quarta-feira, 23 de maio de 2012

Erva

Cheguei-me à beira da terra e belisquei-a. Estava ainda aguada do orvalho da noite. Da erva escorreram gotas grávidas de húmus, que deslizaram e se infiltraram, rumo ao coração da terra, em líquido verde-água e transparência fria. A terra era esponja que guarda as lágrimas nocturnas, o pranto dos homens, tantas desilusões lançadas pela vidraça dos seus quartos solitários. É preciso beliscar a terra de vez em quando. Torcer as suas feridas para que seja capaz de absorver mágoas futuras, urdidas em desejos por cumprir. 
Nesse dia perguntei-te por onde andavam os meus sonhos e tu respondeste que há muito os havias enterrado, porque eram já desistentes, empoeirados, de há tanto tempo terem sido entregues ao abandono de quem desiste de sonhar. Na cerimónia fúnebre dos meus projectos soubeste tu plantar uma tímida flor. Veremos se beliscando a terra, apertando a erva, dali nasce a semente como Terra-Mãe, cuja bacia se estende, a deixar sair um filho. Belisquemos a terra, pois, tentemos dela retirar a seiva que nos faz viver. O néctar que nos  pode ser salvação. Mas não te queixes, se a terra dizer que não.

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