segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Patrícia Reis



Não tem paciência para essas «merdas» da supermulher multidisciplinar.  Usa Nuno Júdice para demonstrar que homens e mulheres podem ser pais, escritores, diretores de revistas e giros (acrescentamos nós). Acha as estrelinhas da crítica injustas e que um primeiro livro pode ser maravilhoso como um filho, ainda que nasça frágil e com cara de joelho. Se quiserem boas ideias, falem com Patrícia Reis. Os orçamentos, ao contrário dos almoços, são grátis.

As críticas que possam ser feitas aos seus livros ainda a preocupam? Qual o papel que acha que a crítica literária ocupa nos dias de hoje?
As críticas nunca me preocuparam. Não é para levar palmadinhas nas costas dos críticos que escrevo. Escrevo por necessidade. Se a crítica gostar, melhor. O papel do crítico é, nos dias que correm, uma orientação para algum público face ao excesso de oferta. No entanto, saliento que o facto de um livro ser lido apenas por um crítico num determinado órgão de comunicação social, atribuindo estrelas de qualidade, é um processo que considero injusto e altamente subjetivo. O livro pode cair nas mãos de um crítico que, de forma óbvia, nunca encontrará qualquer prazer no texto proposto. Injusto? Acontece.

Egoísta é uma espécie de epifenómeno do panorama editorial português, pela qualidade da forma e do conteúdo. Qual o segredo para, ao fim de todo este tempo, continuar com o dinamismo que vemos?
O segredo é, como todos, segredo, logo ficará comigo. O que posso dizer é que, felizmente, temos um proprietário, a Estoril Sol, que nos acolhe com entusiasmo e participa nesta aventura, ao mesmo tempo que promove três prémios literários por ano: Fernando Namora, Agustina Bessa-Luís, Grande Prémio das Correntes d’Escritas. Se considerarmos este aspeto de apoio à cultura e ao incentivo à Literatura especialmente, é fácil de perceber que é um privilégio. Nada seria possível, ao fim de 11 anos de edições, sem a excelente equipa do atelier 004, que, desde o início, assegura as questões editoriais, escolha de artistas, de autores, design e paginação.

Qual a estratégia para ser empresária, mãe, escritora, editora de uma revista, blogger, entre outros?
A estratégia está em saber desligar quando é preciso, ter uma organização muito pragmática, não entrar em pânico e levar o cão à rua. Vocês também perguntarão aos escritores homens como é que se organizam a partir das «potenciais desventuras ou pesos» da paternidade? Nesse caso: uso a mesma estratégia que Nuno Júdice, por exemplo, usa para ser professor universitário, pai, avô, escritor, diretor de uma revista e ensaísta.

Se um dia criar uma editora, que tipo de livros vai querer publicar?
Se um dia criar uma editora será a maior surpresa de todas, por isso vamos deixar isso para tempos de vacas mais gordas, pode ser?

Quais as maiores dificuldades que um autor sente para publicar um primeiro livro?
Um principiante precisa de ter uma história, de a escrever de forma eficaz, de conseguir chegar a uma editora e de cativar um editor que se disponha a investir num desconhecido. Um autor é um investimento a longo prazo. Um primeiro livro é sempre uma espécie de filho que nasce antes do tempo, com algumas maleitas, com algumas fragilidades, mas pode ser maravilhoso como é próprio dos filhos.

O que podemos encontrar em Por Este Mundo Acima que ainda não vimos nos outros?
Deixei a pele neste livro. Foram quase quatro anos a escrever e a reescrever. Cortei muitas páginas, sempre a pensar na ideia do «osso do texto» de que falava o José Cardoso Pires. Não foi um processo fácil. O que se encontra neste livro é, porventura, uma evolução, outra maturidade. No entanto, tenho de reconhecer que todos os livros que escrevo são sobre o Bem e o Mal e sobre pessoas. O resto não me interessa.

A música parece muito presente no seu quotidiano. Qual a importância dela no seu processo criativo?
Não vivo sem música. Faço tudo ao som de qualquer coisa e não tenho preconceitos: gosto de fado, de rock, de lounge, de pop, de música clássica, de ópera... Para escrever há um disco que é quase uma fatalidade: A melody at night with you de Keith Jarrett.

Alguém se faz escritor num curso de escrita criativa?
Ninguém. O que as pessoas podem assimilar numa oficina de escrita é a capacidade maior ou menor para contar histórias, para usar a linguagem de forma diferenciada. Ao mesmo tempo, uma oficina de escrita pode ser uma excelente forma de partilhar textos, e a mais-valia está nessa partilha. Um escritor não se fabrica. Não se junta água e agita e PUM: eis um escritor. Da mesma forma que não há grandes romancistas com 20 anos. A maioria dos romancistas de que gosto têm todos mais de 50 anos ou andam por aí. É preciso ter uma vida para se ser escritor. Ao mesmo tempo, tenho quase a certeza de que não podemos decidir ser escritores: ou somos ou não somos, mesmo que não cheguemos a publicar no mercado tradicional.

Como é que um escritor vive o papel de jurado num prémio literário como o das Correntes D’Escritas?
Com angústia, com dificuldade e, ao fim de tantos anos, com algum à-vontade. É sempre difícil decidir, geralmente o número de candidatos é grande, e, felizmente, temos literatura e poesia muito boa. A escolha é o mais complexo, mas acabamos sempre por chegar a um entendimento que parte das premissas do regulamento do prémio.

Que palavra já não consegue ouvir?
Crise.

Qual o seu maior ódio de estimação?
Não tenho ódios, tenho mais que fazer do que perder o meu tempo com merdas. Aliás, acho que vamos todos morrer, não é? Não sabendo quando, optei por gastar as minhas energias apenas nas pessoas e nas coisas de que gosto. Egoísta? Como queiram. Depois dos 40 anos já não preciso da aprovação de ninguém, e odiar deve ser uma trabalheira enorme.

Se pudesse fazer uma pergunta ao secretário de Estado da Cultura, qual seria?
Felizmente posso fazer as perguntas que entender. Tenho uma boa relação com o Francisco José Viegas há muito tempo e quando penso nele, confesso, nem me lembro que «está» SEC.

O novo Acordo Ortográfico é um erro? Porquê?
Não é um bom acordo, gastou-se uma fortuna, as ideias iniciais não podem ser cumpridas. Uniformizar não faz qualquer sentido. Por outro lado, a ideia de que os manuais escolares farão com que as novas gerações partilhem de um património comum tem graça, mas um menino brasileiro nunca utilizará o idioma, do ponto de vista gramatical, da mesma forma que um angolano, moçambicano ou português. É bom saber que o português possui geografias distintas e é, por isso, mais rico.

Dê-nos uma boa ideia para o setor editorial português.
Então? Eu tenho uma empresa no mercado, se tiver uma ou mais ideias vou vendê-las, não acham? Faz parte do meu valor de mercado☺.

Que pergunta não fizemos e deveríamos ter feito?
Porque é que um texto deve ser lido em voz alta? A resposta é simples: ajuda a editar e a apurar as arestas do texto. 

©Daniel Mordzinski

Patrícia Reis nasceu em 1970. Começou a sua carreira jornalística em 1988 no semanário O Independente, passou pela revista Sábado e realizou um estágio na revista norte-americana Time, em Nova Iorque. De volta a Portugal, foi convidada para o semanário Expresso, fez a produção do programa de televisão Sexualidades, trabalhou na revista Marie Claire, na Elle e nos projetos especiais do diário Público. Escreveu para a Expo ‘98 o livro sobre a exposição de Paris 1989, um livro sobre o Pavilhão de Portugal e um sobre os espaços públicos do recinto da mesma exposição. Escreveu a curta biografia de Vasco Santana e o romance fotográfico Beija-me (2006), em coautoria com João Vilhena, a novela Cruz das Almas (2004) e os romances Amor em Segunda Mão (2006), Morder-te o Coração(2007), que integrou a lista de 50 livros finalistas do prémio Portugal Telecom de Literatura, No Silêncio de Deus (2008) e Antes de Ser Feliz (2009). O último romance de Patrícia Reis foi publicado em abril de 2011 pela Dom Quixote e intitula-se Por Este Mundo acima.

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