enquanto puderam, a sub-gente. Os intelectuais burgueses teorizavam, ganzados de alucinação, que o conceito de classes sociais tinha desaparecido. A teoria geral dos sistemas supunha que o real era apenas uma noção, a teoria da informação substituía os cavalos-força da maquinaria pelos megabytes de RAM da computação universal. Um dia os computadores tudo fariam, o Ser-Humano tornava-se um acidente no barro de um oleiro velho e tresloucado que, caído do Céu, morrera pregado a dois paus, e que julgava chamar-se Deus, confundindo-se com o seu filho e mais uma trinitária pomba.
Às tantas, os da cidade começaram a notar que não havia portugueses a servir à mesa, porque estávamos a importar brasileiros, que não havia portugueses nas obras, porque estávamos a importar negros e eslavos.
A chegada das lojas-dos-trezentos já era alarme de que se estava a viver de pexisbeque, mas a folia continuava. A essas sucedeu a vaga das lojas chinesas, porque já só havia para comprar «balato». Mas o festim prosseguia e à sexta-feira as filas de trânsito em Lisboa eram o caos e até ao dia quinze os táxis não tinham mãos a medir.
Fora disto, os ricos, os muito ricos, viram chegar os novos ricos. O ganhão alentejano viu sumir o velho latifundário absentista pelo novo turista absentista com o mesmo monte mais a piscina e seus amigos, intelectuais, claro, e sempre pela reforma agrária, e vai um uísque de malte, sempre ao lado do povo, e já leu o New Yorker?
A agiotagem financeira, essa, ululava. Viviam do tempo, exploravam o tempo, do tempo que só ao tal Deus pertencia, mas, esse, Nietzsche encontrara-o morto em Auschwitz. Veio o crédito ao consumo, a Conta-Ordenado, veio tudo quanto pudesse ser o ter sem pagar. Porque nenhum Banco quer que lhe devolvam o capital mutuado, quer é esticar ao máximo o lucro que esse capital rende.
Aguilhoando pela publicidade enganosa os bois que somos nós todos, os Bancos instigavam à compra, ao leasing, ao renting, ao seja como for desde que tenha e já, ao cartão, ao descoberto-autorizado.
Tudo quanto era vedeta deu a cara, sendo actor, as pernas, sendo futebolista, ou o que vocês sabem, sendo o que vocês adivinham, para aconselhar-nos a ir àquele Balcão bancário buscar dinheiro, vendermo-nos ao dinheiro, enforcarmo-nos na figueira infernal do dinheiro. Satanás ria. O Inferno começava na terra.
Claro que os da política do poder, que vivem no pau de sebo perpétuo do fazer arrear, puxando-os pelos fundilhos, quantos treparam para o poder, querem a canalha contente. E o circo do consumo, a palhaçada do crédito servia-os. Com isso comprávamos os plasmas mamutes onde eles vendiam à noite propaganda governamental e, nos intervalos, imbelicidades e telefofocadas, que entre a oligofrenia e a debilidade mental a diferença é nula. E, contentes, cretinamente contentinhos, os portugueses tinham como tema de conversa a telenovela da noite, o jogo de futebol do dia e da noite e os comentários políticos dos "analistas" que poupavam os nossos miolos de pensarem, pensando por nós.
Estamos nisto.
Este fim-de-semana a Grécia pode cair. Com ela a Europa.
Que interessa? O Império Romano já caiu também e o mundo não acabou. Nessa altura, em Bizâncio, discutia-se o sexo dos anjos. Talvez porque Deus se tivesse distraído com a questão teológica, talvez porque o Diabo tenha ganho aos dados a alma do pobre Job na sua trapeira. O Job que somos grande parte de nós."

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Erva

Cheguei-me à beira da terra e belisquei-a. Estava ainda aguada do orvalho da noite. Da erva escorreram gotas grávidas de húmus, que deslizaram e se infiltraram, rumo ao coração da terra, em líquido verde-água e transparência fria. A terra era esponja que guarda as lágrimas nocturnas, o pranto dos homens, tantas desilusões lançadas pela vidraça dos seus quartos solitários. É preciso beliscar a terra de vez em quando. Torcer as suas feridas para que seja capaz de absorver mágoas futuras, urdidas em desejos por cumprir. 
Nesse dia perguntei-te por onde andavam os meus sonhos e tu respondeste que há muito os havias enterrado, porque eram já desistentes, empoeirados, de há tanto tempo terem sido entregues ao abandono de quem desiste de sonhar. Na cerimónia fúnebre dos meus projectos soubeste tu plantar uma tímida flor. Veremos se beliscando a terra, apertando a erva, dali nasce a semente como Terra-Mãe, cuja bacia se estende, a deixar sair um filho. Belisquemos a terra, pois, tentemos dela retirar a seiva que nos faz viver. O néctar que nos  pode ser salvação. Mas não te queixes, se a terra dizer que não.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Livros

As leituras têm os seus caprichos. Emprestaram-me uma pilha de livros. E eu, como pessoa respeitadora da propriedade alheia, gosto de dar prioridade aos que não me pertencem, para os devolver assim que possível. 
Entretanto, caem-me outros no colo, tal como acontece a qualquer pessoa que ama livros: os que recebemos no Natal, nos anos e afins, emprestados por outras pessoas que nos dizem, Não leste?! TENS de ler, leva!, os que não conseguimos deixar de comprar, os livros novos e autografados de autores portugueses e até, no meu caso, alguns em 2ª mão que me foram oferecidos por uma amiga de S. Paulo e que me chegaram por avião, através do meu marido :) são de Guimarães Rosa, João Ubaldo Ribeiro e Rubem Fonseca, em edições que não se encontram por cá.
Mas como dizia, tenho de dar prioridade aos primeiros, certo?
.... / ....
Quem disse?! 
É terrível. Eles, os livros, portam-se mal e não respeitam nada.
Chego a abandonar leituras pela metade, mais de cem páginas lidas, porque outros parecem emitir um som agudo, uma espécie de ganido, uma mistura de desamparo e sedução. E simplesmente não consigo concentrar-me. E tal como o Gastão que, ao ver-me comer uma bolacha, pão ou uma banana (sim, tenho um serra da estrela que descobriu que gosta de banana), fica de focinho pousado na mesa, de sobrolho erguido e testa enrugada, a olhar para mim e para o meu alimento, alternadamente, e outro remédio não tenho senão exclamar:
- ESTÁ BEM, GANHASTE! ANDA CÁ!

domingo, 20 de maio de 2012

Ups...

Ups, dei por mim e passou uma semana sem que eu aqui viesse. Aos gentis leitores que fazem o favor de acompanhar este blog, as minhas sinceras desculpas. Será que vale passar em revista, muito rapidamente, o que aconteceu nos últimos dias? Aqui vai a semana singela:

Dediquei-me com fúria e desespero ao preenchimento da declaração electrónica de IRS, que nunca consigo entregar à primeira. Nem à segunda. Por vezes...nem à terceira. Uma missão que odeio nas catacumbas do meu ser, tal como engomar. Não, odeio mais ainda a maldita declaração anual. Prefiro engomar.

Recomecei a trabalhar numa novela/romance (ainda não sei bem o que é aquilo) que estava em banho-maria há cerca de um ano.

Indignei-me com os noticiários, como qualquer pessoa razoável.

Tirei fotografias

Limpei o pó, tomei banho, paguei contas, comi e bebi, chorei, ri-me à gargalhada, enfim, vocês percebem. Vivi e sobrevivi.

Organizei resmas de papeladas

Fui ontem a uma feijoada no Colégio Valsassina, onde estudei durante 8 anos: a emoção esperada, ao fim de 23 anos sem lá pôr os pés - rever professores, conversar e reencontrar colegas, saber da morte de pessoas que imortalizamos na nossa memória.

Mastiguei a alegria e o orgulho de ter o meu filho arranjado o seu primeiro "emprego"...a tocar saxofone...num hotel de luxo! E...sozinho! (por sozinho, entenda-se: conseguiu o trabalho sozinho e irá tocar completamente sozinho! Só ele, o instrumento e as partituras)...faço notar a proeza deste contrato de verão, uma vez que ele tem apenas 16 anos :)

Consolei-me ao ouvir o José Luís Peixoto confirmar, na Sic Notícias ("Fora de Horas"), que descura horários e refeições, a arrumação da casa e até a higiene pessoal quando está mergulhado na escrita. Afinal não sou a única...! A merda é que não escrevo como o José Luís Peixoto. Isso deve fazer de mim uma pessoa apenas desmazelada. Bolas. 

De resto, revisão de texto, revisão de texto, revisão de texto..quase-quase a terminar.

Amanhã volto à carga de forma mais literária, prometo. E agora vou jantar.

sábado, 12 de maio de 2012

a fotografia

O homem aproximou-se e o chão era um rochedo organizado. Bicolor – não um tabuleiro de xadrez, não – antes uma série de degraus nivelados, lances regulares, cor de marfim, onde, a espaços, agrupados em dois e depois em três, outros degraus, desta feita elevados, onde ele podia repousar o seu corpo. As suas mãos. Atordoado e exausto de percorrer escalas de sons movediços, tão distintos, sob a ventania que o chicoteava, os cabelos rebelando-se, arranhando a superfície dos olhos, sentou-se numa das rochas de ébano e logo se sentiu cair. O chão negro abatera-se sob os seus pés. Não havia ébano nem marfim. Apenas um céu de antracite. No ar soou a nota que faltava, a preencher um intervalo, não mais do que meio tom…produzindo um acorde dissonante. Ainda foi a tempo de sorrir, admirando o estranho ponto de fuga que a paisagem bicolor compunha e, rendido, preparou a lente da sua máquina e, leve como um anjo, tirou a fotografia.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Adeus, Bernardo


Choremos juntos a partida tão prematura e inesperada de um músico e compositor brilhante: BERNARDO SASSETTI.  Aqui, com a sua peça "Sonho dos Outros", com Pedro Burmester e Mário Laginha (no CCB), 3 pianos que dançam e cantam...numa melodia que poderia ser o nosso puro pranto.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Chuva

O dia de hoje esteve assim, frente aos meus olhos. Tudo era chuva e neblina do lado de lá do vidro. Uma imagem tão romântica que parece mal; um quadro apaixonado de um qualquer pintor amante dos cenários naturais, bucólicos, aquáticos. Mas não. É apenas a visão do meu escritório, o modesto quartinho onde finjo que trabalho, escondida em horas de prazer, enquanto vos escrevo estas palavras. Petúnias banhadas pela chuva primaveril. O fundo afundado em águas miudinhas, que tudo transformam em gaze. A timidez de um arvoredo escondido sob um véu de gotinhas mornas, que cheiram a terra. O tic-tic-tic constante da chuva abatendo-se sobre a laje, alimentando a madeira, os ramos, as pétalas...e a nossa alma, por vezes sedenta de tardes abençoadas como esta, que me aconteceu sem aviso.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Destino

Têm o poema em baixo, para "escutarem os versos"




Segue o teu destino, 
Rega as tuas plantas, 
Ama as tuas rosas. 
O resto é a sombra 
De árvores alheias. 

A realidade 
Sempre é mais ou menos 
Do que nos queremos. 
Só nós somos sempre 
Iguais a nós-proprios. 

Suave é viver só. 
Grande e nobre é sempre 
Viver simplesmente. 
Deixa a dor nas aras 
Como ex-voto aos deuses. 

Vê de longe a vida. 
Nunca a interrogues. 
Ela nada pode 
Dizer-te. A resposta 
Está além dos deuses. 

Mas serenamente 
Imita o Olimpo 
No teu coração. 
Os deuses são deuses 
Porque não se pensam. 

Ricardo Reis, in "Odes" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A nossa separação

Mau grado todas as desgraças que conhecemos bem, de longe e de perto, e que arranham as nossas vidas, vão surgindo pequenas coisas fantásticas como esta. Um bom livro com download gratuito, ao alcance de um clique. Querem aproveitar? Eu acho que vale a pena. O texto é de Fernando Marques da Costa e de Patrícia Reis. Receba aqui este presente: A nossa separação

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Maio

Para celebrar o mês de Maio e esquecer este exagero de vento e de chuva, deixo-vos com uma filmagem maravilhosa da polinização. Cliquem no canto inferior direito, para "full screen".

terça-feira, 1 de maio de 2012

Calor

Apesar de ter começado o mês de Maio neste respeitável feriado, desde o anoitecer que as horas restantes chamaram pelo conforto de uma noite de outono. O corpo pede-me calor e hidratos de carbono; o espírito, boa música, boa companhia e os cães, claro, leais e decorativos, enroscados na tijoleira ou no tapete de juta, como convém. À tarde, depois de uma travessa com um delicioso bacalhau espiritual comprado à D. Maria José, tive o meu neto nos braços, adormecido, a segurar no meu indicador direito. Fiquei assim, rendida, a conversar feliz, até o músculo do braço ceder ao peso daquela cabeça redonda e morna, a cheirar a bebé como só os bebés sabem cheirar. Já em casa, tive direito a sesta, algo que não fazia há muito tempo. Antes de adormecer, umas páginas de Uma Luz Que Nos Nasce por Dentro, a iluminar-me os sonhos. E o serão começa agora, com um jantar-ceia, junto à lareira, com tudo a que temos direito neste dia feito de pequenos prazeres. Vale a pena cultivar certos rituais. Dar um pouco mais de calor aos nossos dias.