Pregnant Woman, 1919, Otto Dix |
Linha a linha, os dedos iam apagando e desbastando, para
tornar mais leve a sentença, mais sensível a frase. No chão da página, uma saca
de palavras inúteis, o peso do excesso que, antes do corte das sílabas, asfixiava
o texto do seu cliente. Pagavam-lhe para que ajudasse a oferecê-lo ao mundo, o
deixasse mais belo, sem rugas nem sombras, sem erro nem contradição, sem
absurdo nem ressonância. Uma espécie de photoshop nas orações, de maquilhagem
vocabular. De lápis na mão, não delapidava, antes cumpria o olhar do jardineiro,
a perspectiva do som macio, para que dos ramos florissem aveludadas folhas. Às
mãos do seu criador, o texto voltava mais hábil e veloz, pousando melhor na
pele maternal.
Por vezes sentia o impulso de reescrever parágrafos
inteiros, mãe de leite a amamentar o filho de outra. Ao apoderar-se da carne de
outrem, enxertando-a com transfusões a partir das suas veias, transformava-se numa
vampira invertida, vertendo o seu próprio sangue, a ferir e a transferir o gene
da sua escrita. Contra si e contrassenso, dando mais, de mais se apossava. Eram
mãos de aluguer a entregar, ao fim da gestação, um filho seu que não era seu.
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