quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Talento desperdiçado


Entristece-me ver talento desperdiçado. Um dos meus irmãos desenha maravilhosamente. Lembro-me do seu trabalho, de há trinta anos, como se fosse hoje. Nos tempos em que eu era uma adolescente e passava horas no quarto dele, a vê-lo trabalhar. Era um hobby, sim, mas de resultados irresistíveis. Foi tudo para o lixo, calculo, ilustrações, cartoons com personagens e falas criados de raiz, reproduções de gravuras complexas, humor, muito humor e imaginação, tipo Quino, e explorando também diversos estilos, com o talento natural de quem dispensa qualquer tipo de escola de Belas-Artes, porque deus lhe deu o condão de saber – não só reproduzir o que os seus olhos viam – mas também o que a mente imaginava.
Um dia deixou de desenhar. Foi-se desligando daquilo, simplesmente. Dedicou-se aos desportos e especializou-se. Para trás ficaram as Rotring, os lápis de carvão, as tintas, os óleos, a terebintina, as aguarelas, os pincéis, os trapos, os blocos de folhas cavalinho.
Gostaria muito de ter, um dia, um livro meu ilustrado por ele. Diz que não, que já não tem tempo nem vontade, que não quer comprometer-se para depois não cumprir. Diz que vai pensar, e tal, ficámos na base do quem-sabe-um-dia?, mas algo me diz que não vai acontecer.
Não sei se não serão apenas desculpas para o medo de ter “perdido a mão”.
Estou certa de que faria com imensa facilidade as ilustrações que imagino para um certo conjunto de contos. Pergunta-me ingenuamente: mas…não há mais ninguém na família que as pudesse fazer? Como se eu precisasse de salvação, como se a editora não tratasse disso, sem lhe passar pela cabeça que era um capricho meu, para que este livro fosse um livro a quatro mãos, feito em família.
E já vos disse? Entristece-me ver talento desperdiçado.
Parece que vai abrir um restaurante daqui a uns dias. Boa sorte mano. Que se desenhe um futuro promissor nos dias que virão. 
Estas duas ilustrações não são dele, mas podiam ser. Dele, nada tenho, infelizmente. E o triste é que nem ele tem.

2 comentários:


  1. Pelo que contas, talento desperdiçado, mesmo!
    O que é que fará com que alguém apague dentro de si uma estrela? Deixe de acreditar nela, assim, e ela se apague, simplesmente.
    Não deixes de acreditar, Vera, pode ser que um destes dias o teu irmão se surpreenda a ele próprio e te surpreenda também. Há quem diga que as estrelas nunca se apagam e brilham sempre quando queremos muito vê-las. :-)

    Um beijinho

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  2. Querida Maria João,
    Quem sabe, não é? Se não terei conseguido hoje plantar uma sementinha...? Espero que sim. Se não por mim, por ele.
    Comer, todos temos de comer, é sempre melhor negócio para ganhar a vida. A arte A arte não paga as contas, só excepcionalmente. Mas ilustrar, desenhar e Criar nos tempos livres..isso é era... e eu que não tenho jeito nenhum!
    Custa-me.

    beijos doces, doce amiga.

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