quarta-feira, 29 de maio de 2013

John Kennedy Toole

A propósito da tão conhecida frustração dos autores por não conseguirem ver publicadas as suas obras; quando, no passar dos anos, apenas recebem - quando não o silêncio, a indiferença -  respostas negativas, eis que descubro um exemplo de ironia pura: JOHN KENNEDY TOOLE. 
Nasceu em New Orleans. Escreveu um romance aos dezasseis anos ("The Neon Bible"). Especializou-se em inglês em Nova Iorque onde, em simultâneo, deu aulas, no Hunter College. Interrompeu os estudos, pois foi chamado para o serviço militar, que cumpriu ensinando inglês a recrutas porto-riquenhos, em San Juan. Nessa época escreveu a sua segunda e última obra: uma tragicomédia intitulada "A Confederacy of Dunces". Nunca conseguiu publicar e reagiu terrivelmente às respostas negativas, chegando mesmo a sentir-se verdadeiramente humilhado e zangado com a mãe, que insistia e lhe dava falsas esperanças, através de novos contactos no mundo editorial, que originavam novas desilusões. Começou a beber bastante e ganhou peso. Alterou todo o seu guarda-roupa. Sofria de dores de cabeça que os analgésicos não resolviam, mas recusou-se a ver um neurologista. Terá sido, tudo junto, o que o levou ao suicídio. Tinha 31 anos quando desistiu de escrever, de insistir, de viver. 

1937 - 1969
Mas a sua mãe, depois de se refazer de uma longa depressão pelo desgosto de perder o filho, não desistiu. Retirou o manuscrito do fundo do armário e perseguiu as editoras durante anos. Recebeu sempre respostas negativas. Até que teimou, ao longo de três anos, junto do escritor e editor Walker Percy. Chegou mesmo a entrar pelo seu escritório adentro, à revelia, e a obrigá-lo a ler, argumentando que o livro era muito bom. O homem prestou-se a lê-lo, quanto mais não fosse para se ver livre daquela mulher insistente e incansável: habituado a pôr originais de parte, sabia que lhe bastaria a leitura dos primeiros parágrafos ou páginas para poder afastá-lo de consciência limpa. Mas tal não aconteceu. Não só leu a obra até ao fim, como mal podia acreditar que o livro fosse tão bom quando chegou à última página. 
A edição foi complicada e o livro só saiu três anos mais tarde. E como acaba esta triste epopeia? Em 1981, John Kennedy Toole, no túmulo desde 1969, ganhou o Pulitzer Prize e nunca o soube. Nunca sentiu a recompensa de se ver autor consagrado no mundo inteiro e traduzido para uma vintena de línguas.
                                          
Foi este livro que comecei a ler hoje, na versão portuguesa. E à medida que vou virando as páginas, com deleite, dou por mim a esboçar um ou outro sorriso triste, por não ter como felicitar o autor no facebook, como poderia muito bem acontecer; a lembrar-me que se matou estupidamente, sentindo-se um fracasso até ao último momento. Que outros livros, excelentes como este, teria ele escrito até aos nossos dias, se não tivesse desistido? Que lugar ocuparia na literatura hoje, com 76 anos? Nunca saberemos e isso entristece-me.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Feira do Livro

Hoje fui à feira com os cordões da bolsa bem apertados.Nem preciso de dizer-vos que gostaria de ter podido trazer muitos mais, mas voltei a casa com estes dois no saco o que, para os tempos que correm, já não foi nada mau...

Obrigada, Maria João, pela companhia :) As horas passaram a correr.


domingo, 26 de maio de 2013

Zafón

Depois de um pequeno-almoço tardio, deitei-me no sofá com o Prisioneiro do Céu nas mãos e só o larguei depois de ler a última página, às 14.45. 
E agora?
Zafón, escreve depressa o quarto e último volume, por favor.
As personagens aguardam o desfecho dos derradeiros mistérios e nós, os leitores que te amamos, ficámos desamparados, num voo suspenso, apesar de teres tido a consideração de fechar a narrativa em cada volume. 
Nunca conheci um autor que contasse uma história assim, como um caleidoscópio onde tudo se cruza e reflecte, sem, no entanto, deixar que nos percamos no labirinto narrativo, por mais complexo. Imagino portas cujos corredores conduzem a outras portas que, por sua vez, guardam outras que fazem com que todos os quartos fiquem interligados. Ainda pr cima, presenteia-nos com uma escrita magistral e com personagens que apetece trazer para a nossa casa, além da criação e recriação de lugares que ansiamos por visitar, mesmo sabendo que se inserem num tempo que já não existe, ou num espaço que nunca existiu.
Zafón existe e escreve como ninguém.
Seja o que for que o alimenta, sejam quais forem as suas influências musicais, cinematográficas e literárias, abençoadas sejam. Muitas comparações têm feito, desde os clássicos românticos russos, franceses e ingleses, aos modernistas como Umberto Eco, Garcia Marquez ou Jorge Luis Borges; rotulem-no como quiserem, mas o certo, a meu humilde ver, é que nunca ninguém contou uma história assim.
Obrigada, Lia, pelo empréstimo. Os dois volumes que possuo, como livros de cabeceira, aguardam os dois restantes. Simplesmente terei de adoptá-los, como quem não pode deixar de trazer para casa um pássaro ferido.

sábado, 25 de maio de 2013

Puccini e Jamie Oliver

Pusemos hoje a mesa hexagonal de madeira lá fora e o grande guarda-sol amarelo. O meu filho instalou-se à sombra, para estudar História da música ao som de Puccini. Os cães ficaram deitados aos seus pés, como guardiões fiéis. Ao fim da tarde vamos experimentar duas receitas do Jamie Oliver, salada mista com hortelã, prosciutto, pêssego e queijo mozzarela, e tortellini com tomate seco, vinagre balsâmico e manjericão. Ah, estes sábados de sol, que já chamam pelo verão. Abençoados.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Diginidade caseira

Ao reorganizar o meu minúsculo escritório, arquivando papeladas com meses e anos de atraso, Deparei-me com fotografias datadas dos primeiros dois anos desta casa. Conclusão: pintura com ela.  É urgente recuperar-lhe a dignidade do azul e branco, agora que vem aí o verão e os almoços no terraço. 


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Lydia Davis

A escritora Lydia Davis, conhecida pela sua escrita concisa, recebeu ontem o quinto Man Booker Internacional Prize.
Heart weeps.
Head tries to help heart.
Head tells heart how it is, again:
You will lose the ones you love. They will all go. But even the earth will go, someday.
Heart feels better, then.
But the words of head do not remain long in the ears of heart.
Heart is so new to this.
I want them back, says heart.
Head is all heart has.
Help, head. Help heart.” 

"Nasceu em 1947 e vive em Nova Iorque, onde além de ser conhecida e influenciar uma nova geração de escritores, traduz Proust e é professora de escrita criativa. A americana Lydia Davis recebeu o quinto Man Booker International Prize que distingue escritores vivos de todo o mundo. A sua obra desafia a classificação genérica e a escritora tem sido descrita como “mestre de uma forma literária" que advém em grande parte "da sua invenção”, lembrou o júri. A cerimónia de entrega do prémio foi quarta-feira à noite no Victoria & Albert Museum de Londres.O júri também referiu as obras originais e filosóficas de Lydia Davis, embora curtas, exigiam tempo, talento e esforço e elogiou a habilidosa eficácia da sua escrita e a profundidade contida em poucas linhas. “A sua obra tem a precisão e a brevidade da poesia.” As suas histórias são por vezes surpreendentemente curtas não se estendendo por mais de duas ou três páginas, nota. Talvez por isso foi considerada "pouco esforçada", como ela própria conta com humor.“Recentemente recusaram-me um prémio literário porque disseram que eu era preguiçosa.” Agora já não, anunciaram os membros do júri – Júri Sir Christopher Ricks (que preside), Elif Batuman, Aminatta Forna, Yiyun Li e Tim Parks – que a descrevem como uma inovadora e influente escritora.Lydia Davis, que vive em Nova Iorque e é professora de escrita criativa na Universidade de Albany, é também conhecida por traduzir da língua francesa importantes clássicos comoMadame Bovary de Gustave Flaubert de Du côté de Chez Swann, de Proust.O prémio tem o valor de 60 mil libras (cerca de 70 mil euros) e é atribuído de dois em dois anos a um escritor no mundo por uma obra original em língua inglesa ou traduzida em inglês. É a quinta vez que ele é atribuído, depois de em 2005 o prémio ter distinguido o escritor albanês Ismail Kadaré, em 2007 o romancista nigeriano Chinua Achebe (entretanto falecido este ano), em 2009, a canadiana Alice Munro e em 2011 o americano Philip Roth. Como devem os seus escritos ser classificados?, interroga-se o presidente do júri. Talvez não devam. Foram chamados de histórias mas são igualmente miniaturas, anedotas, ensaios, parábolas, fábulas, textos, aforismos ou ainda orações ou simplesmente observações, salienta Sir Christopher Ricks na declaração sobre a escolha que deixou de fora os outros nove escritores finalistas: Vladimir Sorokin, Marie N'Diaye, Yan Lianke, Marilynne Robinson, Aharon Appelfeld, Peter Stamm, Intizar Husain, Josip Novakovich ou U R Ananthamurthy. Um romance apenas – The End of the Story (1995) – integra a sua obra essencialmente composta de colecções de contos comoBreak it Down (1986), Almost no Memory (1997), e outras. Lydia Davis foi editada em Portugal pela Relógio d’Água.Ao jornal brasileiro Folha de São Paulo, a escritora disse numa entrevista: “Tento ser tão concisa quanto posso ao expressar o que quero. Mas vale lembrar que Proust também acreditava na concisão. Se uma frase dele pode durar várias páginas, isso não significa que ele tenha dito mais do que necessitasse.”
(in jornal "Público, 23 Maio 2013)

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Vou

Vou fazer uma lista de livros que não irei comprar; enquanto a escrever serei dona desses livros

Vou descrever todas as minhas memórias douradas, esquecendo que essa não é a sua cor.

Vou fazer planos para o futuro, mesmo sabendo que o futuro que não tenho me aterroriza

Vou caminhar com os meus ténis rotos e a minha roupa velha, porque nos ouvidos tenho os duetos do Tony Benett e a estrada não se importa

Vou dizer a toda a gente que sou feliz com as minhas escolhas, tentando esquecer que a vida me passou por cima como um tsunami.

Vou dizer mentiras a toda a gente, fingindo que o meu fingimento é verdadeiro

Até que da minha verdade nada saibam

até que, de boca escancarada, eu nada saiba dizer

E mesmo de boca fechada eu diga tudo.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Feira do Livro de Lisboa

E eis que vai começar mais uma Feira do livro de Lisboa: a 83ª!
O site, AQUI. Boas compras!

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Chez Gaudy

© Rui Veloso, por Ana Mesquita

Às vezes, devido a terem amigos comuns, juntam-se à mesma mesa pessoas que pertencem a mundos diferentes. Os que vivem quase sempre escondidos num qualquer cantinho rústico, levando uma vida pequena e tímida, os que jamais ali estariam não fosse um golpe de asa; os que levam vidas aventurosas e ricas, viajando, estando nos cantos e nas bocas do mundo, tratando o glamour por tu; e ainda os que são o expoente máximo naquilo que fazem, pessoas cujo peso fazemos por esquecer, enquanto os servimos de batatas salteadas, trocamos impressões acerca de música ou conversamos sobre a nossa bucket list. O branco e o tinto que vão correndo ajudam a revelar a essência de cada um, no seu implacável e abençoado efeito in vino veritas.
E neste bouquet variado, feito de rosas e jasmins, dedaleiras e narcisos, jacintos e gypsophilas, vão-se perfumando as horas sem que nenhum dos convivas altere a sua natureza.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Bom fim de semana, sim? :)

Ai, até se fica com dores nos músculos, de tanto rir! Enjoy the show, senhoras e senhores :)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Frio

Dias cinzentos e chuvosos. O calor de maio foi-se. Avizinham-se outros dias iguais. Haja sol por dentro, ao menos, senão caímos todos em desânimo, de coração arrepiado.
                                        

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Zafón

Aos olhos de um dos melhores contadores de histórias...

"I have written for young readers, for the movies, for so-called adults; but mostly for people who like to read and to plunge into a good story. I do not write for myself, but for other people. Real people. For you. I believe it was Umberto Eco who said that writers who say they write for themselves and do not care about having an audience are full of shit, and that the only thing you write for yourself is your grocery shopping list. I couldn't agree more. 
As I said, I am in the business of storytelling. This is an art, a craft and a business, and I thank the Gods of Literature for that. I believe that when you pick up something I've written and pay for it, both in terms of your money and something much more valuable, your time, you are entitled to get the best I can produce. I believe this is not a hobby, it is a profession. If you're pretentious enough to believe that what you write might be worth other people's time (as I am), you should work hard enough to earn that privilege (as I do)."
(Carlos Ruiz Zafón, in "Why I Write", site oficial)

terça-feira, 14 de maio de 2013

Quebra-nozes

Não é maravilhoso o que certas pessoas conseguem fazer com talento e muita paciência?

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Dedos presos

Os dedos presos em novelos de dúvida. Ou talvez seja apenas o fel viciado do ócio. As personagens aguardam, empoeiradas, quando mal se haviam reerguido das cinzas. Talvez, dizem-lhe os dedos, talvez não saiba para onde vai, que destino dar àquela gente que inventou num dia iluminado e maldito e que por tanto tempo anda suspensa, sem chegada, sem viagem. É tarde para as abandonar mas impossível prosseguir. E ela, a minúscula pessoa esculpida em grandes esperanças, assim permanece, de mãos paralisadas, no limbo em que ficam os que, caindo, não encontram chão. As horas consomem-se em nada. Tudo é incerteza e descrença. A pouca fé que depositou nos dedos mudou-se para outro país, emigrou-lhe do peito, deixando-a vazia. Nem sabe se ainda é capaz de sentir a velha culpa, pois até para a culpa é preciso ter fé.
© Nanã Sousa Dias

domingo, 12 de maio de 2013

Três à mesa

Já se imaginava num recomeço suicida, num andar à deriva ainda maior do que a deriva em que já vivia mergulhada. E eis que o destino lhe ofereceu aquela surpresa, um trio harmonioso e até familiar feito do fio de prumo das conversas tecidas em tempos antigos, em memórias que afloram, com riso de permeio, o sabor das mudanças e a transformação dos rituais. Era, mais uma vez, a saudade que aconchegava as recordações numa patine dourada, embelezando um tempo perdido que, precisamente por isso, se tornava ilusoriamente perfeito. 
Contra todas as previsões da sua amargura enraizada, a noite foi de paz; e foi de coração embriagado que ela se deitou nessa noite. A esperança era agora uma gaze luminosa que embalava a sua cama, rematando-a num grande laço e tornando-a leve. Quem nessa noite admirava, à janela, a lua gorda recortada em papiro, apenas viu uma estranha forma flutuando nas trevas, rumo ao sol, do outro lado da Terra adormecida.

sábado, 11 de maio de 2013

Caminhos Cruzados

Conheço este tema desde que sou criança e nunca o tinha incluído no meu reportório, vá-se lá saber porquê. Foi hoje, FINALMENTE. Obrigada, Alexandre Diniz e Nanã, por me acompanharem tão bem nesta estreia de mais um tema lindíssimo de Tom Jobim.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

A casa

Na Casa de Anil há um prodígio que ninguém pode revelar. E não existem lendas nem livros que desvendem o seu mistério. Os homens e as mulheres, que em sonhos entram naquele lugar tecido em algas e corais, transformam-se em peixes e ondinas. A pele cobre-se de escamas e para sempre se calam as suas vozes, emudecidas por inesperadas guelras.  Enquanto, na praia ali perto, a maré revela seixos, búzios e caranguejos, eles serpenteiam pelos quartos e salas, por entre os móveis esculpidos em cristais de quartzo e lápis-lazúli, cruzando-se com anémonas cintilantes e medusas de corpo transparente. Por tanto tempo ali aprisionados, ondulando languidamente no interior aquático daquela casa, acabam por olvidar a sua natureza humana. É nessa hora que a maré cheia os vem resgatar, num ritual de consagração aos mares. Mil ondas batem às  janelas, desfazendo-se em espuma na soleira da porta. Fatalmente, os peixes são arrastados rumo ao oceano, para habitar as águas do mundo inteiro. As ondinas, levadas em mornas correntes, desaguam nos lagos, construindo, na penumbra das areias azuis, as suas casas de cristal.
O dia vem despertá-los, mas é apenas uma cama vazia que a luz da manhã encontra. Só o tom azulado dos lençóis húmidos conhece o beijo faminto da Casa de Anil, que se vai alimentando com a alma dos poetas e a fantasia dos sonhadores. 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

terça-feira, 7 de maio de 2013

irmãos Cohen

Mais um filme hilariante e irresistível dos irmãos Cohen, para juntar à minha lista cinematográfica de bom humor negro com excelente argumento. E, claro, mais um papel irrepreensível de Tom Hanks, a versão masculina de Meryl Streep :)
"The Ladykillers" ("Quinteto da Morte", 2004, um remake do filme de 1955, "Ladykillers - Can't Return the Money")

domingo, 5 de maio de 2013

Domingo

Uma sessão fotográfica relâmpago e um lanche excelente. Bom vinho, boa companhia. Um Dia da Mãe que foi um consolo, com direito a ovos mexidos com farinheira, feitos pelo filhote. A repetir, faxavor.

sábado, 4 de maio de 2013

Bom, bom, bom

Marcus Miller, além de excelente baixista e compositor, e de cantar muitíssimo bem, ainda toca sax soprano, clarinete e clarinete-baixo (este, do video). Aqui ao vivo, interpretando, num dueto impressionante com o "puto" Alex Han (uma besta no sax, no bom sentido) o "In a Sentimental Mood". Enjoy. Até ao fim, que vale a pena, garanto. 

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Compromisso

Carlos Ruíz ZAFÓN ensinou-me aquilo que já tantos me tentaram dizer nos últimos anos: escritores que falaram comigo através de entrevistas, contando acerca dos seus hábitos, da rotina que criavam, do que pensavam (ou pensam) ser essencial para trabalhar na escrita. A Alice Vieira, a Rita Ferro, disseram-mo directamente: trabalha, escreve, escreve, escreve.
Zafón diz que precisou de escrever quatro romances dedicados a "young adults" para chegar à Sombra do Vento, o livro que queria realmente escrever. O que significa que esses livros foram uma experiência, um treino, que o conduziu à escrita vocacionada para adultos. O que ele diz, os conselhos que dá aos escritores principiantes, vale ouro. E ontem senti o clique de que precisava.

"A rotina é a governanta da inspiração."

Num diálogo entre David Martín e Isabella, n' O Jogo do Anjo, David diz à aprendiza: põe os cotovelos na mesa, cola o cu à cadeira e trabalha. Isso é a inspiração.

Por isso hoje inicio um novo ciclo. Porque sei que não funciono de outra forma. Auto-disciplina. Rotina. Horário. Estímulo para acordar mais cedo que a minha preguiça. Facilito em demasia a minha vida, os meus hábitos. O ócio é um inimigo a abater. Não basta termos os livros na nossa cabeça. Não se escrevem sozinhos, precisam das nossas mãos.
Por isso me vou, embalada pelo álbum "Alice", de Bernardo Sassetti. Não poderia estar em melhor companhia.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Saudade

José Luís Peixoto
"Tenho saudades da minha madrinha a queixar-se de alguma coisa enquanto lavava a loiça num alguidar. Não se queixava da loiça, apesar do muito que lhe custava manter-se de pé, queixava-se do inverno, maldito inverno, ou queixava-se da morte, esta vida não presta para nada, porque tinha morrido algum homem, que era tão novo, pouco mais de oitenta anos. Tenho saudades do toque de finados da igreja da minha terra. Ecoava no adro, espalhava-se por cima de todos os telhados e chegava até ao campo, onde se dissolvia na aragem.
Tenho saudades do meu padrinho a carregar bolsos cheios de moedas de cinco escudos, que trocava por copos de vinho tinto nas tabernas. Até a dizer bom dia ou quaisquer palavras simples, era capaz de escolher expressões que acrescentavam humor e que nunca agrediam. As portas das tabernas eram sempre um buraco de sombra na cal. O cheiro do vinho estava entranhado nas paredes. Tenho saudades do barulho que fazia o vidro grosso dos copos vazios a bater no mármore. Às vezes, quando se chegava a essas vendas, não estava ninguém. Então, era preciso bater com a palma da mão no balcão e chamar.
Tenho saudades de ver a minha madrinha a pentear os cabelos fracos ao espelho do lavatório. Molhava os dentes do pente na água da bacia. Tenho saudades de caminhar ao lado do meu padrinho nas manhãs de verão, ao rés da parede, os dois cobertos pela sombra. Fazia-me perguntas engraçadas acerca das hortas onde eu e os outros rapazes sabíamos que havia boa fruta para roubar.
Através da distância do tempo, sou ainda capaz de ouvir as suas vozes. Enquanto escrevo estas palavras, ouço-os a repetirem frases que me disseram antes, quando estávamos no mesmo lugar, talvez sem entendermos completamente o enorme valor de estarmos juntos. Ouço o meu nome dito pelas suas vozes, pela maneira especial como cada um deles o dizia. Essa lembrança aumenta ainda mais as saudades. E, no entanto, espero que o futuro nunca me tire essa memória. Prefiro esquecer episódios, histórias, dias inteiros de cismas, do que deixar de ser capaz de ouvir a voz dos meus padrinhos.
A minha madrinha a chamar-me, o meu padrinho a chamar-me.
Hoje, ter saudades desse tempo é espécie de uma felicidade enorme por tê-lo vivido, por saber como foi. Sinto falta dos meus padrinhos porque os tive, foram meus e, através das saudades que sinto em dias como hoje, continuam a ser meus padrinhos, mesmo que os sinos da minha terra já tenham tocado por eles há tantos anos.
Mesmo que fosse possível, nunca quereria deixar de sentir saudades dos meus padrinhos, esses velhos que me encheram a vida inteira com as suas certezas, com as suas dúvidas também, com a sabedoria e com os erros que fui capaz de aprender.
A saudade não é tristeza, é comoção.
A saudade é o que fica do amor quando perdemos todo o seu lado físico, deixámos de estar, deixámos de tocar, há uma barreira inultrapassável de espaço ou de tempo, mas o amor continua, permanece. A saudade é esse tipo de amor.
A saudade é o amor."
(in UP Magazine, revista de bordo da TAP, 1 maio 2013)

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Paper man

Dificilmente resisto a filmes cujo protagonista é um escritor (quase sempre torturado por dilemas existenciais, sofrendo a angústia da folha em branco): por mais filmes que se façam explorando o cliché do escritor amaldiçoado, lá estou eu, vibrando com o seu desespero, rindo e sofrendo com ele; sobretudo se os actores forem bons e o guião melhor ainda. Hoje descobri mais um: Paper Man - Tempo de Crescer, (2009), um drama-comédia com Jeff Daniels, Lisa Kudrow, Ryan Reynolds e Emma Stone. Recomendo, apesar de as críticas em 2009 não terem sido grande coisa. A mim, divertiu-me...e ainda não consigo apagá-lo da Meobox. É um dos meus fetiches, este tipo de filmes, que hei-de fazer? 


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