terça-feira, 12 de julho de 2011

Dreamchasers - Duy Huynh

Para a Meluxa, com o meu coração.

5 comentários:

  1. Olá Vera, Boa Noite!

    Por razões diversas tenho andado fugido dos meus passeios internautas. Hoje, finalmente em Portugal e na calma do meu cantinho nos Salgados, resolvi pôr a minha vida ‘blogueira’ em ordem; e cá estou, após ter lido os seus últimos 20 dias de posts, a comentar um deles, quiçá o mais antigo de nome ‘Dreamchasers’.
    Tomei contacto com Duy Huynh talvez há uns bons três ou quatro anos atrás ao folhear por acaso, uma revista espanhola dedicada ao Surrealismo. Dizia-se lá sobre o Duy pouco mais ou menos isto: ‘… Surrealismo daliniano, combinação de imagens bizarras, oníricas, com excelente qualidade plástica ‘.
    Realmente dá que pensar como é que um vietnamita vindo de uma cultura tão diversa da nossa, consegue contar-nos histórias tão humanas e tão desconcertantes através da sua pintura.
    O facto é que fiquei cliente e, de todos os seus quadros, um há que me tocou e toca profundamente; trata-se de um homem que de costas para nós que caminha ao longo de uma estrada de terra batida. Leva aberto um grande guarda-chuva com os gomos às cores. Encarrapitado no guarda-chuva, também de costas, um rapaz pequeno, toca um violino.
    Ao contemplar o quadro senti um formigueiro esquisito. Há muito, muito tempo que não tinha aquela sensação. A última vez, tinha-me acontecido há quase trinta anos quando por acaso descobri a que viria a ser, uma das grandes paixões da minha vida: a pintura de Edward Hopper. Conto-lhe como foi.

    Uma das batalhas mais sangrentas da 2ª. Guerra Mundial deu-se m Itália e ficou conhecida como a tomada de Montecassino. Em Fevereiro de 1944 os exércitos aliados despejaram perto de 1.400 toneladas de bombas sobre um morro no cimo do qual existia um mosteiro, tentando desalojar as tropas alemãs. Das tropas aliadas fazia parte o X Corpo do Exército Inglês e nele estava incorporado um sargento, alto e entroncado, nascido no Surrey, de nome Roy Thornhill. A 17 de Fevereiro desse ano, Roy Thornhill à frente do seu pelotão seguia a 4ª. Divisão Ghurka e entrava no famoso mosteiro.
    Após a tomada, o X Corpo estacionou em Roma. Roy, pela primeira vez fora da sua Albion, acabou por cair em amores por uma romana de nome Frederica. Desmobilizado no fim da guerra e já em Londres, reencontrou Frederica que para lá tinha ido em busca de melhores princípios de vida. Do romance que durou pouco mais de 10 anos, nasceu um rebento do sexo feminino a quem foi posto o nome de Polly.
    Roy trabalhou em sete ofícios até que resolveu tomar de trespasse a exploração de um hotel em Paddington a quem pôs o pomposo nome de KingsHill Hotel. Ele e a sua Frederica dedicaram-se então de alma e coração à sua gestão, e o facto é que, conquanto hoje Roy esteja reformado e a roçar os 90 e picos anos de idade, continua ainda a ser o dono do KingsHill Hotel.

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  2. No Verão de 1983, terminei um estágio na Paxton Computers em St. Neots, pequena cidade de Cambridgeshire a cerca de 81 Kms de Londres, onde tinha vivido os dez últimos meses. Precisava de um alojamento em Londres para onde iria, e um amigo meu que trabalhava numa estação do Royal Mail, indicou-me um pequeno hotel residencial em Westbourne Terrace que praticava preços muito acessíveis. Deu-me como referência um tal Brigs, amigo de longa data e também ele adepto ferranho do Ipswitch Town.
    Apanhei o comboio que vinha de Hitchin e desembarquei em Londres em Victoria Station já o sol se escondia por detrás dos telhados. Apanhei um táxi para o Nº. 85 de Westbourne Terrace e quando cheguei, pude ler na tabuleta do edifício ‘KingsHill Hotel’. Entrei.
    Era o dia de folga de Brigs. Fui atendido por um homem já próximo dos sessenta e a quem disse ao que vinha e da parte de quem me tinha recomendado. O recepcionista estendendo-me a mão tonitruou: Roy Thornhill at your service Sir. Welcome to our hotel. Foi assim que conheci o velho sargento do British Army que tinha combatido em Montecassino.
    Como estava à espera da minha entrada na Omicron Software Management e tinha os dias todos livres, acabei por ficar com um part-time no hotel a servir os pequenos-almoços entre as 6:30 e as 10:00 da manhã. Foi assim que conheci a Polly. Inglesa morena de cabelo aloirado e olhos de amêndoa denunciando a sua ascendência latina. Polly era uma força viva da natureza. Tudo à sua volta esvoaçava e ninguém era indiferente à sua vivacidade. Embora sendo mulher naqueles idos de 80 do século passado, o facto é que ninguém contestava a sua liderança no põe e tira mesas, no serve arenque e retira prato.
    Não foi difícil estabelecermos amizade. Foi pela sua mão que, às sextas-feiras à noite aprendi o caminho do Hammersmith Ballroom onde aconteciam os mais badalados bailes de Londres. Por lá ficávamos dançando e bebendo Real Ales até que, invariavelmente por volta da meia-noite, a orquestra em grande estilo, encerrava o baile tocando ‘Viva la España’. Voltávamos então para Westbourne Terrace cansados mas felizes e, se a cerveja ainda estava quente, cantávamos com algum vigor a Rule Britannia como se estivéssemos a assistir a um proms no Royal Albert Hall.
    .../...

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  3. Num domingo depois do almoço enquanto chapinhávamos os pés nas fontes de Trafalgar Square, Polly lembrou-se da Tate. Num cartaz no metro, havia visto o anúncio de uma mostra temporária de um pintor americano, comemorativa dos quinze anos da sua morte. Apanhámos o autocarro para Southwark Bridge Road e, meia hora depois, estávamos à porta da Tate Gallery. Na fachada um cartaz gritava: ‘The Edward Hopper’s America’.

    Dois auto-retratos de Hopper, um da sua juventude e outro de 1930 flanqueavam a entrada da mostra. Depois, … bem depois foi um deslumbramento. De quadro em quadro percorremos a América naquilo que ela tem de mais americano: estradas, comboios, portos, quartos principalmente de hotéis, bombas de gasolina, cafés, carris de ferro, cidades febris de uma animação que nada tem a ver com a sonolência das ruas e esquinas vazias que reflectiam. E mulheres, mulheres vulgares que Hopper ao representar foi fazendo envelhecer consigo, e todas elas a exprimirem sentimento e profundidade de alma.
    E tudo aquilo era novo para nós, e por isso deixámos escorrer o tempo por entre as mãos num embevecimento total. Na última, sala três quadros (nunca mais esqueci os nomes): Nighthawks, Summertime e Tables for Ladies.
    Foi um arrepio. Sentámo-nos num banco corrido e ficámos a contemplar aquelas três maravilhas absolutamente absorvidos pela luz difusa que elas emanavam. Os olhos dos personagens de Hopper impressionavam pelo seu vazio estranho e sensação de morte que transmitiam, mas em simultâneo tão vivos e tão presentes.
    E nós ali como espectadores, a tentar prolongar virtualmente o espaço daquelas imagens até ao nosso próprio espaço, transformando-nos como que em elementos deles próprios, e eles, ao mesmo tempo a excluírem-nos, como que obrigando-nos a ficar de fora. Hopper tinha conseguido fazer do nosso olhar de espectadores, o tema das suas tintas. Era a nossa imaginação a pintar desvairadamente sobre aquele traço difuso de cores empasteladas mas de fronteiras tão definidas.
    Não sei quanto tempo passou, mas de repente a mulher de Summertime começou a caminhar na nossa direcção e eu senti uma voz saída não sei de onde, a dizer: - I’m so sorry my dears, but it’s time to close. A tarde tinha-se esvaído num sopro.

    Saímos da Tate calados, inundados por todas aquelas imagens. Polly por fim quebrou o silêncio: Temos de voltar, tem que ser! E voltámos várias vezes até conhecer-mos cor por cor traço por traço, todos os quadros da exposição.

    No Natal desse ano recebi da Polly um postal de Boas Festas. Na parte da frente do postal, uma pintura com a seguinte legenda: ‘Summer interior’ Edward Hopper, 1909 - Oil on canvas.

    Pouco tempo depois, Polly trocou Inglaterra pela Nova Zelândia. Por lá casou e hoje, do alto dos seus quase sessenta anos, vive com o marido em Timaru City, uma pequena localidade a cerca de 140Km de Christchurch. Ela e o marido têm uma empresa de pesca desportiva em Hanmer Springs. Falamos pouco é verdade, mas conto este ano receber pelo Natal o meu 28º. quadro de Edward Hopper num postal de Boas Festas. Há paixões que perduram por toda uma vida.

    E pronto Vera, desculpe este longuíssimo comentário, mas sabe que o meu poder de síntese não é famoso. Por outro lado, os seus posts continuam a ser oportunidades únicas para que possa relembrar coisas passadas. E sinto-me vivo ao fazê-lo!

    Um abraço,
    Mário de Sousa, nos Salgados em 3 de Agosto de 2011

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  4. Deixe lá, Mário, eu também passei a vir aqui apenas quando tenho algo que realmente desejo partilhar. Agora ignoro o passar arrogante das folhas do calendário e espero que os leitores blogueiros me perdoem e compreendam.
    Muito obrigada por mais uma interessante e belíssima história. É para mim uma honra servir de pretexto para que se relembre de coisas passadas e que tão bem sabe partilhar connosco. Eu vou coleccionando as suas histórias aqui e fico sempre mais rica depois de o ler.

    Um grande abraço,

    Vera

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    No Verão de 1983, terminei um estágio na Paxton Computers em St. Neots, pequena cidade de Cambridgeshire a cerca de 81 Kms de Londres, onde tinha vivido os dez últimos meses. Precisava de um alojamento em Londres para onde iria, e um amigo meu que trabalhava numa estação do Royal Mail, indicou-me um pequeno hotel residencial em Westbourne Terrace que praticava preços muito acessíveis. Deu-me como referência um tal Brigs, amigo de longa data e também ele adepto ferranho do Ipswitch Town.
    Apanhei o comboio que vinha de Hitchin e desembarquei em Londres em Victoria Station já o sol se escondia por detrás dos telhados. Apanhei um táxi para o Nº. 85 de Westbourne Terrace e quando cheguei, pude ler na tabuleta do edifício ‘KingsHill Hotel’. Entrei.
    Era o dia de folga de Brigs. Fui atendido por um homem já próximo dos sessenta e a quem disse ao que vinha e da parte de quem me tinha recomendado. O recepcionista estendendo-me a mão tonitruou: Roy Thornhill at your service Sir. Welcome to our hotel. Foi assim que conheci o velho sargento do British Army que tinha combatido em Montecassino.
    Como estava à espera da minha entrada na Omicron Software Management e tinha os dias todos livres, acabei por ficar com um part-time no hotel a servir os pequenos-almoços entre as 6:30 e as 10:00 da manhã. Foi assim que conheci a Polly. Inglesa morena de cabelo aloirado e olhos de amêndoa denunciando a sua ascendência latina. Polly era uma força viva da natureza. Tudo à sua volta esvoaçava e ninguém era indiferente à sua vivacidade. Embora sendo mulher naqueles idos de 80 do século passado, o facto é que ninguém contestava a sua liderança no põe e tira mesas, no serve arenque e retira prato.
    Não foi difícil estabelecermos amizade. Foi pela sua mão que, às sextas-feiras à noite aprendi o caminho do Hammersmith Ballroom onde aconteciam os mais badalados bailes de Londres. Por lá ficávamos dançando e bebendo Real Ales até que, invariavelmente por volta da meia-noite, a orquestra em grande estilo, encerrava o baile tocando ‘Viva la España’. Voltávamos então para Westbourne Terrace cansados mas felizes e, se a cerveja ainda estava quente, cantávamos com algum vigor a Rule Britannia como se estivéssemos a assistir a um proms no Royal Albert Hall.
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