segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Jorge, Amado

10 Agosto 1912 - 6 Agosto 2001
Carta a Jorge Amado 

Amado Jorge,

Nasci tirada a ferros do ventre da minha mãe, no dia em que morreste. Não no mesmo ano, entenda-se, mas no dia. 6 de Agosto. E como no dia em que celebramos o aniversário nos sentimos um pouco crianças, e uma vez que temos os dois o dia de hoje em comum, venho recordar os tempos que vivemos juntos.
A casa de férias de Sesimbra, onde passei os fins de semana e os verões entre 1973 e 1988 (quase toda a  infância e toda a adolescência), tinha (e ainda tem, graças a Deus), as paredes forradas de livros. Tenho a bênção de contar com uma mãe bastante liberal que me foi passando livros e orientando as leituras. Foi assim que li "Capitães da Areia", "Jubiabá", "Mar Morto", "Os Velhos Marinheiros" e até o ousado "Dona Flor e Seus Dois Maridos". 
Enquanto a minha irmã preferia subir às árvores e levantar pedregulhos para encontrar bichos de muitas patas, gritando quando um deles saía do buraco - incomodado e cheio de espanto por se ver assim, de casa escarafunchada -, eu ficava a ler dentro de casa ou no terraço, atrás das lentes grossas dos óculos que usei durante tantos anos, viajando com os muleques pelas ruas da Baía, partilhando o suor dos homens nos campos de cacau, navegando os mares do sul. Passava as tardes a ler no cadeirão de xadrez do meu pai, sob o enorme abat-jour, ou na cadeira de palha à sombra do alpendre de cana. Lia de pernas penduradas junto à proa do pequeno veleiro, rumo ao mar alto, com o meu pai ao leme e o seu eterno cachimbo na boca, como verdadeiro marinheiro que realmente foi; lia durante as manhãs, no café da aldeia, acompanhada pelo meu pai, um bolo e um garoto muito doce, com dois pacotes de açúcar; lia na cama até o sono vencer, de cabeça inundada por personagens cujas vidas tinha já alguma dificuldade em distinguir da minha pacata existência. Foram muitos, os autores, inúmeros os livros. Você, querido Amado (passo a redundância) foi um deles. Obrigada, Jorge, pelo riso, as aventuras, as viagens e sensações. Agosto, que nos deu nascimento aos dois, levou-te no dia em que eu completei 32 anos. Já passaram alguns mais, hoje sou uma mulher de meia-idade;, que há muito deixou de poder dar-se ao luxo de se diluir em manhãs, tardes e noites de leitura, mas a paixão resiste e os livros vão-se mastigando mais devagar. E sempre que me lembro de ti sou criança outra vez, porque era uma criança quando te descobri.
Dedico este post à minha mãe, que há 43 "aninhos" me pôs no mundo, apesar de eu hesitar em fazer parte dele, toda embaraçada no nosso cordão umbilical.

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