quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Maria do Rosário Pedreira



(Por Maria do Rosário Pedreira)

Li há muito tempo (e quem me dera ter tomado nota desse texto a que um dia gostaria de voltar, mas perdi completamente as referências) que Freud teria dito (ou escrito, mas vai dar no mesmo) que, no tempo em que a ópera era um espectáculo popular, o povo não a perdia porque gostava de ver sofrer em palco. Não sei se o génio austríaco estava certo quanto à ópera, porque o povo deixou de a frequentar; mas a verdade é que os nossos telejornais cheios de coisas de fazer peninha e causar horror (com velhos, crianças e tudo isso que faz chorar e doer) não param de conquistar audiências (quanto mais horríveis, mais espectadores têm) – e o mesmo vale para os livros de testemunhos pungentes do tipo Queimada Viva, que vendeu milhões de exemplares em todo o mundo desde que saiu e desencadeou, de resto, em Portugal, a publicação de muitos livros afins (todos eles com bastante sucesso). Não me admiraria nada que estivesse neste momento a discutir-se nas grandes agências literárias e editoras norte-americanas e inglesas a publicação da história trágica da indiana de 23 anos violada por seis crápulas num autocarro – e morta na sequência desse crime hediondo. E tenho a certeza de que seria best seller para figurar nos primeiros lugares dos Top de vendas em positivamente todos os países, independentemente do grau de repulsa de todos nós pelo sucedido. Teria então o mestre Sigmund razão ao dizer que as pessoas gostam de ver sofrer, mesmo que o palco se tenha transformado em página? É bem possível.L
(blogue HORAS EXTRAORDINÁRIAS, 29 Janeiro 2013)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Talento desperdiçado


Entristece-me ver talento desperdiçado. Um dos meus irmãos desenha maravilhosamente. Lembro-me do seu trabalho, de há trinta anos, como se fosse hoje. Nos tempos em que eu era uma adolescente e passava horas no quarto dele, a vê-lo trabalhar. Era um hobby, sim, mas de resultados irresistíveis. Foi tudo para o lixo, calculo, ilustrações, cartoons com personagens e falas criados de raiz, reproduções de gravuras complexas, humor, muito humor e imaginação, tipo Quino, e explorando também diversos estilos, com o talento natural de quem dispensa qualquer tipo de escola de Belas-Artes, porque deus lhe deu o condão de saber – não só reproduzir o que os seus olhos viam – mas também o que a mente imaginava.
Um dia deixou de desenhar. Foi-se desligando daquilo, simplesmente. Dedicou-se aos desportos e especializou-se. Para trás ficaram as Rotring, os lápis de carvão, as tintas, os óleos, a terebintina, as aguarelas, os pincéis, os trapos, os blocos de folhas cavalinho.
Gostaria muito de ter, um dia, um livro meu ilustrado por ele. Diz que não, que já não tem tempo nem vontade, que não quer comprometer-se para depois não cumprir. Diz que vai pensar, e tal, ficámos na base do quem-sabe-um-dia?, mas algo me diz que não vai acontecer.
Não sei se não serão apenas desculpas para o medo de ter “perdido a mão”.
Estou certa de que faria com imensa facilidade as ilustrações que imagino para um certo conjunto de contos. Pergunta-me ingenuamente: mas…não há mais ninguém na família que as pudesse fazer? Como se eu precisasse de salvação, como se a editora não tratasse disso, sem lhe passar pela cabeça que era um capricho meu, para que este livro fosse um livro a quatro mãos, feito em família.
E já vos disse? Entristece-me ver talento desperdiçado.
Parece que vai abrir um restaurante daqui a uns dias. Boa sorte mano. Que se desenhe um futuro promissor nos dias que virão. 
Estas duas ilustrações não são dele, mas podiam ser. Dele, nada tenho, infelizmente. E o triste é que nem ele tem.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Desperdício

Não a larga uma irritante certeza de desperdício. De algo que foge e nunca mais volta. Água caindo sobre a terra onde nada foi semeado. Serão as ervas daninhas a sua única colheita? Põe os olhos no horizonte e tudo é verde e fértil. Isso os seus olhos conseguem ver. Só ali, naquele quadradinho de terreno a seus pés, é incapaz de produzir uma flor.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

domingo, 27 de janeiro de 2013

quantos-queres

Há imagens que nos fazem escrever qualquer coisa, que nos arrancam um pensamento. Quando a felicidade dos nossos dias já ganhou um tom sépia e sentimos que os nossos sonhos são assim, barquinhos feitos de quantos-queres à deriva, prestes a murchar sobre a película da chuva morna, entre a luz e a sombra, ficamos sem saber muito bem se foi o texto que encontrou a imagem ou se foi ao contrário (não gosto de vice nem de versa, só de versos).
Mas é assim, casamento perfeito, os barquinhos coloridos na fragilidade da passadeira, na iminência do atropelamento, um toca-e-foge, sem testemunhas, sonhos para sempre esmagados, feitos em pasta de papel. E a luz, sempre aquela luz que podia ser esperança, que parte e regressa ao sabor das estações, incidindo na zebra onde é preciso atravessar com cuidado, mesmo que tenhamos toda  a razão do mundo. Não é fácil tentar viver, atravessar para um lado qualquer.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Acaso

Ainda pensei em encontrar o post de hoje escrevendo ao acaso qualquer coisa como hkshd ou hjshdhw, mas acabei por escrever isso mesmo, ACASO, no "google Images" que, nas primeiras imagens, me ofereceu isto
         
e neste espírito de quem se sente à deriva escrevo sem filtro nem travão, sem hesitações, como se os dedos estivessem em auto-gestão, calçados com sapatinhos vermelhos, tal como a menina que dança pela casa, pelas ruas, pela morte fora, como naquele conto horrível que me assustou há muitos, muitos anos, no tempo em que os animais falavam. Os animais agora também falam, mas usam gravata. Ai, não, sátira política não, vá, não vás por aí, Vera, deixa-te estar no teu recanto campestre e neurótico, já que não tens soluções salvadoras para apresentar. 
Olha, e nisto o post está feito e vai assim mesmo, desculpem, sim? Hoje estou parva.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Esperto

                
Aventura do dia, no Smart cabriolet: 

Estava eu alegre e contente a ver-me livre de um monte de lixo no ecoponto, quando, ao tentar abrir a porta do carro, vi que ele tinha trancado o fecho central. Pensei: nice: estou de chinelos, banho por tomar, sem telemóvel e estou aqui, no meio da estrada (numa terrinha que quase não vem no mapa, onde escolhi morar, porque sou maluca). Eu tinha deixado a janela entreaberta do lado do pendura (felizmente!) Tive de me enfiar pela janela adentro e lá consegui alcançar o botãozinho e descer o resto do vidro para chegar à chave (que nestes casos fica presa na ignição). Bem que tentei girá-la e tirá-la...nada. Bloqueado é bloqueado. Estiquei-me o mais que pude, os pés já fora do chão, e acabei por conseguir fazer contacto directo com uma ponta da chave de casa na chave presa, para desbloquear. Ah, tudo isto, de pernas para o ar, metida pela janela do Smart, já se sabe. Os homens das obras, da casa ao lado, em frente ao pinhal, assistiam placidamente aos meus esforços, decerto apreciando a traseira - a minha, é evidente, até porque o carro não tem rabo, como toda a gente sabe - devem ter pensado que eu estava a assaltar o carro ou que tinha enlouquecido. Uma loura de pernas para o ar, um clássico. 
É nestas alturas que penso que a tecnologia e electrónica são muito giras, e tal....quando não se viram contra nós. Só posso concluir que o meu carro não gosta de esperar; não acha qualquer piada em ficar ali, à seca, a ver-me enfiar garrafões de água vazios, embalagens, papéis, garrafas de vinho, frascos de café, sacas vazias da ração dos cães...nos vários depósitos: fartou-se, amuou. É preciso cuidado com estes carrinhos temperamentais.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Nanã Sousa Dias

Sou suspeita? Sou, mas o que esperavam de mim, senão orgulho? Só é pena o video de homenagem não ter incluído fotografias analógicas TIRADAS PELO PRÓPRIO, mas não se pode ter tudo... este tema é de um LP que o Nanã gravou em 1988, imaginem! Mas ainda soa bem, não soa? Sabem porquê, não sabem? :) para conhecerem o Fotógrafo, vão AQUI

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

domingo, 20 de janeiro de 2013

check

Posso só escrever qualquer coisa para dizer que não falhei o post de hoje? Tecnicamente já é 2ª feira e já vou ter de aldrabar a hora para arrumar isto no domingo. Mas como esta é uma das 10 resoluções do meu ano novo, tenho de escrever
qualquer coisa

sábado, 19 de janeiro de 2013

Tarde na tempestade

                                  
A vida em alerta. Os alarmes estridentes tocam sem compaixão. Compaixão? Semmãetecto, pensa, ao lembrar-se da piada que fazia quando era miúda, já com a mania de brincar com as palavras. 
Há um velho projecto prestes a realizar-se, mas traz consigo tantas curvas e contra-curvas, tantas armadilhas e adiamentos, que se algum dia chegar a bom porto será decerto tarde. A felicidade que deveria sentir (acha ela, na sua candura), já vai empoeirada, fora de prazo. Já colocou uma tão grande quantidade de remendos sobre remendos, que tem o sorriso retalhado. Agora faz o que tem a fazer, mais por espírito de dever que por vontade. 
Lá fora o arvoredo oscila com violência, cúmplice dos sonhos que há muito andam embrulhados na tempestade.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Naqueles versos

A caneta parou. A tinta dos poemas secara nas folhas acabadas de preencher. O poeta lastimou ter pedido ao génio uma caneta que o compreendesse. Dissera tudo naqueles versos.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Nelson Mandela

Escultura com 50 placas de aço e 10 metros de altura cortadas a laser e inseridas na paisagem, representando o 50.º aniversário da captura e prisão de Nelson Mandela, em 6 de Agosto de 1962, no próprio local onde tal sucedeu, e que lhe custaria 27 longos anos de cárcere. Num ângulo específico de observação, a visão em perspectiva das colunas surpreende ao assumir a imagem de Nelson Mandela. O escultor é Marco Cianfanelli, de Joanesburgo

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Um dia sem luz


Sem electricidade ficamos estupidamente paralisados.
Pequeno-almoço:
Sem microondas (para aquecer chá, café, leite, descongelar pão)
Sem fogão eléctrico
Sem torradeira
Sem máquina de sumos
Tomando o pequeno-almoço:
Sem Meo box
Sem aparelhagem de som
Sem Televisão

Higiene:
Sem água quente (tenho caldeira eléctrica)
Sem toalheiro eléctrico
Sem secador

Cuidados com a casa:
Sem frigorífico
Sem arca
Sem aspirador
Sem ferro de engomar

Aquecimento: zero. Isto, numa zona rural do oeste, junto ao vale, não sei se estão a ver

Trabalho: (em casa, no meu caso presente)
Sem computador
Sem impressora
Sem iluminação
Sem forma de carregar telemóvel

Conclusão:
Pequeno almoço - pão torrado a cheirar a peixe (porque usei, numa tentativa falhada para fazer torradas, uma grelha cuja última utilização já era antiga) aquecido no camping-gaz: à medida que a grelha aquecia, a cozinha foi sendo invadida pelo cheiro do peixe grelhado. Os cães agradeceram o pão fumado, já se sabe, e eu corri a fome a bolachas.
Inutilizada, li Saramago junto à janela, tapada com mantas até a luz natural sumir; conversei no telefone fixo com amigas; acendi velas, velas e....velas.
Valham-nos os amigos: convite para jantar, regresso à 1h30 da manhã, direitinha à cama.
Hoje, no dia seguinte, a bendita luz natural estava de volta...e a eléctrica também. Alívio.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Ao volante

Graças à disponibilidade e expediente de uma das minhas pessoas preferidas, recuperei a carta que estava apreendida há um ano. Na GNR da Calçada do Combro, 96, quando me preparava para preencher uma renovação da guia de condução (por mais 6 meses até pagar o raio da multa...),  informam-me:

- Quando a minha colega a autoou há um ano, não lhe devia ter apreendido a carta, sabe? Era o veículo por inspeccionar que estava em situação de infracção, bastava ter-lhe apreendido o documento do veículo...

É sempre bom saber que quem exerce autoridade neste país não sabe o que anda a fazer.
Rita do meu coração, OBRIGADA pelo serviço de Ambrósio! :) 

domingo, 13 de janeiro de 2013

Filosofices VIII


Se eu voltasse a ser uma criança, havia de querer fazer uma série de perguntas que na altura não me ocorreram. Agora que sou crescida, até parece mal, mas mal que pergunte...

E o que é que um sardão tem a ver com uma sardinha? 
E um sardo com uma sarda? 
E um raio com uma raia?

E porquê "peixe-palhaço", se não nos faz rir e ainda por cima é tão bonito e os palhaços são tão feios?

Se eu andar à procura de alguma coisa posso dizer que estou a "procurar encontrar", ou é  um paradoxo?

Sultanas…? Porque é que as mulheres dos sultões têm nome de uvas desidratadas?

O que é “ostracizada”? Uma ostra com siso, ajuizada?


Pronto, isto era o que eu perguntava se fosse criança, mas agora sou crescida, já não dá.

(Gostaram? Pesquisem na etiqueta "Filosofices", para mais)

sábado, 12 de janeiro de 2013

Cativeiro


O lugar sedutor é o seu cativeiro
Pétalas e folhas murcham
Atrofiando um coração de musgo.

Seca, revê-se numa sede antiga
Feita de terra, sem raiz
À deriva, sem vento que a leve.

Nas mãos, algemas
Na garganta o gemido
Na memória a contrição.

Vai arvorando tímidas pontes
Que a salvem dos seus lamentos
E é muda que grita a palavra

Socorro.

(inédito, VERA DE VILHENA)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Sós

Quebraram-se ambos na sua raiva, sem concórdia nem esperança. O fim de tudo, um abismo de solidão.
O dia amanheceu num longo abraço que os devolveu ao futuro. Não mais seriam sós.
                      

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Esquilos

Gosto de esquilos. São uma espécie de ratos com cauda farfalhuda, eu sei, mas o que hei-de fazer, talvez me venha do Tico e Teco, talvez seja por se porem de pé e terem olhos vivos e malucos. Talvez seja porque são espertos como sei lá... sei lá. Mas que gosto, gosto. E dizer que são queridos e fofos é redundante, certo? 
                          Família de esquilos Wallpaper
                          
                          

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Outro dia

Um dia estúpido, como tantos outros. Abençoado, como diriam muitos, menos abençoados. As dores cervicais que parecem ter vindo para ficar. É urgente apanhar pinhas e pequenos troncos, que parece que amanhã vai chover.
vai tu.
Lembra-se sempre dessa piada, quando diz vai chover.
O sol acabou, veio a escuridão e o frio que ela viu chegar. Escreve pouco ou nada, a morte da criança de ano e meio, mordida pelo cão, deixa-a assim, irritada com a burrice do mundo. A revisão de texto a avançar, morosamente. Os cães dela uivam, a pedir para entrar. Para quê continuar aqui? Amanhã é outro dia igual, o melhor é sacudir um pouco o fundo a este. E a chuva, que aí vem para nos deixar o coração ensopado, torcido como um trapo, não quer saber de queixumes. E por isso ela não se queixa, só se despede assim, carregando com a ponta dos dedos no teclado para dizer a si mesma que o post de hoje ficou escrito. Talvez tenha até escrito de mais.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Depois de amanhã, nunca

                        
"Não digamos, Amanhã farei, porque o mais certo é estarmos cansados amanhã, digamos antes, Depois de amanhã, sempre teremos um dia de intervalo para mudar de opinião e projecto, porém ainda mais prudente seria dizer, um dia decidirei quando será o dia de dizer depois de amanhã, e talvez nem seja preciso, se a morte definidora vier antes de desobrigar-me do compromisso, que essa, sim, é a pior coisa do mundo, o compromisso, liberdade que a nós próprios negámos."
   (O Ano da Morte de Ricardo Reis, JOSÉ SARAMAGO)

Assim me comporto eu, mesmo sem decisão, comprometida com a nada me comprometer, adiando até ao labirinto infinito o dia de dizer um dia destes, faço.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Dia de Reis

Pessoalmente, não sou a apreciadora ideal. Prefiro o bolo-rainha, sem frutas cristalizadas, ou mesmo o bolo-príncipe, mais simples ainda. A massa é maravilhosa e quando fatiada e torrada, com manteiga, é um delícia. As cores das frutas cristalizadas e os torrões de açúcar, como grandes flocos de neve, tornam-no num dos bolos mais bonitos que conheço. 
Votos de um bom domingo para todos, que este dia sirva de pretexto para um encontro de família, a recuperar tradições que, infelizmente, se vão perdendo.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

12 Resoluções patéticas e urgentes

Não falhar um dia deste blogue
Trabalhar mais na escrita
Inventar ânimo
Ver mais as minhas pessoas preferidas
Cuidar melhor da casa
Praticar exercício físico
Acordar cedo
Emagrecer o corpo
Engordar o espírito
Falhar melhor
Dançar
Não esquecer esta lista

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Cecília Meireles


Tu Tens um Medo
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Não ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo...
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...
... E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é eterno.
(CECÍLIA MEIRELES, Tu Tens Um Medo)

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Bolas de Sabão

Para começar o novo ano leve, levemente... com votos de um bom 2013 para todos
As bolas de sabão que esta criança 
Se entretém a largar de uma palhinha 
São translucidamente uma filosofia toda. 
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza, 
Amigas dos olhos como as cousas, 
São aquilo que são 
Com uma precisão redondinha e aérea, 
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa, 
Pretende que elas são mais do que parecem ser. 
Algumas mal se vêem no ar lúcido. 
São como a brisa que passa e mal toca nas flores 
E que só sabemos que passa 
Porque qualquer cousa se aligeira em nós 
E aceita tudo mais nitidamente. 

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXV"