quinta-feira, 30 de junho de 2011

Uma boa sugestão de som para este verão. É malta da Hungria e são bons. Enjoy.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Cinco

Chegaram com mochilas e sacos. Foram farejando os cantos, instalando-se, a encontrar o seu lugar na casa. Sempre juntos. Mesmo na diferença. Agarraram com mãos e bocas ávidas a liberdade que lhes foi dada. Uma bandeja feita de transgressões de que por vezes é feita a felicidade. E no auge do sangue juvenil que lhes corria nas veias, admiraram um céu cheio de estrelas, coreografaram as águas numa dança agitada e algo perigosa, mimaram os sentidos, riram, disparataram, beberam clandestinamente as horas nocturnas. Até que os olhos os venceram e a madrugada os rendeu. Inventaram recordações e sonhos, inspirados pela surpresa desses dias cúmplices. As manhãs encontraram-nos a dormir, exaustos, de barriga cheia, como gatos ao sol. Surgiam pela hora do almoço, sonolentos, espantados com aquele corpo de semi-criança, que não conseguira enganar a vastidão da noite. Colavam-se à casa, recusando-se a sair para lá dos montes verdes e dos pinheiros. Nem sequer para irem ao encontro do mar. Nem tampouco em busca do ruído das multidões, de que eram feitos os seus breves anos. Juntos. Diferentes, mas sempre juntos. Os cães à roda deles, felizes com tantos braços e pernas, tantos cheiros e vozes para explorar com a sua lealdade canina. Os cinco rapazes ficaram, para prolongar a cumplicidade das horas e adiar o adeus. Até que à mulher, grata e cansada, nada mais restou do que sentir o alívio e a tristeza de os ver partir.
Roubei a imagem aqui

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Sonho

As janelas abertas do quarto, o ar morno a inundar os lençóis. A mulher sonhou que Pégaso entrava e a levava dali, para um mundo vibrante. Iluminado. Tão cheio com os mistérios da noite que os insones confirmam. Pégaso depô-la junto de uma fonte, na praça, e relinchou, como que a instruí-la. Ela compreendeu e entrou na fonte cuja água tilintava em transparências de vidro. Mergulhou devagar o corpo todo. Até o cabelo e a face. Quando abriu os olhos e a água escorreu, tudo era prata. Mercúrio líquido, argênteo. Tornou a montar o cavalo para voarem ao encontro da lua. Arrumando as suas asas, o cavalo alado pousou a mulher num chão de areia cor de cinza, que brilhava. E ali adormeceram os dois viajantes. Ela não esquece o abdómen quente, o batimento daquele coração animal. Não quer acordar daquele adormecimento feito de sonho. Mas o sol, ciumento, vem despertá-la. De olhos abertos, a mulher viu dourar-se o mundo. Tudo se enrubesceu de acolhimento. Tudo era vivo. Fértil. Então a mulher alongou-se até à escuridão de prata, e guardou a lua na sua algibeira de linho branco. Estendeu a outra mão e agarrou o sol, que guardou do mesmo modo. Por fim deitou-se e adormeceu num vazio sem noite nem dia. Sonhou que era dona do tempo, deusa da luz. Sentiu-se grata pelos tesouros que roubara. E pelas asas do animal que dormia a seu lado, Pégaso, um cão de pelo branco, cúmplice de um crime feito de estrelas.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Enid Blyton

Hoje vi o filme "Enid", sobre a vida de Enid Blyton, protagonizado por Helena Bonham Carter. A mulher tinha os seus defeitos e deixou para segundo plano algumas das pessoas que mais deveria ter acarinhado: a família. No entanto, não posso deixar de admirar uma mulher que começava a escrever sem qualquer plano, simplesmente fechando os olhos e entregando-se ao poder inexplicável da imaginação, pressionando as letras da sua máquina com os indicadores, e escrevendo entre 6 e 10 mil palavras por dia. Caramba, publicou 700 livros e outras 5 mil obras, entre contos, poemas e peças de teatro! Quem não a conhece através do Noddy, dos Cinco, do Clube dos Sete, do Mistério, das Gémeas ou das Quatro Torres? Todos crescemos a ler as suas histórias, que continuam a ser reeditadas no mundo inteiro.
Aqui deixo um excelente documentário, com o melhor e o pior da sua vida e do seu carácter.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Vida

Adiei a lida da casa (odeio esta expressão: "lidar com a casa"...?) e atirei-me à biografia de Benjamin Moser, sobre Clarice Lispector. O tempo voou. Interrompi a leitura para uma caminhada a meio da tarde. No regresso, fiz um pequeno desvio e fui visitar uns vizinhos. Ele passou por mim empurrando um carrinho de mão onde levava uma porta sabe-se lá para onde. Quando voltou eu já conversava alegremente com a sua mulher, tentando explicar o que eram petúnias, enquanto a cadelinha Luna saltava a meus pés. Saí com a oferenda de uma garrafa de ginginha caseira. Em casa, depois de um banho, lancei-me de novo à Clarice. Passei pelas brasas, mas fui acordada pela luz do sol poente, que batia na portada azul e se derramava sobre a colcha azul e branca. Entrei na infância de Clarice. Para trás ficaram as páginas terríveis que narravam as perseguições da sua família em tempo de guerra, durante a Revolução Russa. Começava agora uma nova vida, longe de perfeita. O cenário? O Recife brasileiro. Uma menina bonita, inconsciente da sua pobreza, que se divertia a roubar rosas de um jardim vizinho e a imitar as vozes e trejeitos dos professores.
O jantar fez-se sozinho, composto de queijo e enchidos fatiados, salmão salpicado com pimenta preta, limão e salsa, taças de vinho branco e bolinhos de coco. Anoiteceu, por fim. Bebi o café vendo "Uma Questão de Honra", fascinada com o desempenho magistral de Jack Nicholson, contracenando com Tom Cruise: You can't handle the truth! A famosa frase colérica. O homem intocável foi preso, os rapazes absolvidos da acusação de homicídio e o jovem advogado ganhou o seu primeiro caso em tribunal. Ah, eu e a literatura. Eu e o cinema. Na pequenez dos meus dias, espreitando a desgraça e a honra de grandes vidas. Sentindo-me imensa no levar desta vida minúscula.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Livros

A beleza do livro
(PATRÍCIA REIS, crónica Expresso edição de 4 de junho)

"Entregar um livro ao público é como levar o filho à escola pela primeira vez: o miúdo já sem fraldas mas ainda com o boneco e, por vezes, a fralda de pano. Fica pendurado na professora e à mercê de uma mão cheia de desconhecidos. Um livro novo, depois de mais de três anos de trabalho, torna-se estrangeiro para quem o escreve, é um território que pode ser lido, interpretado, amado ou odiado. Por quem conhecemos e por todos os outros, potenciais leitores, sem rosto, sem referências que nos confortam.

A seguir, a pergunta central é a de saber: depois de “Por este Mundo Acima” que vou escrever? Devo escolher outro trilho? E será isso uma boa ideia ou pode prejudicar todos os frutos recolhidos? Se escrever é condição e não profissão, uma necessidade ou terapia, para tantos, é ainda um exercício de algum masoquismo, porque nos expomos e não temos certeza de nada. Há, de certa forma, um regresso à insegurança infantil de não se ter a certeza, até porque quando temos a certeza somos apelidados de “convencidos” ou “arrogantes”.

Na Festa da Literatura no Funchal em finais de Maio, primeira edição da responsabilidade dos Booktailors, alguém disse: “Podia ser só uma mulher gira”. Outra presunção? Certamente. Quem é que quer ser apenas uma mulher gira? Ou um homem? Ou até uma criança? Desejamos sempre que a beleza venha de mão dada com a inteligência e o sentido de humor, prática pouco exercitada por estas bandas onde dizer mal é mais fácil do que dizer bem; por isso festejar o sucesso do outro é, desculpem dizer, uma enorme maçada. Como a beleza alheia. Mesmo que a beleza seja de uma tristeza infinita.

Eu encontro beleza nos livros e por isso leio e releio. Gosto de ter amigos que são escritores e outros que não estão sequer interessados em saber o nome do próximo ou anterior Prémio Nobel. Na multiplicidade é que está o ganho. Mesmo que não seja giro."