quinta-feira, 20 de março de 2014

Porque posso

18.25
Enfiada na cama neste fim de tarde tristonho. Só porque posso. A primavera chegou há pouco, a brindar-me com uma dor de cabeça fiel, que não me larga desde manhã. Não se deixou intimidar - muito menos expulsar - com o aspegic 1000 nem com o nimesulide.
Trabalhar no computador ou navegar na internet? Missão Impossível.
Por isso aqui estou.
Deitei-me com o novo JL que me chegou ontem. Um dos prazeres singelos que tenho na vida, rasgar o plástico do Jornal de Letras que o carteiro me traz, 4ª feira sim 4ª feira não. E já que a dor de cabeça se acentua se eu insistir em escrever ao computador (isto que lêem é em diferido, naturalmente), peguei na leal folha de papel e na velha caneta BIC Cristal ("de escrita normal", só os mais crescidinhos irão entender isto) e pronto, problema resolvido. Não é maravilhoso? A mim ocorrreu-me esta solução simples, arcaica; não estou certa de que irá ocorrer às gerações futuras. Aliás, imagino um futuro onde os copistas se tornam novamente numa preciosidade, a escrita arcaica como "profissão de futuro": as populações nascendo sem o gene da caligrafia, incapazes de escrever senão em teclados que imprimam os símbolos por elas; a mão falhando o amparo da caneta que se queda, desajeitada, desamparada, sobre a folha. "Escritores de letras", anciãos-artistas, artesãos das letras, celebrando, com arte, os velhos rabiscos de antigamente. Cartas manuscritas e listas de supermercado guardadas em museus, como relíquias, lendas e fábulas começando assim: "No tempo em que os homens escreviam...".
E acho que nisto a dor de cabeça se foi.
Bem dizem que a escrita pode ser uma terapia. Mas também pode ter sido pelo alívio que me trouxe o telefonema que acabei de receber de uma escritora amiga. Vá-se lá desvendar os caprichos do nosso corpo.

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