"— Trouxeste o que eu te pedi?
— Sim, toma.
Lúcia entregou à irmã, grávida do
segundo filho, o grosso volume de histórias encadernadas em pele, que a avó
dera a Francisca no Natal, havia vinte anos. Para espanto de Lúcia, que julgava
dever-se o pedido de devolução ao facto de a irmã ter uma filha na escola e ir
a caminho do segundo filho, Francisca abriu o livro quase a meio, arrancou a
sua história preferida: «Um Olhinho, Dois Olhinhos, Três Olhinhos», e pousou as
folhas sobre o peito da avó morta, antes de fecharem o caixão. Lúcia olhou para
o pai: nunca o tinha visto chorar, a não ser quando morrera o cão. A jovem mulher
lembrava-se do suor escorrendo pela testa do pai, enquanto este abria a cova
sob os pinheiros bravos, as costas da mão a passar nos olhos (suor ou
lágrimas?), o saco preto do lixo, a mancha de sangue na estrada.
— Teve uma vida feliz, não foi,
pai?
E ela, que pensava com
essas palavras dar conforto ao seu herói, que parecia, estranhamente, conter o
choro, fez com que o pai expelisse, de uma vez, todo o ar dos pulmões, para se
entregar a um choro desalmado, com direito a gemidos quase infantis, a cabeça
baixa, o corpo curvado, ambas as mãos sobre a enxada apoiada na terra. Lúcia
espantou-se. Afinal, os pais também choravam, não eram só as mães."(excerto de um futuro livro em que estou a trabalhar)
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