A propósito da tão conhecida frustração dos autores por não conseguirem ver publicadas as suas obras; quando, no passar dos anos, apenas recebem - quando não o silêncio, a indiferença - respostas negativas, eis que descubro um exemplo de ironia pura: JOHN KENNEDY TOOLE.
Nasceu em New Orleans. Escreveu um romance aos dezasseis anos ("The Neon Bible"). Especializou-se em inglês em Nova Iorque onde, em simultâneo, deu aulas, no Hunter College. Interrompeu os estudos, pois foi chamado para o serviço militar, que cumpriu ensinando inglês a recrutas porto-riquenhos, em San Juan. Nessa época escreveu a sua segunda e última obra: uma tragicomédia intitulada "A Confederacy of Dunces". Nunca conseguiu publicar e reagiu terrivelmente às respostas negativas, chegando mesmo a sentir-se verdadeiramente humilhado e zangado com a mãe, que insistia e lhe dava falsas esperanças, através de novos contactos no mundo editorial, que originavam novas desilusões. Começou a beber bastante e ganhou peso. Alterou todo o seu guarda-roupa. Sofria de dores de cabeça que os analgésicos não resolviam, mas recusou-se a ver um neurologista. Terá sido, tudo junto, o que o levou ao suicídio. Tinha 31 anos quando desistiu de escrever, de insistir, de viver.
1937 - 1969
Mas a sua mãe, depois de se refazer de uma longa depressão pelo desgosto de perder o filho, não desistiu. Retirou o manuscrito do fundo do armário e perseguiu as editoras durante anos. Recebeu sempre respostas negativas. Até que teimou, ao longo de três anos, junto do escritor e editor Walker Percy. Chegou mesmo a entrar pelo seu escritório adentro, à revelia, e a obrigá-lo a ler, argumentando que o livro era muito bom. O homem prestou-se a lê-lo, quanto mais não fosse para se ver livre daquela mulher insistente e incansável: habituado a pôr originais de parte, sabia que lhe bastaria a leitura dos primeiros parágrafos ou páginas para poder afastá-lo de consciência limpa. Mas tal não aconteceu. Não só leu a obra até ao fim, como mal podia acreditar que o livro fosse tão bom quando chegou à última página.
A edição foi complicada e o livro só saiu três anos mais tarde. E como acaba esta triste epopeia? Em 1981, John Kennedy Toole, no túmulo desde 1969, ganhou o Pulitzer Prize e nunca o soube. Nunca sentiu a recompensa de se ver autor consagrado no mundo inteiro e traduzido para uma vintena de línguas.
Foi este livro que comecei a ler hoje, na versão portuguesa. E à medida que vou virando as páginas, com deleite, dou por mim a esboçar um ou outro sorriso triste, por não ter como felicitar o autor no facebook, como poderia muito bem acontecer; a lembrar-me que se matou estupidamente, sentindo-se um fracasso até ao último momento. Que outros livros, excelentes como este, teria ele escrito até aos nossos dias, se não tivesse desistido? Que lugar ocuparia na literatura hoje, com 76 anos? Nunca saberemos e isso entristece-me.
ResponderEliminarNunca desistir é palavra de ordem. Contra tudo e contra todos - se preciso for - temos de acreditar em nós e que, sem dúvida,é a persistência que tornará qualquer sonho em real possibilidade.
Não conheço a obra, mas fiquei com " a pulga atrás da orelha": pelo exemplo e pela ironia.
Um beijinho, Vera