sexta-feira, 31 de julho de 2015

terça-feira, 21 de julho de 2015

Haja humor

Pena o público, no final, dar cabo do "swing" no "Mack the Knife", ao bater as palmas no tempo e não no contratempo, mas isso...é um "clássico" :-) EnJOY.

                                          

terça-feira, 14 de julho de 2015

Ilha


«Agora tenho imenso tempo. Sou uma ilha rodeada de tempo por todos os lados. Os meus filhos já saíram de casa e não é a solidão que me aflige, Sara, é o resto da minha vida sem ti. Era inevitável entrarmos ambos para o clube dos divorciados. Tentativas por instinto, erros de percurso. Só restam os filhos. A paixão vai-se e, na melhor das hipóteses, fica o amor e os filhos. A amizade e os filhos. O rancor e os filhos. A indiferença e os filhos. Soube do teu divórcio por acaso. Por que é que não me disseste nada? Eu sei porquê, não precisas de responder. Dizem que a vida é curta, mas não é verdade. A vida demora uma eternidade. Dá margem para demolirmos todas as nossas certezas, para perdermos o chão muitas vezes, para vivermos várias vidas, mesmo as que não são nossas...não verdadeiramente.»
( © Vera de Vilhena, romance em construção)

domingo, 12 de julho de 2015

A chama

Daniel Preston, psicoterapeuta mais conhecido por “D. Pression”, está incapaz de encontrar prazer nos tesouros da cidade londrina. Não há montra nem peça que prendam a sua atenção inteira. Os doentes sugam-lhe a felicidade, a paz, além de lhe porem alcunhas crueis. Depois há aquele sentimento que não pode ter, nem sabe como arrancar do peito e da consciência.
Solta um grito em pleno parque e assusta os pombos. Um deles deixa cair o recheio dos intestinos sobre o seu ombro esquerdo, do lado do coração. Deprimido, arranca para o escritório. É urgente limpar-se antes de ela chegar. Recompor-se.
Ela chega. Senta-se. Desabafa. Ele mal a escuta, ocupado que está em amá-la em segredo. Ofendida, ela sai, batendo com a porta.
Ardendo, calada, a vela sobre a secretária nada diz. A chama dança, com a força do ar deslocado pela porta zangada, ondeando como bailarina exótica, a barriga musculada da chama, dança do ventre em fogo, para lá e para cá, a censurá-lo com um tss tss…a tua bela doente saiu, reparaste? Doente anda ele, com a paixão que não pode sentir, por causa da maldita ética profissional. Sopra a vela, como quem pede um desejo. O pavio apaga-se, deixando-o iluminado, a sós com a sua própria chama. D. Pression sai porta fora e chama por ela. É no corredor que lhe diz:
- O meu silêncio chama por si, arde em pavio impossível de apagar, como aquelas velas irritantes nos bolos, sabe?
É um chamamento desesperado, palavras ateadas sem jeito.

Ela ri-se e dá-lhe um longo beijo. Nesse colar de bocas vão as chamas que há muito tentava acender nele. No beijo, um incêndio.

sábado, 11 de julho de 2015

Perdida, a cadela

Nunca passa fome. Vive da gratidão dos que, por vê-la, arranjam um pedaço de pão, um osso, uma casca de fruta, um biscoito. O nome por que é conhecida não faz qualquer sentido.
- Perdida! Anda cá, toma!

Perdidos são os que andam sem consolo na vida, sem projecto nem futuro. Sem dignidade. É cadela de rua, sim, mas tão orgulhosa que, quando a chamam pelo nome, não responde. E é nesse não responder que sempre se encontra.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Sem ser chamado

Roubei a imagem aqui
As suas acções nunca tinham um fio condutor. Por várias vezes encontrou a linha impedida e perdia oportunidades como quem deixa cair a senha na rua, para ir ao café só por dois minutos, até chegar a sua vez. Andava desencontrado com o mundo, sem voz nem mensagem. Uma noite, de madrugada, cortou os pulsos, interrompendo o que sempre fora uma má ligação.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Rosas de sangue

As roseiras daquela casa davam rosas cor de sangue fresco. Algo nunca visto, pois mesmo em pleno inverno não deixavam de florir. Pensava-se em milagres, num qualquer plano divino para mostrar a força da Mãe Natureza, as bênçãos de uma santa família. Mas não, era apenas uma estranha combinação química, pelos mortos ali enterrados em noites de lua cheia.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Raízes e revisões

Revisão literária, reescrita de tantos textos, tantas páginas escritas por terceiros. Têm sido assim os meus dias, as horas centradas nos livros dos outros, sem direito para o que é meu. O ofício em primeiro lugar. Em primeiro lugar o sustento. Para segundo plano os caprichos. Quase, quase um dever cumprido. Logo virá o tempo da escrita. Sem desculpas. Sem mais adiamentos. É urgente escrever para mim, terminar o que inaugurei há treze anos. Nem que seja para ter paz. Quase. Quase a tocar nesse tempo com a ponta dos dedos. O solo ressequido aguarda. Em breve poderei revolver os torrões de açucar mascavado. Sentir, de novo, o perfume natural das minhas próprias palavras. Sob a pá que a mulher enterra, junto àquela árvore, bem que podiam estar as minhas pobres personagens, que há tanto tempo aguardam, paralisadas em silêncio. Esperem, só mais um pouco, tenham só mais um pouco de paciência. Em breve irei socorrer-vos, enfiar-me na terra convosco, a buscar as raízes que deixei para trás.