quinta-feira, 26 de abril de 2018

Éter

Ao fim de umas semanas de silêncio, aqui regresso. Os dias têm-se feito com os textos dos outros, inúmeras horas no conforto do lar, sim, mas à volta das palavras, sempre as palavras, em papel, em Word ou PDF, para um novo número da revista mensal cuja revisão/copy desk está a meu cargo, um romance entregue na editora que publicou a minha poesia, e na ponta dos dedos dormentes a esperança de que o livro saia neste Verão, que saia, de uma vez, a espera, sempre a espera e uma incerteza que muitos não experimentam nem compreendem, não podem compreender se tudo lhes é tão leve, almoços, jantares, saudades de muitos que não vejo, uma leitura arrastada e penosa da obra mais recente de Paul Auster - culpa minha e dos meus olhos, não do autor -, que não largo por mera teimosia e respeito, mais por cansaço que paixão, está quase está quase a chegar ao fim. Uns cuidados sofríveis com a casa, dispersos como cardos ao vento, o corpo a crescer, a galopar para fora de mim, a tornar-me estranha, a minha pele cada vez mais distante dos ossos, a crueldade de chegar à idade madura, em que o corpo se rebela contra nós, mulheres. A revisão de um futuro livro, ainda texto, belo e triste, que me caiu nas mãos e me deixou os olhos húmidos, e outros, outros prazeres e vícios, outras falhas e deveres, nem que sejam as da consciência e do bom senso. Tanto fica por fazer. A escrita é um casulo tecido em culpa, é preciso refrear o impulso do medo, não desistir, como quem esconde o boião das tentações mais doces. Bem basta todas as vezes em que nos perdemos no caminho mais fácil. Fica-me esta vontade de ser pequenina outra vez, mesmo pequenina - não apenas magra -, uma urgência de nada fazer, ser poeira apenas, sem transportar a carne, o peso, a culpa, tornar-me eternamente etérea, sem peso nem pensamento. Só inocência. A minha entregou-se na aragem tardia e já não tenho asas para a reaver.

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