terça-feira, 22 de outubro de 2013

Lealdade

Tenho por velho hábito escrever nos livros novos o meu nome, a data e as circunstâncias em que me vieram parar às mãos. Será da minha parte, talvez, uma tentativa sofrível de criar neles alguma identidade, deixar para o futuro um pequeno registo da vida que começa para cada novo livro. E confesso que, a cada vez que estreio essa folha branca, antes do início do texto propriamente dito, sinto um prazer infantil.
Há dois dias comecei a ler um "novo" livro. Quando o abri e vi a minha assinatura pueril, cuja caligrafia mal reconheço, e a data em que o comprei, mal pude acreditar: 1994! E aqui ando eu a lê-lo, quase vinte anos depois.
Durante todos esss anos, "A Religiosa", de Diderot, tem estado, nobre e pacientemente, à espera de me revelar a sua história. Assistiu a cinco mudanças de casa, às voltas e reviravoltas que a minha vida sofreu, como um amigo silencioso e compreensivo. Agora está, por poucos dias, pousado na minha mesa de cabeceira; e é nas horas de leitura antes de dormir que se abre, enfim, no meu colo, entre as minhas mãos. Em breve irá regressar à estante, entre os "Ensaios" de Montaigne e "A Educação Sentimental" de Flaubert, sem um queixume, porque os livros são assim, leais como cães.

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