sábado, 12 de maio de 2012

a fotografia

O homem aproximou-se e o chão era um rochedo organizado. Bicolor – não um tabuleiro de xadrez, não – antes uma série de degraus nivelados, lances regulares, cor de marfim, onde, a espaços, agrupados em dois e depois em três, outros degraus, desta feita elevados, onde ele podia repousar o seu corpo. As suas mãos. Atordoado e exausto de percorrer escalas de sons movediços, tão distintos, sob a ventania que o chicoteava, os cabelos rebelando-se, arranhando a superfície dos olhos, sentou-se numa das rochas de ébano e logo se sentiu cair. O chão negro abatera-se sob os seus pés. Não havia ébano nem marfim. Apenas um céu de antracite. No ar soou a nota que faltava, a preencher um intervalo, não mais do que meio tom…produzindo um acorde dissonante. Ainda foi a tempo de sorrir, admirando o estranho ponto de fuga que a paisagem bicolor compunha e, rendido, preparou a lente da sua máquina e, leve como um anjo, tirou a fotografia.

3 comentários:

  1. " a nota que faltava "... tom intermédio entre o tudo e o nada, ao encontro do silêncio.
    Tão bem escrito!
    O mais bonito que li, em sua homenagem!

    Um beijinho, Vera

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  2. Muito obrigada, Maria João. Foi muito sentido.E talvez por isso as pessoas lhe encontrem sentido...juntou-se a inspiração da vida à da morte. Nascida de entre muito do que ganhámos com a música do Bernardo e do que perdemos com a sua partida: celebração e dor, de mãos dadas. Beijos

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