sexta-feira, 30 de abril de 2010

Trapos


Há coisas incompreensíveis. Uma delas é isto de engomar. Os panos multiplicam-se, por mais que cuidemos deles. É um ritual estúpido e interminável: usar, sujar e amarrotar, lavar, pendurar, retirar, engomar, guardar, retirar, usar, sujar…o melhor é nem pensar no tempo de vida que perdemos a tratar dos trapos. Hoje, enquanto engomava durante horas a fio até ver o fundo ao cesto – naquele estado de aparvoamento de quem repete, inutilmente, gestos cujos resultados irão durar tão pouco – pensava no tempo que já perdi da minha vida: se calcular cerca de 4 horas por semana e multiplicar pelas semanas que tem o ano, chego às 212 horas. O que significa que “passamos” 9 dias da nossa vida. E para quê? Porquê? Porque há mais de um século se convencionou que os trapos que usamos não podem ter vincos, é feio. É que é um trabalho perfeitamente estúpido, estar horas ali, a passar o ferro para a esquerda e para a direita, até que a roupa fique lisa, quando sabemos bem que horas ou dias depois iremos amarrotá-la toda outra vez. Odeio pensar que perco anualmente nove dias da minha vida a engomar. É que nem sequer dá gozo. Porque há coisas que dão trabalho, mas dão gozo, não é? Se andássemos todos amarrotados, já não parecia mal e já viram a quantidade de coisas úteis, mais inteligentes ou aprazíveis a que poderíamos dedicar-nos durante nove dias?
Poderão perguntar-me: se detestas assim tanto engomar, porque é que não pagas a uma empregada? Porque é um luxo ao qual não me posso dar, como é óbvio. E nos tempos em que posso, vai dar ao mesmo, ou não vai? 4h/semana a multiplicar por 24 ou 32 euros, dá 1272 ou 1696 euros por ano. Agora pensem bem no que poderiam fazer com esse dinheiro, sem ser pagar a alguém para vos engomar a porcaria dos trapos…
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quarta-feira, 28 de abril de 2010

Obrigada

Para aproveitar mais um dia surpreendente de verão antecipado, afastei-me deste computador, peguei no manual de Escrita Criativa e nos apontamentos e fui para junto do sol preparar o curso e a pele. Ao fim da tarde, fui raptada por uma amiga que me levou a comer uma salada junto à costa e me levou para a areia, onde um S. Bernardo se banhava, nas águas de um pequeno braço do rio, que resolveu atravessar a praia depois dos temporais.
Regressada a casa, fiz carne de porco guisada com favas, acompanhei-me com dois copos de vinho branco e, espantada, fui ver esta lua maravilhosa que se postou sobre a paisagem. Há várias noites que os pássaros cantam, na semi-obscuridade, sem que o seu canto faça sentido. A lua, que parece ter engordado com o meu guisado, está tão inchada, que ilumina o vale inteiro, até à linha desordenada de pequenas luzes cor-de-laranja, que anunciam a cidade, ao fundo. O canto das aves é diverso, são vários bandos, aqui e acolá, e juntam-se ao croachar das rãs e ao pio da corujas. Parecem celebrar as noites inesperadas de verão, que empurram a memória do frio tão recente e já tão longínquo.
Interrompi o visionamento de alguns episódios da série antiga de Sherlock Holmes, para beber de um trago este cenário que encontrei no terraço, ao sair para libertar os cães. Escrevo na quase obscuridade, para não perder o luar que inunda o meu escritório. Uma noite generosa, perfeita, que me faz erguer os olhos ao céu e murmurar, Obrigada.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Aduf

Não, não falta um "e", o projecto chama-se assim mesmo, Aduf. Dentro da World Music, encheu-me as medidas. Está tudo no sítio e nada falha, e olhem que há recantos bem estranhos, ritmos, melodias, tempos nada fáceis...nestes tempos difíceis. É só para quem sabe muito. Estão todos de parabéns e para algo desta qualidade, só podemos desejar o maior dos sucessos.  

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Crónica de RAP

"Eis o flagelo do Eyjafjalla

Será que um islandês vendado escreve correctamente "Carrazeda de Ansiães" no seu computador?

3:45 Quinta-feira, 22 de Abr de 2010

Que reflexão merece a erupção do vulcão Eyjafjalla, situado em Eyjafjallajokull? Primeiro, uma constatação linguística: aquilo que, para nós, é escrever letras à balda no teclado, para os islandeses é toponímia. Eyjafjallajokull é o tipo de palavra que aparece se eu fechar os olhos e carregar aleatoriamente em teclas. Na Islândia, é um sítio. Será que um islandês vendado escreve correctamente "Carrazeda de Ansiães" no seu computador? Não sei, e a comunicação social parece mais interessada em seguir o rasto às nuvens de cinza do que em falar das questões que verdadeiramente interessam, como esta.
Outro problema importante é o de investigar o modo como um amante da natureza deve olhar para o vulcão. Não faz especial sentido que uma pessoa que sofre pela extinção do lince da Malcata se alegre com a extinção do Eyjafjalla. Não é verdade que o Eyjafjalla é tão natural como o lince? Um vulcão é uma espécie de borbulha do planeta. Desenvolve-se e fermenta silenciosamente até esguichar um doloroso pus (espero não estar a ser demasiado técnico). Mas faz parte da natureza como um carvalho ou um golfinho. A única diferença é que os vulcões estão para a natureza como os convidados bêbados estão para uma festa. O anfitrião, como o amante da natureza, quer ter a mesma gentileza para com todos os convidados, mas há um que entorna coisas e apalpa senhoras. É o vulcão. Por isso, querendo ou não, todos nós sabemos, no íntimo, que há natureza de primeira e natureza de segunda: uma que deve ser protegida e apreciada e outra que é simplesmente desagradável. No entanto, por vezes cometem-se injustiças - e eu estou particularmente atento ao facto de, na natureza, haver filhos e enteados. É uma observação que faço amiúde na qualidade de amante da natureza mas, principalmente, na de apreciador de caracóis. Muitas vezes estou a desfrutar de um pires de caracóis e percebo o olhar de repugnância que alguém me dirige. E, quase sempre, não tem a ver com o barulho repenicado que faço a tirar o bicho da casca, mas simplesmente com o facto de eu estar a comer caracóis. O mais interessante é que, na esmagadora maioria dos casos, quem me censura por comer caracóis bebe leite e come ovos. O leite, recordo, é uma gosma produzida no interior de uma vaca, e os ovos são - não há como negá-lo - a menstruação da galinha. É impressionante a hipocrisia destes moralistas da nutrição. Mas, ultrapassada esta lógica e inevitável digressão pelo tema dos caracóis, voltemos à questão do vulcão.
Se há pensamento que deve alegrar-nos, nesta altura, é este: Portugal foi poupado aos mais violentos fenómenos naturais. Não somos arrasados por tornados, nem devastados por tsunamis. Não temos vulcões que nos aflijam nem avalanchas que nos soterrem. A natureza não tem culpa nenhuma de que Portugal esteja como está. É certo que, volta e meia, aparecem umas chuvas mais abundantes e, lá de longe em longe, um terramoto. Mas em geral o nosso clima é ameno e simpático, por muito que a comunicação social se esforce para descobrir desastres naturais em qualquer rabanada de vento. Ainda na semana passada, a fazer fé nos jornais, houve um minitufão no Algarve e outro em Lisboa. Na impossibilidade de sermos visitados por tufões, temos minitufões. Note-se que a expressão "minitufão" nem sequer faz sentido. Não há, por exemplo, microgigantes. Um minitufão é, na verdade, um tufinho. Na semana passada Portugal foi, portanto, assolado por dois tufinhos. Não é especialmente assustador."
(RICARDO ARAÚJO PEREIRA, crónica publicada na Visão, a 22 de Abril)

sábado, 24 de abril de 2010

Jay Kay

Uma faceta menos conhecida do vocalista do grupo Jamiroquai, para vos fazer companhia e alegrar este sábado. E a seguir, abaixo, vejam o Alfalfa, que vale a pena.
 

And now...Alfalfa

E para alegrar mais um bocadinho, vejam este, para contrastar. Irresistível.
 

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Dia Mundial do Livro

Para festejar o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, um vídeo mimoso, que celebra duas das minhas paixões: livros e biscoitos. Já agora, parabéns ao Youtube, que faz hoje 5 aninhos.
 

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Dia da Terra

Dar o exemplo:
Cultivar o rigor da nossa consciência;
Reciclar embalagens, papel, vidros, plásticos, reaproveitar, reutilizar, poupar;
Andar menos de automóvel;
Caminhar mais;
Poupar energias (lâmpadas económicas, velas, grelhados a carvão, banhos pouco demorados, torneiras fechadas sempre que possível...);
Não fumar;
Não usar lacas e outros produtos tóxicos dispensáveis...
Porque sinto, então, que faço tão pouco? Sim, o exemplo começa por cada um de nós, mesmo que seja um esforço ridículo. Afinal, não são os pequenos gestos de todos os dias que podem fazer a diferença? Contamos com tão poucas vitórias e tanto está ainda por fazer. Paciente, a Terra aguenta as nossas asneiras, as nossas exigências, os nossos caprichos. Até quando?
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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Para sorrir e pensar

"Um maluco internado no hospício, diz para a rua: "Vocês aí dentro estão todos loucos"
Imagem: "Nau dos Loucos", Hieronymus Bosch, entre 1450 e 1500.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Feira de Londres 2010

Começou hoje a Feira de Londres, onde são entregues alguns prémios literários a autores, onde vão editores saber das últimas novidades e promover os seus livros mas recentes; onde o público em geral pode assistir a seminários, conhecer novas tecnologias, etc. Decorrerá até dia 21 deste mês.
Para saber mais, clicar aqui

Estou solidária

Como cantora, estou solidária com este video. Pelos músicos, claro, pois o meu instrumento, felizmente, anda sempre comigo e é extremamente fácil de transportar. Isto acontece, não só na United Airlines, como noutras companhias, inclusive na Tap ou na British Airways. Seja uma guitarra, um saxofone, um violoncelo ou um contrabaixo, os carregadores atiram-nos para o monte das bagagens, como se fossem meros caixotes de cartão. Depois vá-se lá dizer-lhes que acabaram de partir um cello do séc.XVII, avaliado em dezenas de milhares de euros...depois é um 31, com as seguradoras e os telefonemas, pois ninguém se responsabiliza, nem quer pagar. Com sentido de humor, este senhor resolveu compôr um tema country, a ilustrar o seu drama. Estou solidária. Cuidado: se têm amor a qualquer coisa frágil, paguem taxas, façam escabeche, ou obriguem as companhias a assinar termos de responsabilidade - mas nunca, NUNCA as mandem para o porão, pois isto não é piada: os carregadores trabalham mesmo assim. Obrigada, Riskas.

domingo, 18 de abril de 2010

Houdini

Temos dois cães, o Gastão (um Serra da Estrela) e o Chico (um podengo médio de pelo comprido). O Chico passa a vida a fugir de casa, para ir laurear a pevide. Não me perguntem como, se o deixamos preso à corrente, para evitar que salte o muro nas partes mais baixas, que ainda não têm cerca. Eu vou fazer a minha caminhada e, quando chego, ele não está lá: das duas, uma: ou descubro a longa corrente pendurada sobre o muro, com a patilha de segurança bem fechada (mas sem o Chico na ponta, no terreno do vizinho, como ele costuma fazer) ou, requintes da sua arte canina, deixa-me, de presente, além da longa corrente, também a coleira fechada, no nível máximo, no buraco mais apertado. Ganhámos o hábito de o soltar com cuidado e deixar aceder ao pátio de baixo, também murado, em cuja parte mais vulnerável já pusémos uma cerca bem alta: ele desce as escadas de pedra, todo contente, e nós ali ficamos, de guarda, pois não tem como sair sem passar por nós. Assim que sobe as escadas,agarramo-lo pela coleira e vai direitinho para casa.
Desde ontem, quando concluí que já não bastava deixá-lo preso cá fora, passei a fechá-lo em casa. Fica a ladrar e a uivar que nem um cão, pois aí não tem mesmo como fugir. Hoje, quando cheguei, ouvi-o ganir e arranhar uma porta. Tinha-se fechado na casa de banho pequena, com uma qualquer patada mal calculada, que fez com que a porta se fechasse. Para o consolar daquela prisão de 40 minutos, deixei-o sair ao pátio de baixo, no esquema que já descrevi, que funciona há vários meses. Fiquei junto da escada e, como ele nunca mais voltasse, desci para o chamar. Não estava lá. Ao fim de um quarto de hora, apanhei-o, já nos limites da aldeia, e só porque se encurralou sem querer junto a um portão. A-ah, apanhei-te! Exclamei eu, aliviada com a captura. Ele olhou para mim como se sorrisse e dissesse, Sim, apanhaste-me, porque eu deixei, mas assim que me apetecer, volto a pirar-me. Tens dúvidas?
Eu acho que o Houdini incorporou este nosso cão.

sábado, 17 de abril de 2010

Flagrante Delícia - blog e livro


Para os mais gulosos, recomendo vivamente este blog "FLAGRANTE DELÍCIA", convidado do jornal "Público", da autoria de Leonor de Sousa Bastos e imagens de Miguel Coelho. As fotografias e os textos literários, que acompanham as receitas, dão-lhes ainda mais sabor. Misturam desejo, amor, afecto e outros sentimentos doces com a doçura do seu recheio. Como poderão confirmar, têm tido excelentes críticas espalhadas pela imprensa, inclusive no New York Times (vejam, no blog, a versão inglesa). Ela é bonita, talentosa, dedicada à sua arte e parece ter inspirado a personagem Ana Pascal, interpretada por Maggie Gyllenhaal no filme "Stranger than Fiction", pois estudou Direito na cidade do Porto, sem ter terminado o curso, para se especializar em "pâtisserie".
Saíu agora o livro-álbum, com o mesmo nome do blog (ADORO a capa: um prato e 9 colheres com um design sugestivo...), pela editora Objectiva. Dará, com toda a certeza, um presente delicioso. Espreitem, no link abaixo, e confirmem o bom gosto que domina o trabalho da Leonor e do Miguel. Verão que, ao percorrerem as receitas que respeitam os sabores e apetites das várias estações do ano, irão ficar de água na boca. É impossível não ficar.
http://www.flagrantedelicia.com/diario/o-livro/

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A imagem para o cartaz

Esta imagem inédita, feita hoje de manhã no estúdio da nossa casa, nasceu como nasce a escrita de um texto original: feita com objectos que vamos coleccionando ao longo da vida, no cruzamento de famílias, amigos, lugares, gestos, hábitos. Recebi um telefonema da biblioteca, dizendo que precisavam de uma imagem para mandar fazer os cartazes de promoção do curso breve de Escrita Criativa, que irei dar entre Maio e Julho, com o nome "Escrevo o meu primeiro conto".
O pano onde assentam os artigos - tecido oferecido pela Rita Guerra, ao qual ainda não dei destino, e que irá transformar-se um dia num vestido, numa túnica, numa écharpe;
A caneta - oferecida pela minha irmã Sofia e o meu cunhado, da "gift-shop" que tiveram em Reguengos de Monsaraz;
A chávena de café - do velho serviço checo, que eu adoro, oferecido pela minha mãe, e que faz sempre vista no final de um jantar, pois cada chávena tem a sua cor e lembra o mundo das Mil e Uma Noites;
O relógio e a vela redonda em tom pérola - vieram da casa da Usseira, oferecidos pela Patrícia Reis;
A vela quadrada, vermelha - com cheiro de frutos silvestres, foi a lembrança do Miguel Soares, no último Natal, que reuniu o grupo de Islantilla;
O anjo, que espreita - herança da tia Nêta, da casa de Torres Vedras;
A pequena taça, em Christofle - oferta de Mário Assis Ferreira, no Natal, vinda do espólio do Hotel Estoril-Sol.
Caneta verde - escondida entre a vela quadrada e a chávena de café, a caneta feita de bagas de vidro, como uvas moscatel, herdada da minha querida avó Mimi.
Daqui a pouco, esta imagem estará espalhada por Mafra, a promover o meu primeiro curso. O fundo negro foi deixado para o texto.
Faltou-me a mão experiente da minha cunhada Meluxa, que teria feito esta esforçada composição muitíssimo melhor do que eu...
Obrigada, Nanã, por desceres ao estúdio para esta sessão, logo a começar o dia.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Imagina

Os mestres Tom Jobim e Chico Buarque, muito novinhos, com Paula Morelembaum, a gravar, descontraidamente, uma canção "facilzinha"... Obrigada, Nanã.

sábado, 10 de abril de 2010

Bem-estar

Estou certa de que o sol - longe de ser apenas uma luz quente que nos enferruja a pele - é também uma espécie de tónico para a alma. O que nos rodeia fica mais belo, os problemas mais pequenos, o corpo mais ágil. Sol e vento, os dois de braço dado, são forças opostas que oferecem equilíbrio ao calor. Hoje o meu filho perguntou-me
- Mãe, de onde vem o vento?
Não lhe soube responder. Não tenho respostas científicas para explicar o mundo, por isso disse-lhe que eram os deuses que bufavam de tédio, por não haver nuvens no céu. Ele sorriu, com ar condescendente, por ter uma mãe que não é normal. Depois foi para o pinhal e para junto dos eucaliptos e eu enfronhei-me nos "Sinais de Fogo" de Jorge de Sena, no baloiço, tapada com a manta de quadrados. A uns metros, o Chico, preso à corrente para não saltar o muro, gania baixinho, a querer ir ter com o Gugas; o Gastão ficou a roer um tronco no chão, ao meu lado. A fazer-nos companhia, estavam os deuses Bóreas e Zéfiro, num diálogo hesitante, ora zangado, ora ameno. O Gugas voltou, corado, a cheirar a eucalipto e a resina. Descascámos amendois e bebemos sumo de pera, enquanto os cães comiam as cascas e os corvos grasnavam ao longe. À noite, depois de uns ovos mexidos com farinheira e uma espetada mista grelhada, vamos ver o "Moulin Rouge". Foi um bom sábado.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A ostra

Manhã de Domingo de Páscoa. O dia dedicado à família, aos doces e petiscos, às amêndoas e aos coelhinhos de chocolate. E eu fui acordar com uma gastroenterite. Veio mesmo a calhar, não? Atirei-lhe com dois kompensans, um ultra-levur e duas cápsulas de Imodium e lá fui eu, na camioneta das 13.30, para o Campo Grande. Há coisas que se fazem mesmo por amor. O casarão a encher-se de família, a mesa a encher-se de pratos e travessas: tartes doces e salgadas, pãezinhos com salmão, fiambre fumado, queijo fresco, salpicão; bules de chá earl grey, sumos de frutas, bolo de canela, pão de nozes, salame de chocolate, amêndoas de açúcar, amêndoas, de chocolate, amêndoas com canela...e eu virada do avesso, a conversar com os intestinos, com o esófago, com os órgãos internos todos. A noite foi linda, à conversa com tudo o que me ia dentro, que de poético tinha pouco.
Hoje, que me encontro recuperada, penso naquela mesa, que desprezei, como o esquilo da "Idade do Gelo", perdido de amores pelas suas queridas bolotas: ali, ao alcance da ponta dos dedos e...escapou-se para sempre. Tudo por causa de uma maldita ostra. Ou de um ovo cozido. Ou de um camarão. Mas eu aposto que foi a ostra. E agora é que eu juro que nunca mais irei comer ostras na vida.
Querido amigo e vizinho Zé, realço que não tens culpa nenhuma disto, que a culpa é da outra, digo, da ostra :-)

sábado, 3 de abril de 2010

Palavras que odeio I

Vicissitude
Regozijo
Emplastro
Transeunte
Palavras que terminam em “eta” à excepção de Julieta
Idiossincrasia
Procrastinar
Palavras anti-eróticas, como: ressurreição, eucaristia, purgatório, eclesiástico, evangelho, diocese, catequese, diácono, pároco, orgasmo...
Cônjuge
Vilipendiar
Gonorreia
Ocorrência
Seborreia
Cefaleia
Hemorroidal
Decrepitude
Jejum
Desjejum...

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Uma Família Feliz

Hoje, que se celebram os 205 anos sobre o nascimento de Hans Christian Andersen, deixo-vos na companhia de um dos seus contos menos conhecidos. Perdoem a tradução. Foi impossível encontrar a palavra portuguesa para "dock leaf", pelo que ficou "bardana". Vá-se lá saber o que é isso...enfim, é uma enorme folha. Dedico este post aos mais pequerruchos, bem como aos que ainda não perderam o sentido de humor, nem a sua costela de criança.

"A maior folha verde que temos neste país é com certeza a folha da bardana. Uma menina poderia usá-la como avental; se a pusesse na cabeça quando chovesse, faria de guarda-chuva — é tão grande como isso. Nenhuma bardana cresce sozinha; não, onde há uma, há sempre muitas outras. São um belo espectáculo — e todo esse esplendor costumava ser a comida dos caracóis. Há um género especial de caracóis que vive nas folhas, uma espécie de caracol que os ricos costumavam cozinhar e comer. Murmuravam "Delicioso!" - quando os comiam. E foi por isso que se começou a plantar bardanas.
Ora, havia uma velha mansão onde há muito tempo que se tinha deixado de comer caracóis. Os caracóis estavam mesmo quase extintos, mas não as bardanas, que cresciam e se multiplicavam. Espalhavam-se pelos caminhos e pelos canteiros de flores até não se ter mão nelas: o jardim era uma autêntica floresta de bardanas. Aqui e ali, havia uma macieira ou uma ameixieira; se não fosse isso, nem se percebia que tinha havido ali um jardim. Havia bardanas por todo o lado — e entre elas viviam os dois únicos sobreviventes dos caracóis, ambos muitíssimo velhos.
Eles próprios não sabiam que idade tinham, mas lembravam-se muito bem que, em tempos, tinha havido ali muitos mais, que a família tinha vindo do estrangeiro e que tinha sido especialmente para ela que a floresta de bardanas fora plantada. Nunca tinham saído dali, embora soubessem que havia uma outra coisa no mundo chamada Mansão. Era lá que os cozinhavam, era onde eles ficavam pretos e eram depois postos numa travessa de prata; mas o que acontecia depois, ninguém sabia. Quanto a isso, não imaginavam o que se sentia ao ser-se cozinhado e posto numa travessa de prata, mas parecia que era muito interessante e, com certeza, muito fino. O escaravelho, o sapo e a minhoca foram interrogados sobre o assunto, mas nenhum deles tinha sido cozinhado ou colocado numa travessa de prata.
Os velhos caracóis brancos eram os aristocratas daquele mundo — disso não tinham a menor dúvida. A floresta existia só para eles, tal como a antiga mansão e a sua travessa de prata.
Passavam os dias numa felicidade tranquila e isolada e, como não tinham filhos, adoptaram um pequeno caracol vulgar, que criaram como se fosse deles. O pequeno não cresceu, porque não passava de um caracol vulgar. No entanto, os velhotes, especialmente a mãe-caracol, achavam sempre que ele tinha crescido um bocadinho desde o dia anterior. E quando o pai-caracol parecia não ver a diferença, ela pedia-lhe que apalpasse a pequena casca. E ele lá apalpava e concordava que ela tinha razão.
Um dia caiu uma grande chuvada.
— Ouve o tum-tum-tum nas folhas da bardana! — exclamou o pai-caracol.
- É verdade, e olha que alguns pingos estão a passar — respondeu a mãe-caracol. — Olha, escorrem pelos caules. Meu Deus, vai ficar tudo molhado aqui em baixo! Ainda bem que temos as nossas belas casas, uma para cada um e outra para o nosso pequeno! Realmente, devemos ser os animais mais favorecidos! Vê-se bem que somos os príncipes deste mundo. Cada um de nós tem uma casa sua assim que nasce, além de uma floresta inteira plantada para nós. Às vezes penso onde é que ela acabará e o que haverá depois dela...
— Nada! — respondeu o pai-caracol. Ninguém pode viver melhor em outro lugar e não estou interessado em ir mais longe.
— Ah, mas eu estou! — continuou a mãe-caracol. — Gostaria mesmo de ir até à mansão e de ser cozinhada, seja lá isso o que for, e colocada na travessa de prata. Todos os nossos antepassados passaram por isso, o que mostra que deve ser qualquer coisa de especial.
— A mansão é bem capaz de já se ter desmoronado — disse o pai-caracol. — Ou de estar coberta por bardanas e as pessoas nem poderem sair de lá. Seja como for, não precisas de estar com tanta pressa. Andas sempre numa lufa-lufa, e agora o pequeno está a ficar como tu! Em três dias quase chegou ao cimo daquele caule; fico tonto só de o ver rastejar daquela maneira!
— Não estejas sempre a pôr defeitos na criança — disse a mãe-caracol. — Ele rasteja com tanto cuidado! Tenho a certeza de que há-de dar-nos grandes alegrias. E, afinal, não é ele a nossa razo de viver? Olha, já pensaste onde havemos de lhe arranjar uma noiva? Não achas que por aí, nalgum sítio desta floresta de bardanas, pode haver alguém da nossa espécie?
— Bem, acho que há muitas lesmas e coisas parecidas, dessas que andam por aí sem casa própria — respondeu o velho caracol. — Mas isso para nós seria descer, apesar de elas terem muitas peneiras. No entanto, podemos encarregar as formigas de procurar. Andam sempre numa azáfama, para um lado e para o outro; como se tivessem muito que fazer; podem muito bem saber de uma esposa para o nosso caracolzinho.
— Ah, sim — disseram as formigas —, conhecemos a noiva mais linda; mas é capaz de ser difícil, porque é uma rainha.
— Isso não tem qualquer importância! — exclamou o velho caracol. — E tem casa?
— Tem um palácio! — retorquiram as formigas. — Um magnífico palácio de formigas com setecentos corredores.
— Obrigada! — disse a mãe-caracol. — O nosso filho não vai para um formigueiro! Se é o melhor que podem arranjar, vamos encarregar os mosquitos brancos do assunto; eles voam até muito longe, com chuva ou com sol, e conhecem todos os cantos da floresta.
— Sim, sabemos de uma esposa para ele — responderam os mosquitos. — A uns cem passos de homem daqui, numa groselheira-brava, vive uma pequena caracoleta com casa. Vive sozinha, e está em muito boa idade de casar. E só a cem passos de homem daqui.
— Bem — disse o velho casal —, ela que venha cá ter com ele. Ele é dono de uma floresta inteira e ela só tem uma groselheira!
Então, os mosquitos foram buscar a jovem caracoleta. Levaram oito dias a fazer a viagem, mas isso não desagradou aos pais; mostrava que ela também pertencia a uma boa família de caracóis.
E chegou o dia do casamento. Seis pirilampos fizeram o melhor que podiam para fornecer a iluminação, mas, à parte isso, foi um acontecimento bastante pacato, porque os velhos caracóis não gostavam muito de festas e paródias. A mãe-caracol fez um discurso encantador, porque o pai-caracol estava demasiado comovido para falar. E depois entregaram toda a floresta ao jovem casal, afirmando, como sempre, que aquele era o melhor lugar do mundo e que, se o jovem par vivesse uma vida honesta e respeitável e tivesse muitos filhos, ainda podiam um dia ir à mansão e ser "cozinhados" (fosse qual fosse o significado de tal coisa...) e colocados numa travessa de prata.
Depois do discurso, os velhos caracóis meteram-se em casa e não tornaram a sair. Adormeceram. Os dois jovens passaram a reinar na floresta e tiveram muitos filhos, mas nunca foram cozinhados nem postos numa travessa de prata, de maneira que chegaram à conclusão de que a mansão tinha ruído e que as pessoas tinham morrido todas. E, como não havia ninguém para os contradizer, devia ser verdade. E a chuva batia nas folhas das bardanas para eles terem música, e o Sol brilhava para iluminar a floresta com muitas cores, e foram muito felizes; toda a família foi muito feliz; podem mesmo ter a certeza de que nunca houve família mais feliz!"
(HANS CHRISTIAN ANDERSEN)

Roubei a imagem aqui:
http://www.redebomdia.com.br/Noticias/Viva/3564/Musical+e+a+atracao+de+hoje+no+Sesi+Marilia

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Disse e muito bem

"Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive."
(PADRE ANTÓNIO VIEIRA)