quinta-feira, 25 de outubro de 2012

À mesa


O futuro, à mesa

Quero a minha casa 
Cheia de escritores, filósofos, pintores
Artistas, poetas, escultores
Gente louca que perfume o ar
Com o incenso insensato do seu riso
Com o espírito indomável do pensamento invulgar

Quero a minha mesa enfeitada com arte
Gente que chega e que parte, a toalha manchada
Das nódoas de vinho de Beaudelaires e Kafkas
De Pessoas e Rodins que me animem as manhãs
Todos os heterónimos das letras contemporâneas
Bocas cheias de musas, parras, cachos de uva
Espremendo o pensamento que jamais se clarifica
Antes se atropela e despedaça
Se incompleta e eterniza
Aguçando a ponta dos galhardetes
Hidratos na curva macia de um prato de massa

Quero o peito trespassado de abraços
A inteligência risonha de gente insana
Que não esqueço, que agarro e adormeço
Quando o dia rompe como um laço
De mortos sempre vivos em livros e telas e bustos
Em fotografias
A travessa transbordando, matando a fome à sede
Alimentando com loucura as ideias, puras
Iguarias.

Quero as janelas abertas ao sentir
De todos os grandes artesãos
Fazendo da casa a oficina dos seus poemas
Da paisagem os ouvidos, confessionários das mais artísticas mãos
Gargantas desesperadas de amores, paixões e outras dores
Que ao arvoredo incendiado
Deito em chamas nas manhãs de verão

Quero o prazer das estações reunido à minha mesa
Os tesouros de todas as idades
Os diálogos impossíveis de Alice
As narrativas barrocas dos inventores
Que da minha vida se faça arte, um embrião de personagens
E que a aragem das noites impeça
Que me lance na solidão das minhas memorias
Para que também eu, mesmo que pequena,
Tenha história.
(VERA DE VILHENA, inédito, Outubro 2012)

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