domingo, 31 de maio de 2009

É tão bom ser pequenino...

Pelas sete das tarde fui fazer o meu "footing" habitual. Era dia de festa ali perto. A estrada, normalmente deserta e verdejante, estava decorada com carros e camionetas que levavam os visitantes ao festejo do santo: ao longe, escutei os foguetes e cantares, o acordeão, a voz abafada do "compère", e imaginei o porco assado no espeto, o vinho corrente, as bifanas, o pão saloio à fatia generosa. Vivo num cantinho que nem aldeia é. Nasci em Lisboa e fui fugindo para tocas cada vez mais minúsculas até dar aqui, a este lugar que nem festa própria tem, pois esta, a que decorria hoje, acontecia a 1 km do meu esconderijo, numa lugar que ainda não desistiu de ter o estatuto de aldeia. Como alfacinha, não entendo esta febre de ser grande. É tão bom ser-se pequenino...

sábado, 30 de maio de 2009

... e ainda: Criatividade

E porque este é o Ano Internacional da Criatividade e da Inovação, deixo aqui um link para 18 minutos preciosos com a escritora Elizabeth Gilbert.

http://www.youtube.com/watch?v=86x-u-tz0MA

Encontrei este video aqui:
http://vaocombate.blogs.sapo.pt/

Imaginação


A Imaginação é o que poderia ser, se valesse tudo.

(Imagem: quadro de Salvador Dalí)

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Falta de Jeito I

Que falta de jeito
Absurdo, suspeito
Que não me convenço
Do velho bom-senso

Que falta de jeito
Que grita, sacode
O fundo da alma
E ninguém acode

Que falta de jeito
Que raiva que deito
P’los olhos adentro
Que falta de alento

Será vocação?
Ou mero talento?
Que faço comigo,
Se nem sequer tento?

Que nem eu me lembro
Se tenho direito
Aos sonhos que guardo
Dentro do peito
(VERA DE VILHENA)

quinta-feira, 28 de maio de 2009

O Carteiro de Pablo Neruda

Uma promessa de boa leitura, para o verão que se aproxima: a acção passa-se na Ilha Negra, no Chile. Os homens seguem o ofício de pescadores, uma das poucas opções naquele lugar. Mário Jimenez, contrariando a tendência de várias gerações, decide tornar-se carteiro. Só Neruda recebe correio, na sua casa de frente para o mar. Os dois tornam-se amigos e Neruda acaba por ajudar Mário a conquistar o coração da bela Beatriz. Baseado em factos reais, Antonio Skármeta transporta-nos para o Chile de 1969 em diante, tendo como pano de fundo a eleição de Salvador Allende e a vida do grande poeta. Este livro é verdadeira prosa poética, refrescante, onde não faltam pinceladas de humor e comoção. Muitos já viram o filme, é certo, mas à semelhança do que acontece muitas vezes nestes casos, o pequeno livro supera a versão cinematográfica. vale a pena ler.

Aqui ficam algumas passagens escolhidas um pouco ao acaso:


"- Como eu gostava de ser poeta!
- Homem, no Chile todos são poetas. É mais original que continues a ser carteiro. Pelo menos andas muito e não engordas. No Chile todos os poetas são barrigudos."
(...)
"O carteiro Mário Jimenez tomou à letra as palavras do poeta e fez o caminho até à calheta perscrutando os vaivéns do oceano. Embora as ondas fossem muitas e o meio-dia imaculado, a areia mole e a brisa leve, não floriu nenhuma metáfora. Tudo o que no mar era eloquência, nele foi mudez. Uma afonia tão enérgica, que, em comparação, até as pedras lhe pareceram tagarelas."


" - Filhinha, não me conte mais nada. Estamos perante um caso muito perigoso. Todos os homens que primeiro tocam com a palavra, depois chegam mais longe com as mãos.
- Que mal têm as palavras! - disse Beatriz agarrando-se à almofada.
(...) - Prefiro mil vezes que um bêbado te apalpe o cu no bar, a que digam que um sorriso teu voa mais alto do que uma borboleta!"

("O Carteiro de Pablo Neruda", de ANTÓNIO SKÁRMETA)

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Adivinha VII

Como há muito não vos massacro com adivinhas, aqui vai mais uma...

Eu morava numa casa
Com raízes e aves belas
Até que homens me cortaram
P’ra de mim fazer janelas

Guardo versos de poetas
E uma história de encantar
Fujo do fogo e da água
Mas gosto de viajar

Quando alguém brinca comigo
Posso ser um avião,
Uma bola ou um chapéu
Ou até um foguetão

Num escritório sou furada
E não me dou com o giz
Com bonecos de mil cores
Fico muito mais feliz

Vou ao vento, embalada,
Sem casa onde morar
Ou podem ter dó de mim
E vida nova me dar


(VERA DE VILHENA, "Quem Sou Eu?")

terça-feira, 26 de maio de 2009

Caracteres e tesouradas

Dois meses depois de ter enviado a sinopse do livro de que mais me orgulho, a editora contacta-me a pedir que envie a obra original. Lá fui eu ao trabalho de corte e costura apressado, com o receio de ter escrito de mais, como é meu hábito. 682.570 caracteres, o que equivale a 361 páginas.
As personagens encolhem-se perante as tesouradas, mostrando-me cara feia. O enredo volumoso cresce como sombra fantasmagórica, pairando sobre o meu corpo, em jeito de ameaça. Encolhendo os ombros, explico-lhe que os leitores têm mais que fazer e lembro-o de que é preciso deitar a palha fora - todo o restolho que não contribua directamente para contar bem a história... tem de ir para a reciclagem.
Ofendido, o grupo de descrições poéticas e filosóficas, diálogos lúdicos, e parágrafos dispensáveis finca os pés em cada folha, recusando-se a abandonar o livro. Suspiro e sorrio, cedendo, por fim: "está bem, está bem, para já, podem ficar: mas só mais um bocadinho!" - como mãe que condescende em adiar a hora de sono dos filhos.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Identidade recuperada

A caminho de Leiria, o clima dentro do carro era tenso. Viagem escusada, episódio provocado pela minha cabeça de vento, de quem pensa de mais em estrelas, nuvens, luas, sóis, anjos e duendes. A falta de jeito para ser crescida. O céu, cinzento, carregado. A luz, mortiça, sonolenta. Era preciso recuperar a identidade esquecida a 200 quilómetros de casa, numa cafetaria. O objecto que todas as mulheres seguram, como um apêndice, sobre o ombro direito. A bendita carteira esperava-me perto de Leiria, depois de duas semanas de aventuras e passeios, nas mãos de estranhos.
Enfim, encontrámos a Sub-delegação da GNR:
- Queira, por favor, conferir o conteúdo: um porta-moedas com vários cartões e documentos, x em dinheiro (tenho vergonha de dizer quanto lá tinha); uma máquina digital, um conjunto de chaves...
Tive sorte, estava tudo lá. Asssinei, saí de carteira ao ombro. A minha carteira, finalmente.
De regresso, à ideia reconfortante de terminar a viagem fastidiosa, as janelas da alma abriram-se um pouco. Cúmplice, o céu imitou-nos e estendeu um mantilha de nuvens como um rebanho tresmalhado, ao sol. Vendo-as tão rasteiras, imaginei que saltava num poderoso trampolim, para arrancar pedaços de nuvens com a mão. Registei a imagem no meu bloco de notas mental. O cinza tornou-se verde e revelou uma paleta de cores inesperada. O transtorno da viagem desfizera-se, como aquele espesso manto de nuvens de chumbo.
O condutor decidiu-se a fazer um desvio pela costa, fugindo à monotonia do alcatrão. Espreitámos as ondas douradas do entardecer e chegámos a casa, com alívio. Lar doce lar. E a certeza de ter recuperado a minha identidade: agora sim, aos olhos do mundo, existo outra vez.

domingo, 24 de maio de 2009

Geração do Teclado

O pintor descrevia-nos o quadro, o seu nacimento, e os acasos que o haviam conduzido àquela opção de cores e formas:
- Tinha este fundo castanho e lembrei-me de fazer isto. Assim que o fiz, não gostei do resultado e pensei: "bolas, estava tão bem assim, para que é que fui estragar?" Por isso comecei a fazer estas formas e olha, deu nisto..."
Frente à grande tela, com um ar impávido, a filha do pintor perguntou:
- Porque é que não fizeste "Control Z?"

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Ansiedades


Cansaço. Cansaço de andar sem norte. Acho que perdi a bússola assim que nasci.
Porque é que tudo tem que ser uma luta? Porque é que viver tem de ser tão difícil? Porque é que, para se ter algum conforto e dinheiro, é preciso inventar maneiras de roubar ou deixar de ter tempo para fazer o que gostamos e de estar com aqueles que amamos? Porque é que o que vale a pena tem de ter um preço tão alto?
Há dias assim. Isto passa. Tudo passa.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Declaração Electrónica. Grrrrr...!

Uma das coisas que mais me irrita é preencher a declaração electrónica de IRS. Nunca consigo submeter o Mod.3 e os anexos B e H à primeira. NUNCA. Acabo sempre por entregar os malditos modelos à última hora, em estado de desespero de quem, finalmente, sobreviveu a mais um ano fiscal, sem uma crise nervosa e sem ter assassinado ninguém. É que vontade não falta.
Como trabalhadora liberal a recibos verdes, sou obrigada a preencher os cinquenta mil quadros com os números de contribuinte das várias entidades com quem trabalhei no ano em questão, as respectivas retenções, as despesas, os "sim" e os "não" às mil perguntas que me fazem e, no fim, há sempre não-sei-quantos erros que me escaparam. Ingenuamente, vou gravando, como é indicado; só que, quando pretendo aceder ao que já fiz, está ilegível, cheio de quadradinhos em qualquer programa que escolha! Haverá algo de mais irritante?
Esta tarde, quando finalmente consegui que a declaração não contivesse nenhum erro, tentei "submeter", aliviada e feliz, e eis que surge a mensagem: "tempo expirado. Faça login novamente".
É de deixar uma pessoa maluca.
Como é que querem que seja criativa? É isto que tenho para regurgitar hoje. Perdoem-me.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Saudosa infância!


O IMI para pagar, a água, a prestação da casa, o Seguro de Vida, o selo do carro... o 1º sargento da Brigada de Trânsito da Mealhada, que já me ligou duas vezes para combinar a entrega da carteira que deixei esquecida há dias numa cafetaria da Figueira da Foz... os senhores da TVcabo que me entraram pela casa adentro e me fazem perguntas complicadas quanto à 2ª box, se eu quero isto ou aquilo, se a tomada é assim ou assado, eu sei lá!

Que saudades da doce infância, em que ia na velha carrinha vermelha, com pais e irmãos, fazer piqueniques ao pinhal... nesses dias, tomavam conta de mim, perguntavam-me se eu queria mais batatas fritas ou mais laranjada e eu, de boca cheia, pedia mais de tudo, porque a despensa lá de casa, como por magia, estava sempre recheada.
(FOTO: eu, em 1972)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Enfim, a foto

Ontem, após um almoço agradável em família, estendi-me na rede, para um merecido descanso ao fim de tarde. O Nanã apanhou-me e eis que aparece a foto que faltava no blog: uma imagem que mostrasse a tranquilidade qur domina os meus dias, neste recanto que escolhemos para fugir ao ritmo acelerado das cidades. Alguns invejam-nos; outros, consideram-nos loucos. Ainda não me arrependi.
As vacas, que pastam placidamente, são as únicas vizinhas que temos a leste do paraíso.

sábado, 16 de maio de 2009

Ken Robinson e a Criatividade

Uma conferência brilhante e bem humorada sobre a criatividade inerente nas crianças e os erros cometidos nas escolas. Uma crítica inteligente, a não perder. Vem em duas partes. Obrigada, Melucha.
Parte I
http://www.youtube.com/watch?v=yFi1mKnvs2w
Parte 2

sexta-feira, 15 de maio de 2009

"Nunca mais é férias!"

Hoje penso ter dado a última oficina de Escrita Criativa deste ano lectivo. Não sou professora e apenas me encontro com alunos para umas poucas sessões, em que o tempo parece correr mais depressa, com a ajuda de jogos e da fuga à rotina das aulas. Na verdade, comparativamente ao trabalho muitas vezes ingrato de um professor, encontro-me numa situação privilegiada. Costumo dizer-lhes: não me tratem por "stora", mas sim por Vera, não estou aqui para ensinar gramática, dar notas ou corrigir erros de ortografia, mas sim para que aprendam algo de novo, enquanto se divertem!

Num dos jogos que faço, intitulado "Vamos desabafar", incito-os para que escrevam uma ou duas quadras sinceras, começando por "Eu detesto...", "Estou farto...", "Quem me dera..." e a verdade é que estão todos fartos da escola: as mochilas pesam mais, a cadeira tenta expulsá-los do assento, o sol, prestes a anunciar o Verão, chama-os com malícia, e o canto das aves parece ser uma espécie de cúmplice, nesse jogo. Os lápis estão pequeninos, de tanto serem afiados, e já que estamos quase no final do ano, não vale a pena comprar outros; as canetas, obrigadas a escrever mais uma redacção, já não têm nada para dizer, nas mãos dos seus donos; a campainha da escola, de tanto tocar, soa dissonante, rouca, irritante aos ouvidos dos alunos; como soldados, eles saltam de cadeira em cadeira, enquanto os professores, numa corrida contra o tempo, tentam cumprir o programa nos poucos dias que lhes restam.

Depois do aquecimento e de puxar o lustro às primeiras palavras, volto a desafiá-los para que escrevam um pequeno poema, sem medo: e o curioso é que, de entre todos os temas que sugiro, o cenário eleito é, sem dúvida, a praia: conchas, sol, mar, verão, maré, ondas, gaivotas, voar, areia, gelado, rouxinol, férias, bicicleta, bola, peixes, algas... e os verbos a servir os sonhos: brincar, nadar, sonhar, parar, jogar, saltar, viajar...

Deixo-vos com dois poemas de alunos do 6º ano, que espero não levem a mal o meu atrevimento.


"É bom quando estou a ver o mar
Faz-me sentir tranquila e relaxar
Estar de férias, tempo para brincar
É uma altura em que me faz relembrar

Quem me dera poder voar
Sentir que estou no ar
Lá irei cantar
Até não aguentar

Eu gosto dos meus amigos
Com eles não corro perigos.
Amigos verdadeiros
São os mais porreiros”
(Débora Gomes)




“Natureza:

As flores são bonitas,
São alegres e coloridas
Mas chega a poluição
E apanha-as desprevenidas

O vento desconhecido
Vagueia pelo mar
Dos mais escondidos recantos
Até um simples glaciar

A chuva cai
E o chão fica molhado
A vida cresce
Cresce por todo lado

O sol brilha no ar
Sempre quente
Sempre a rir
Sempre a sonhar”
(Fábio)



AQUI FICA O MEU CARINHO E PERDOEM-ME TER-VOS OBRIGADO A ESCREVER TANTO. AINDA BEM QUE ESCREVERAM!

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Cristo-Rei


Esta manhã li no jornal O Público: faz hoje 50 anos que o Cristo-Rei anda a abraçar Lisboa e o Tejo. Na minha novela "O Pisa-papéis", que publiquei há precisamente três anos, existe um excerto onde este monumento assume um papel de quase protagonista. A foto, que usei como fundo para a capa do livro, foi tirada pelo fotógrafo Nanã Sousa Dias, em Alfama.
"Conduzi, como sonâmbulo, até à Ponte 25 de Abril. Caía agora uma chuva torrencial. Os maxilares doíam-me, mal conseguia ver do olho esquerdo. Saí para Almada, e cheguei onde queria: Pragal. Praga.

Outro sinal?...

Estacionei junto ao enorme e feio pedestal em betão, de pilares ocos encimados por um representante barbudo que, de braços abertos, parecia fazer-me o convite pérfido:“Anda, sobe! Está na hora de fazeres um favor à Humanidade!”
Afastei-me, olhei para cima, entontecido pelo excesso de água e pela iluminação crua, que me feriu os olhos.
Estava fechado. Uma maldita placa não permitia sequer a passagem. Outra fantasia frustrada, não morreria lançado dos braços do Cristo-Rei. Arrastei-me até ao carro. Fechei-me e adormeci, esperando que um grupo de marginais viesse assaltar-me durante a noite, libertando-me dos horrores da guerra que era viver. Sonhei que o Cristo-Rei me abraçava e me erguia no céu, embalando-me na sua túnica e antecipando a minha morte - solto da estrutura cinzenta, levou-me num voo panorâmico sobre a cidade adormecida, com as minúsculas luzes brancas e amarelas, que cintilavam debaixo dos meus pés. No instante em que atravessávamos o rio, pude ver a Sofia e os miúdos, pequeninos, acenando-me do cacilheiro, sorridentes, enquanto rasgavam o meu romance: “Está bem assim, pai? Ainda não está tudo, não vás embora, espera!”
A última imagem que recordei foi um enorme bando de folhas A4, esvoaçavando sobre Lisboa, rodopiando, sem chegar a bater no solo – ficaram ali, numa dança bela e macabra, esbofeteando-me com o ruído ensurdecedor de asas quebradas, por cima, por baixo e em volta de mim, invadindo o horizonte de panfletos fúnebres.
Acordei. O dia tivera o desplante de amanhecer límpido. Fiz um esforço por recordar as emoções que me haviam conduzido até ali, mas não consegui – como o escritor que não agarra a ideia a tempo e a perde, irremediavelmente. Já não sentia vontade de morrer.
O corpo lembrou-me os últimos acontecimentos, talvez tivesse uma ou duas costelas partidas. Olhei-me ao espelho retrovisor – uma bola arroxeada e disforme deu-me os bons-dias. À luz de um sol inesperado, achei-me mais inclinado a tratar das mazelas, do que a terminar com tudo. Desci o vidro. Lisboa estendia-se à minha frente, convidativa, sob um filtro rosado. A chuva retocara as cores da cidade, deixando os contornos mais visíveis, o ar mais lavado As narinas dilataram-se ao toque aprazível do cheiro a terra molhada. Respirei fundo, insensatamente, e contraí-me ao choque das lâminas que me atravessavam. (...)
Saí do carro, a custo. O céu rosa, salpicado de nuvens púrpura, ia azulando, à medida que o sol se impunha. Podia ver os contornos das casas bem desenhados, o Tejo, os primeiros carros do outro lado do rio. Tornei a olhar para o Cristo-Rei: os braços abertos não me pareceram tão convidativos – afastei-me para ver melhor o guardião do Tejo, que parecia agora zombar da minha cobardia e ordenar-me, com autoridade, que voltasse para casa.
Liguei a ignição e obedeci."
(excerto da novela "O Pisa-papéis", págs.115-116, Vera de Vilhena)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Vidro


Recentemente, revelaram-me algo curioso no que respeita ao vidro, que conhecemos tão bem. Ou melhor, julgamos conhecer, de tal forma se tornou banal no nosso dia a dia. Já mal olhamos para ele e muito menos paramos para pensar no que é o vidro.
Pasmem: o vidro é líquido.
Wikipédia: "O vidro é uma substância inorgânica, homogénea e amorfa, obtida através do arrefecimento de uma massa líquida à base de sílica. "
Irão dizer-me: sim, é um líquido, enquanto está a mil e tal graus, depois arrefece, endurece e assume o estado sólido! Certo? Errado. Parece sólido mas, na verdade, vai derretendo num processo muitíssimo lento. Pelo menos, é o que defendem muitos estudiosos. Por essa razão encontramos, por exemplo, copos antigos cuja base do cálice é mais espessa do que os bordos e vemos deformações nos vitrais ou nas rosáceas de uma catedral, num palácio ou noutros monumentos centenários, que nos oferecem imagens distorcidas: nesses casos, o processo de derretimento já começou, pois as partículas vão-se desprendendo e chorando lágrimas de vidro que, atraídas pela gravidade, escorrem em direcção ao centro da Terra.

Se sobreviver aos homens, ao tempo e a tudo o que violenta a sua imensa fragilidade, pode acabar por derreter por completo e, para isso acontecer, precisa de cerca de quatro mil anos! Como dizia o saudoso Pessa: e esta, hein?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Ainda Jacek Yerka





Numa segunda visita ao trabalho deste pintor inspirado,  não resisti a fazer mais uma selecção de quadros, de acordo com a minha sensibilidade e o meu gosto, evidentemente. Ainda assim, fiquei a suspirar por alguns mais... cliquem nas imagens e apreciem os pormenores. As composições e a execução técnica são maravilhosas.


domingo, 10 de maio de 2009

Jacek Yerka


De vez em quando descobrimos arte verdadeiramente original, onde a imaginação impera. Os quadros de Jacek Yerka, por vezes labirínticos como a escrita de Borges, lembram sonhos inquietos e lençam-nos para cenários impossíveis. Quando a paisagem, num dia tristonho como o de hoje, não me empurra lá para fora, fujo para mundos de fantasia como estes, em busca de inspiração para trabalhar, ou de um simples estímulo visual, que me acorde os sentidos e o espírito e me faça esquecer o corpo e os gestos presos pelo frio.

sábado, 9 de maio de 2009

Casos caseiros: Histórias da Nocas


A Nocas é uma das minhas queridas sobrinhas. Ao todo, são onze sobrinhos, pois a família é grande. A Nocas tem dois irmãos bem mais crescidos, que ela adora, evidentemente. Esta é uma das muitas histórias dela, contada pela mãe Sofia:
"No outro dia encontrou um postal dos manos que tinha sido enviado pelos primos "americanos", onde vinha colada uma foto duma bebé (filha da Paula). A Inês (Nocas) esteve algum tempo a observar e a estudar o postal, até que me perguntou:

- Quem é este bebé?
- É uma menina que os manos conhecem - Respondi.
A Inês teve uma atitude muito má, atirou com o postal e amuou. Fui ter com ela e foi muito dificil para que ela me contasse o que tinha, mas lá consegui:
-Os manos têm outra!! E desatou a chorar como se tivesse sido traída. São as saudades..."

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Céus

Quando o céu se enche destas nuvens bizarras que parecem querer regurgitar sobre a terra as barrigas cheias de gelo, mais não é do que um prenúncio de tempestade. Estas mensageiras deslumbram e assustam, com o seu corpo belo e ameaçador. Estranho fenómeno, este, o das nuvens Mammatus. A promessa de uma avalanche celeste ou um mar infernal, reflectido num espelho pérfido e hiperbólico. A Natureza é assim, cheia destes mistérios.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Caros blogueiros, a partir de hoje podem deixar os vossos comentários sem terem de enfrentar a "verificação de palavras" Sei que será um alívio para alguns :-). Mas assinem, por favor!

A pausa


Este é um fim de tarde indecentemente perfeito. O céu, de um azul imaculado, paira sobre a paisagem a transbordar de verde. A vinha multiplicou as suas ramadas, as flores rebentam com botões que se multiplicam a cada semana, deixando-me os vasos de sardinheiras e petúnias recheados de cores berrantes. O ar morno e levemente perfumado obriga-me a ir buscar a rede brasileira e a escutar os pássaros que celebram a primavera. Os cães ladram ao longe, a vizinha, de enxada na mão, revolve a terra, acenando de vez em quando ao marido, que, à distância, desbrava a verdura selvagem com o tractor vermelho. A poente, os últimos raios de sol espreitam por entre as agulhas dos pinheiros e da folhagem dos eucaliptos, penetrando a minha sala com agulhas de ouro, que se estendem pelos móveis e livros, mergulhando os objectos num lago de luz e sombra.
Regresso ao trabalho de revisão de texto e tradução, deixando desconcertados os meus olhos que, frente ao computador, não conseguem entender porque abandono eu a bela paisagem, para os lançar sobre o teclado do computador. Que caprichosos são os meus olhos...

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Pérolas

Ainda sobre a escrita de Carlos Ruiz Zafón, não queria deixar de oferecer-vos uma ou duas pérolas, mais concretamente, da boca de uma das minhas personagens favoritas do romance "A Sombra do Vento":

“ – A gente sempre é muito má!
– Má não, imbecil, o que não é a mesma coisa. O mal pressupõe uma determinação moral, intenção e um certo pensamento. O imbecil ou bruto não pára para pensar nem para raciocinar. Age por instinto, como animal de estábulo, convencido de que está a fazer o bem, de que tem sempre razão, e orgulhoso por andar a lixar, com vossa licença, todo aquele que se lhe afigura diferente dele próprio, seja na crença, na cor, no idioma, na nacionalidade (…) ou nos seus hábitos de lazer. O que é preciso no mundo é mais gente verdadeiramente má e menos casmurros limítrofes.”
(Fermín Romero de Torres para Merceditas, pág. 168)


“ – Olhe, Merceditas, é só porque me consta que a senhora é boa pessoa (se bem que um tanto curta de entendimento e mais ignorante que um lorpa), e neste momento estamos perante uma emergência social no bairro perante a qual é preciso dar prioridade a certos esforços, porque senão eu ia esclarecer-lhe um par de pontos cardeais.”
(idem)