O tempo passa e eu não me cumpro. Nem sei se a promessa que fiz é uma mentira, simples teimosia. Um capricho de deuses profanos. Se o escritor deve escrever sem pensar no leitor, que farei eu em absoluta solidão? Ser apenas eu? Eu comigo mesma? É ingrata, a mais absoluta solidão. Era preciso que a nossa companhia fosse grande, profunda. Descerrar o ferrolho de todas as portas, libertando os monstros? E se os monstros não meterem medo? Se os meus monstros forem ridículos? Há tanto tempo andam domesticados, que não é fácil deixá-los ser monstros outra vez. Atrás de portas aguardaram, pacientemente, a chegada da minha maturidade, que nunca chegou a chegar. Sou meia-mulher de meia-idade com meia-vida. Longe de ser completa. Não sei como tornar selvagem e livre o que há muito não sabe o que fazer com a luz. É na escuridão que os monstros refulgem, revelando os olhos maléficos que transformam em incerteza toda a luz solar, a ser negrume onde tudo cabe. E têm sido só meus, estes monstros. Com eles me entendo, sem mais ninguém. Que farei eu com monstros partilhados à luz do dia, sob o sol da tarde? Na minha cama, na minha solidão de meia-mulher me entendo. Como poderei eu ser mulher inteira, montando os meus monstros no carrossel, em plena feira? Dêem-me algodão doce e deixem-me brincar. E quando a lua surgir e todos dormirem, eu e os meus monstros ridículos, no comboio-fantasma, seremos unos, na intimidade da noite que só a nós pertence.
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