Caligrafia de Jane Austen, em carta enviada à irmã, Cassandra, 1796 |
– Ó vô, é
verdade que quando eras novo as pessoas escreviam mesmo?
Sentado na
poltrona, o velho pousou os óculos sobre a mesa de apoio, virou a cabeça e
respondeu:
– O que é
isso de escrever mesmo? Tu já sabes escrever, que eu vi.
– Sim, já
sei, pois, mas só com a ponta destes dois dedos – e dizendo isto espetou os
indicadores sapudos, que ainda tinham covinhas e refegas, como se fosse tirar
macacos mas não tirou – eu digo assim com a mão toda, escrever a sério, num
papel.
O velho fez
por se lembrar onde vira, pela última vez, uma caneta que ainda tinha um resto
de tinta na carga. Já devia ter secado. Afinal, ninguém usava essas coisas, e
há muito que atirara aquele objecto inútil para o fundo de uma das gavetas da
secretária. Enquanto vasculhava, o neto insistiu:
– E é
verdade que na escola vos obrigavam a escrever as letras grandes e pequenas,
com as voltinhas todas, como aquelas fontes do Word 3000, a imitar o antigo?
Divagando devido à idade avançada, o velho não
soube a que fontes se referia ele, se eram de água cristalina ou fontes de
informação e conhecimento. Se era uma fonte de problemas, de chocolate ou de
champanhe. A saliva cresceu-lhe na boca e fez-lhe sede. Talvez ainda restasse
uma cerveja no frigorífico. “Tenho de ir comprar mais”, murmurou o velho.
(excerto de um pequeno conto escrito hoje)
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