sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Mimos

 
Conhecem a velha expressão "it's a dirty job but somebody has to do it"? Assim é. Neste caso, eu, já que não tenho empregada. Uma casa é uma criança caprichosa: se a queremos ver feliz, sorridente, luminosa, temos de lhe consagrar muita atenção; de contrário, começa a fazer birras, a virar-se contra nós. Havia cantos da casa que, amuados, já haviam desistido de se queixar. E foi nesse momento que senti pena dela, da casa, e fui salvá-la. Coitada, sete anos de idade, uma criança ainda...e eu, mãe desnaturada. 
A resolução foi tomada e o resto terá de esperar. Dedico-lhe agora algumas horas, regatando-a ao abandono:
Dou colo ao recheio das gavetas;
Alimento-a com óleo de cedro;
Dou-lhe banhos com água morna e bolhinhas de sabão;
Esfrego-lhe todos os refegos e covinhas onde se esconde o cotão e o suor inocente;
Aspiro-lhe a pele húmida;
Penteio cada madeixa caída, experimento-lhe novos penteados;
Visto-a com roupas limpas, deixando-a arrumada;
Saio com ela à rua, o carrinho à porta.
E quando a primavera chegar, não me escapas, Casa da Lua: acaba-se-te o Carnaval, essa cara de criança pobre, vagabunda: serás azul e branca outra vez, como no dia em que nasceste. Porque todos precisamos de mimos.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Medo

Copyright Nanã Sousa Dias ("Misty")
Às vezes é difícil sair da nossa zona de conforto. Por mais desconfortável que ela seja. Acostumamo-nos à dor, à frustração, ao equívoco. Ao menos é nossa, a dor; uma dor amiga, uma velha frustração que guardamos no corpo, um equívoco que sabemos como nasceu. Mudar de posição, movermo-nos, é o abismo, a incógnita. E os nossos medos vencem, dizendo-nos: vês, como te conhecemos bem? Deixa-te estar.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Jacob Collier

Mais um arranjo e interpretação fantásticos deste puto estupidamente talentoso...e trabalhador. Sim, porque é preciso trabalhar muito. Ele é que toca todos os instrumentos. Ah, pois é.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Prémio Correntes d' Escritas 2014

Manuel Jorge Marmelo, de 42 anos, jornalista nascido no Porto, e desempregado há cerca de um ano, acaba de vencer o prémio Correntes d' Escritas 2014. 
A obra "Uma Mentira Mil Vezes Repetida" saiu pela Quetzal em 2011. O júri foi constituído por Isabel Pires de Lima, Carlos Quiroga, Patrícia Reis, Pedro Teixeira Neves e Sara Figueiredo Costa. O prémio, no valor de 20 mil euros, será entregue no próximo sábado, dia 22, na sessão de encerramento da 15ª edição deste festival literário, que decorre no Casino da Póvoa do Varzim. 
Para mais informação sobre o autor, vá aqui

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Photoshop


Apesar de serem digitais, as fotografias de promoção que tenho, tiradas pelo Nanã ao longo destes doze anos, nunca foram manipuladas para apagar rugas, poros, imperfeições. E assim é que deve ser. Discordo totalmente desta maldita moda, que já dura há décadas: mostrar mulheres irreais, criar gerações de raparigas e mulheres frustradas, que favorecem os lucros das empresas de cosmética. É preciso alertar a sociedade para esta praga, que chega a provocar mortes por anorexia. Tenhamos orgulho na história que os nossos corpos e rostos têm para contar. Não queremos manequins de plástico. Photoshop, sim, para favorecer a iluminação, resolver problemas de focagem, alterar um fundo ou cenário, porque não? Mas...mexer nas pessoas?! Não faz sentido. Apresento-vos os meus poros, com 34 anos, na época. E outra tirada 7 anos mais tarde: inclui ruga na testa. E vejam o video abaixo, que vale a pena.
Copyright Nanã Sousa Dias 2003
Copyright Nanã Sousa Dias 2010

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

De molho

Desde que me mudei para o campo é raro adoecer. Refiro-me a constipações, gripes, anginas e afins. Mas chega o dia em que, numa semana social intensa, chuvosa e com baixas temperaturas, os bicharocos nos apanham. E eis-me de molho, reduzida às mezinhas caseiras, vestida com camadas e camadas de roupa, na vã tentativa de quebrar um frio que não me sai da pele. Sem forças para abrir sequer um frasco de doce. Bebendo chá de cebola com muito mel. A casa um caos. Os papeis acumulando-se. A maldita chuva que não pára. A escrita em atraso. Só isto, um texto doente, fraquinho, raquítico, a ilustrar a condição do corpo.
Para quando o regresso ao mundo dos vivos? Até quando terei esta voz que não é minha, de Dart Vader, tornada ridícula pela articulação fanhosa?
Quantos rolos de papel mais terei de gastar até recuperar o meu nariz e a minha dignidade?
Não me sinto nada sexy.
E a conta da luz vai ser linda.
(suspiro)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Prémio T.S. Eliot

«Há prémios literários prestigiantes, mas com um valor pecuniário relativamente baixo, e prémios realmente chorudos, mas sem grande reputação. Um prémio literário que reúna ambas as coisas é mais difícil, claro, e é um galardão assim que todos os que escrevem naturalmente almejam. Pois os herdeiros do grande T. S. Eliot e a Poetry Book Society têm há vinte anos o Prémio T. S. Eliot para um livro de poesia, que rende nada mais, nada menos do que quinze mil libras ao seu autor, além, evidentemente, de uma honra sem igual (que poeta não gostaria de ter na sua carreira um prémio cujo patrono fosse um dos maiores poetas de sempre?). Entre os vinte distinguidos até hoje, contam-se, pelo menos, dois autores que receberam o Prémio Nobel da Literatura – o irlandês Seamus Heaney, recentemente falecido, e Derek Walcott, natural da ilha de Santa Lucia, que foi nobelizado em 1992 – e ainda o sobejamente conhecido Ted Hughes. Este ano arrecadou-o uma irlandesa, Sinéad Morrissey, com a obra Parallax (que estou em vias de adquirir), uma poetisa que já somou várias distinções importantes e foi a mais jovem de sempre a ganhar o Prémio Patrick Kavanagh, para inéditos, com dezoito anos, embora a obra só tenha visto a luz muitos anos depois. Convém dizer que todos os seus livros anteriores foram finalistas do prémio que agora lhe foi atribuído e que, portanto, era uma vitória mais ou menos esperada.»
(retirado do blogue "HORAS EXTRAORDINÁRIAS", de Maria do Rosário Pedreira) 


domingo, 2 de fevereiro de 2014

Philip Seymour Hoffman

Um dos meus actores preferidos. A notícia da sua morte foi um choque para mim. Já foi tudo dito: um talento imenso, um desperdício, esta partida tão prematura. Uma estupidez. E nunca saberemos se foi um acidente ou uma escolha. Inclino-me mais para o acidente. O que torna tudo ainda mais estúpido.

Rosa

A Rosa deixou-nos faz hoje 4 anos...
E chegamos aqui. Vindos da vida.
Já esquecidos do som da nossa voz.
Sobreviventes da cidade erguida

de costas para a foz.


Viemos de tão longe pela areia

que há algo de alga a nos prender os pés.

A paisagem de gestos encontrei-a

nas palmeiras à beira das marés.

Vemos passar a migração de patos

bravos e breves a rasar a água.

Já levantámos voo tantas vezes

que em nós só o olhar é que viaja.

Arremessada à praia do teu corpo

descanso então do grito da chegada:

descobrimos que o sol não estava morto

só estava posto, e rasga a madrugada.

Pode parar o fio do pensamento

a corrida do medo contra o sono.

Bebo afinal o copo do silêncio

que faz calar o vento no teu ombro.

(in "As Pequenas Palavras")

Obrigada, Alice, pela excelente escolha do poema.