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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Maria


Hoje, no Dia Nacional do Mar, deixo-vos com um poema que o protagonista do meu novo romance escreveu, na varanda da sua casa, enquanto pensava em Maria, uma bela mulher, muito ligada ao mar.
(Para ler com uma valsa)
Maria
Ao mar iria,
Mas o mar ia mareá-la.
Sem ti,
Ela sentiria
Um lamento que vem agitá-la.
No rosto grita a lágrimas
Secá-la, ela recusa.
Quer o sal que a enviúva
Salvador do seu desgosto.
Por ela chama o pescador
Ao ver as ondas de uma mulher,
A brisa leva-lhe os desejos
E a veste em espuma de beira-mar.
Pesca a dor nas tuas mágoas
E emudece a saudade vã;
Que só a idade do teu ofício,
Enredada em sacrifício,
Em mãos vazias sabes calar.
(in «Entre mulheres - diário de um lisboeta», pp.200-201, Poética edições, 2018)


quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Em mim

Porque este meu primeiro livro de poesia faz hoje 3 anos, deixo um dos poema escrito no alpendre, à mesa de um café ou junto do mar.
Em mim
«Se acreditar em mim, sonho.
Se sonho, levito.
Se pouso os meus pés, luto…
Mas não venço.
De luto, perco a fé em mim —
—  A arquitectura dos meus projectos.
Sem alicerces que me segurem,
Vou flutuando, saindo de mim;
E de tanto perder, resguardo-me em quimeras,
Acreditando, sem fé,
Sonhando, sem noite.
E tenha, ou não, no peito a confiança,
Só a dança do sonho existe em mim.»
(in Fora do Mundo, Poética Edições, Novembro 2014)




quinta-feira, 18 de maio de 2017

À mesa

(...)
Quero a minha mesa macerada, peculiar
A toalha manchada de nódoas de vinho vertidas
Dos copos de Beaudelaires e Kafkas,
De Pessoas, Modiglianis e Rodins
Vindimando-me as manhãs!
Heterónimos de novas letras,
Cachos encorpados de musas,
Parras, uvas, viúvas,
Destilando capitosos raciocínios,
Decantando a ponta dos galhardetes,
Engaços na curva macia de um prato de farfalle.
Quero o peito fermentado de abraços,
A casta risonha de artesãos licorosos
Que não esqueço, que agarro e adormeço,
Quando o dia rompe como lacre,
De mortos sempre longos na minha boca.
A travessa molhante, matando a fome à sede,
Alimentando, em provas cegas, ideias, puras
Iguarias.
(...)

(Vera de Vilhena, excerto adaptado in «Fora do Mundo», Poética Edições, 2014)

Imagem: «Hipp Hipp Hurra!», Peder Severin Krøyer (Noruega-Dinamarca, 1851-1909)

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Ericeira

© Zenoviy Klymco "Ericeira à noite II"
Nevoeiro

A Ericeira sob o nevoeiro. 
Paisagem tornando-se leitosa, 
Esfumando a linha do horizonte; 
A terra unindo-se ao céu, 
Envolta num lençol translúcido
Onde as formas se perdem, 
Ganhando ares de mistério. 

Hoje filmei as pás das enormes ventoinhas 
De energia eólica, sumindo na neblina. 
Apenas o longo tronco daqueles moinhos se erguia 
Rumo ao céu.
As pás girando, invisíveis, 
Surgindo apenas no instante 
Em que pareciam tocar o chão, 
Para logo tornarem a sumir no leito celeste.

Admiro o nevoeiro.
Vou escutando a sirene dos navios, 
E vendo a dança do farol, 
Cuja luz corta o manto níveo; 
Sentinelas, os longos triângulos de vapor 
Formados pelos faróis dos automóveis. 

Nevoeiro lambendo o arvoredo. 
Verde multidão a transportar-nos 
Para o romantismo de Sintra 
Ou uma história de Dickens.

Algo existe de belo na aura de mistério 
Que a neblina traz, 
Transformando as árvores em espectros 
E fazendo-nos acreditar: nada é o que parece,
Nada se encontra à distância que os olhos vêem. 
E o que vêem, realmente, os nossos olhos, 
Senão a mais pura Incerteza?

(adaptação do poema publicado em Fora do Mundo, Poética Edições, 2014, p.76)

domingo, 3 de julho de 2016

A dança das criaturas


Se eram bruxas ou duendes,

Ou meninos inocentes,

Ninguém sabe, ninguém vê!
Só se assusta quem não crê.
E por vê-los, saltitantes,
Sob a luz de mil fogueiras;
Nas mãos dentes-de-leão
E nos dentes, maldição…
A poalha e a penumbra
Deixam tudo desfocado
Será bênção ou pecado 
Esta dança em escuridão?
Tecem teias sob o vento
As aranhas, suas manhas
Escondem as palavras mudas
De tão estranhas criaturas.
Será veste, será lua
Esta luz que em tudo é fogo?
Ou então será um jogo 
Antes de adormecer?
Escondam as vossas crianças
Em lençóis de algodão
Guardem sonhos na almofada
Pois as fadas lá se foram
E já não há salvação!

© Vera de Vilhena, inédito

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Rouquidão

Partir o silêncio em dois,
Como quem traça
Uma linha________________ de luz
na escuridão.

E agora, que fazer
Com meios-silêncios
Que não chegam a dar-me voz?

Uma rouquidão turva
Alva serpente
Esfumando-se em cantos de anil

E tudo é silêncio
Outra vez.





segunda-feira, 25 de abril de 2016

Existem as flores


Papoila  encravada

Escrevo para dizer que escrevo.
Enquanto os cravos vermelhos são tudo
O que os olhos alcançam
por estes dias e eu,
Escondida em vida silvestre,
Continuo a abraçar papoilas
Cujo tom escarlate, salpicando os prados,
Sempre me lembrou a liberdade
mais verdadeira
Onde a natureza escuta os nossos gritos
E nos afaga a solidão
Com a doçura de um beijo molhado no vento.

Sim, são papoilas, os meus cravos.

Escrevo para dizer que escrevo.
Enquanto os salgueiros compõem a manta morta;
Húmus, folhas secas, cadáveres e raminhos,
Decomposição mal disfarçada,
Em festins e algazarras, encravada em ideais;
Dentes de leão na brisa caindo, desmembrados,
Sobre quatro décadas de terra que era fértil.

Escrevo para dizer que escrevo a liberdade.
Que a cada dia tentamos segurar
Como quem prende nos dedos uma rosa de espinhos…

Nada somos no silêncio
E é por isso que existem as flores.

(in Fora do Mundo, Poética Edições, 2014, p. 117) 

domingo, 27 de março de 2016

Mais luz

Misty #7
© Nanã Sousa Dias
Caindo em Neblina

Afundo os meus pés
Numa alameda de brumas,
Como anjo perdido 
Na terra dos homens;
Flutuando sob a luz,
Num chão invisível,
Onde teimo em quebrar
As minhas plumas.
Não moram ali, as minhas nuvens.
Quedando-me na queda relembro, enfim,
Que o chão que pisava
Era véu rasteiro, sem corpo ou alicerce,
Um fantasma friorento
Que se evola, ferozmente,
Quando o dia aquece.
(...)

(in «Fora do Mundo, excerto, p. 50)



quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Erva

Cheguei-me à beira da terra e belisquei-a. 
Estava ainda aguada do orvalho da noite. 
Da erva escorreram gotas grávidas de húmus, 
Que deslizaram e se infiltraram, 
Rumo ao coração da terra, 
Em líquido verde-água e transparência fria. 
A terra era esponja que guarda as lágrimas nocturnas, 
O pranto dos homens, tantas desilusões
Lançadas pela vidraça dos seus quartos solitários. 
É preciso beliscar a terra de vez em quando. 
Torcer as suas feridas 
Para que seja capaz de absorver mágoas futuras, 
Urdidas em desejos por cumprir.
Nesse  dia  perguntei-te  por  onde  andavam  os  meus 
sonhos 
E tu respondeste que há muito os havias enterrado, 
Porque eram já desistentes, 
Empoeirados, 
De há tanto tempo andarem entregues ao abandono 
De quem desiste de sonhar. 
Na cerimónia fúnebre dos meus projectos 
Soubeste tu plantar uma tímida flor. 
Veremos se, beliscando a terra, 
Apertando a erva, 
Dali nasce a semente como Terra-Mãe, 
Cuja bacia se estende, a deixar sair um filho. 
Belisquemos a terra, pois.
Tentemos dela retirar a seiva que nos faz viver.
O néctar que nos  pode ser salvação. 
Mas não e queixes, se a terra disser que não.


(in «Fora do Mundo», pág.58, Poética Edições, 2014)

sábado, 19 de setembro de 2015

Nua

Nua

Tudo ela despiu:
O laço e a luva,
O casaco, o vestido;
E despiu a nuvem,
Despiu a chuva;
E, mau grado o vento,
Com passos pequenos,
Desarmou o sentido.

Pôs de lado a lágrima,
A fresta fechada;
Quis ser criatura
De entre todas a mais nua.
Desfolhada da pele,
Desnudou-se do chão;
Despiu-se da fenda
E da porta da rua.

Tudo ela despiu:
A velhice dos móveis,
O pó das memórias
Que o tempo riscou;
Arrumou recatos,
Dores, vergonhas,
Na crença dos cegos,
Em sombra muda, avançou.

Despiu o almoço
O moço, o cão;
Deu corda ao relógio,
Desarmou o grito
E a mansidão.

Despiu com atraso,
Do avesso, a alma
Gretada de há tanto
Andar enlameada.

Despida da fome,
E das suas muralhas,
Liberta da sede,
Cobriu-se de nada.
Nua e leve,
Desnudou o cansaço
Do corpo que soa,
Num lento compasso.

E com mãos vazias,
Num gesto inteiro,
Despiu a mortalha
Do seu cativeiro.

Despojou o medo,
Buscou o martelo
Que quebrasse a pedra
Entorpecida.
Trajada a preceito,
De corpo apenas,
Desarmou receios e até suas penas,
Em busca de um dia mais-que-perfeito

E na estrada branca
Viajou no ventre
Que em tardio repente
Em si mesma gerou;
E sempre que um “se”
Invadiu suas veias,
De sangue novo se alimentou.

Jamais tornaria ao doce vazio:
Porquanto,
Intimamente,
Tudo ela despiu

(in «Fora do Mundo», pp.20-21 (Poética Edições, 2014)

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Da solidão

Da solidão, um ritual
da trovoada da tarde, a música da terra
suor de tambores, cordas vibrando,
harmonias de chuva,
bailados de sombras
no intervalo da luz.

Da solidão, o presente
paralisia do tempo, a face molhada
humidade leitosa, ruído, queixume,
parede escorrendo,
lamento do ramo
da haste, da flor.

Da solidão, a promessa
chegada à beira do nervo, da carne
da boca, da língua, da corda acordando
palavras morrendo
no abismo da folha
tão só, a procura
do poema
de estar só.

(© Vera de Vilhena, inédito)

sábado, 21 de março de 2015

Dédalo



É agora, ébria de mim,
O momento de ser eu,
Sem erro nem desvio,
Sem destilar
a
minha
dor.

Ser eu, mais ninguém,
A morder a mágoa de mim mesma;
Sem cinto nem travão,
No impulso etéreo
Que me
leve
aonde
for.

É agora que choro, sem crosta nem escudo,
Que verei quem se encontra
em mim.

Onde estou eu, quando me revelo?
Por onde vai o meu ser verdadeiro?
Sem firmeza, sem crença,
Denúncia ou enleio.

Para onde vou,
enquanto
c
a
i
o?
(...)

(excerto de «Dédalo», in «Fora do Mundo, Poética Edições, 2014)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Não fujas

Imagem roubada aqui

Não, não fujas de mim,
ainda é cedo, pousa os braços nos meus,
que eu mal começava a sentir o teu calor
e já tu me escapas;
despertando em mim o arrepio
de me ver mergulhada no frio
a que eu já dissera adeus.

Não, não cerres a porta,
não cerres os dentes, nem nada;
para me deixar no avesso da sorte,
os meus dias em carne viva,
O grito de quem suplica, de voz enferrujada.

Provei a taça de um tempo cálido,
molhei a minha boca na tua.
Por favor fica, não fujas de mim,
que eu já não sei ter na língua a amargura,
se um manto de mel me deixou assim, nua.

(© Vera de Vilhena, inédito)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Cantilena 1

MS #36 © Nanã Sousa Dias
Cantilena da viúva

Pingo, pingo, enche a poça
Quem te descalçou a bota?
Foi o velho da ribeira
que anda à volta da fogueira.
Barro, barro na cabaça
vai a rolar pela praça
E lá dentro vai a velha
qu saiu pela janela,
com a panela na mão,
a gritar com a voz no chão,
Ai jesus que lá vou eu
Rua abaixo até ao rio
Já não tenho quem me acuda
nem a galinha me ajuda.
Foi a torta, saiu mal,
levou vidro em vez de sal.
Era a velha a querer matar 
o marido p'ra depois,
se juntar aos outros dois
rapagões de casa cheia
e ela sem um pé de meia...
E agora, quem cozinha?
Bato à porta da vizinha
Diz o velho interesseiro
que há-de cair bem primeiro
Que o carregue o diabo
mais o vinho entornado
antes de matar a porca
muito vinho ele emborca.
Diz a velha mesmo antes 
de cair atrás da porta.
Foi um sonho que lhe deu
Que o marido já morreu.

(inéditos, © Vera de Vilhena)

domingo, 11 de janeiro de 2015

Vida Perdida


© Nanã Sousa Dias

ando em busca da vida que perdi.
alguém viu passar os dias
que escorreram de mim?

se os virem, se pelo caminho se cruzarem
com a vida que maltratei,
peçam-lhe por mim perdão,
que me deixe viver aquilo que agora sei.

dizem-me os ventos
que anda perdida na rua,
chorando, tremendo nua.

algo disse que a ofendeu,
gestos que dei, mas não eram meus…

 e a chuva anuncia, com mágoa no olhar:
– Vi a tua vida, há tanto perdida,

doente, cansada
de ter solidão e inverno no peito
E mais nada

deitou-se a seu jeito, envelhecida
na estrada vazia
e morreu.

(Vera de Vilhena, inédito, 2015)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Dois Mundos

«Caminhando, chegam-me lanças de luz
Entre os ramos dos pinheiros.
O vento traz-me ondas de incenso
Composto de folhas frescas
Que um agricultor vai cremando.
O verdor da salsa, a emoldurar as bermas da estrada,
Serpenteando e descendo,
Inunda-me as narinas e abre-me o apetite
Por alimentos frescos,
Temperados com azeite maduro
E vinagre de frutos vermelhos.
Há pombos atravessando-se diante dos meus olhos,
Recolhendo-se ao pombal da D. Alberta.
A tarde finda.
Os meus passos acontecem
Ao ritmo de um Tony Bennett,
Na surpresa de tantos duetos tardios.
Na sombra, arranco, à passagem,
Fragmentos de cedros,
Que esfrego nas mãos enquanto um melro me olha,
Calando a melodia e dançando
Sobre as flores silvestres.
Tenho paz neste meu isolamento.
Não estou longe do mundo –
– este é apenas o meu mundo.
Preciso de me lembrar,
Como quem anota uma tarefa num post it:
Visitar o outro mundo de vez em quando.»
(© Vera de Vilhena, in "Fora do Mundo", Poética Edições, 2014)

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Nevoeiro


O farol, o nevoeiro

A Ericeira banhada em nevoeiro.
A paisagem, tornando-se leitosa,
Esfuma-se na linha do horizonte;
A terra unindo-se ao céu,
Envolta num lençol translúcido
Onde as formas se perdem,
Ganhando ares de mistério.

Filmei as pás das enormes ventoinhas
De energia eólica, sumindo em neblina.
Apenas o longo tronco dos moinhos se erguia
Rumo ao céu.
As pás girando, invisíveis, arranhando
Surgindo apenas num instante,
Prestes a roçar o chão,
Para logo sumir no leito celeste.

Amado nevoeiro!
Escuto a sirene dos navios,
Vejo a dança do olho ciclope,
Cuja luz corta o manto níveo;
E os longos triângulos de vapor
Formados pelos faróis dos automóveis.
Arvoredos que nos pousam
Na Sintra Romântica
Ou em histórias de Dickens.

Algo de belo existe na aura de mistério
Que o nevoeiro traz,
Transformando as árvores em espectros
E fazendo-nos acreditar que nada é o que parece,
E o que vêem, realmente, os nossos olhos,
Senão a mais pura Incerteza?

(©Vera de Vilhena, inédito, pré-publicação - "Fora do Mundo", Poética Edições)



segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O teu silêncio

O teu silêncio

Uma taça onde cabem todas as palavras
que não dizes.
Nela guardas a muda censura,
A dizer o pardo infinito,
Pleno de abstracta incerteza
Tanta, que não cabe na minha mão.

De repente, falas,
E cospes e gritas.
E na tua voz se quebra
o consolo do mutismo
Onde tudo podia ser, 
Até as palavras mais doces.

E o silêncio, que era pardacento,
A abreviar as nossas mágoas,
Sem nome nem lembrança,
É agora raiva escarlate,
Embutida nos teus vocábulos.

Foi-se o silêncio.

E quando regressa

é tarde:

Na taça de ambos

Apenas cabe o arrependimento.