Tentei cumprir o ritual de Dia 1 de Abril que era correr os jornais à procura da dita mentira. Pormenor: pelo menos nos jornais portugueses, tirando o abençoado JL e a sua declaração que a Porto e a Leya tinham decidido impor um limite de páginas aos autores (até que não era mal pensado), e a Activa (que obviamente não vos vou dizer qual é) não encontrei nada.
Nos últimos anos tem sido assim. Adeus tradição. Houve anos em que fui tão feliz. Ainda por cima eu sou a pessoa ideal para petas: acredito em tudo. Já acreditei nas coisas mais estranhas do Dia 1. Que o Festival da Canção ia ser transmitido sem som. Que os autocarros iam passar a ter 3 andares. Que Portugal tinha vendido Cristiano Ronaldo à Espanha. Que uma árvore suíça dava esparguete. Que o Burger King ia passar a fabricar um hambúrguer para canhotos. Que um atleta japonês confundiu uma maratona de 42 quilómetros com 42 dias e nunca mais ninguém o viu.
Fartei-me de rir e não veio mal ao mundo por causa disso. A mentira jornalística servia para isso mesmo (além de nos fazer rir): para, por contraste, lembrar que o resto era verdade. Para lembrar o absurdo do mundo. Para nos alertar para a nossa própria credibilidade enquanto leitores.
O facto de a mentira jornalística do 1 de Abril quase ter desaparecido levou-me a conversar com outros jornalistas aqui do quartel.
De facto, disseram-me eles, a mentira do 1 de Abril deixou de fazer sentido. O mundo deixou de ser inocente. As pessoas já não acham graça a serem ‘enganadas’. Perdemos a capacidade de rir de nós próprios. Ficámos sérios, hirtos e burros.
E depois, o próprio mundo se tornou tão absurdo que desafia qualquer mentiroso.
Qual é a graça de inventar uma mentira, dizia-me um deles, se todas as notícias são mais incríveis do que tudo o que eu poderia inventar? As pensões vão sofrer ainda mais cortes? A Gwyneth vai-se separar? A extrema direita subiu astronomicamente em França? O governo francês demitiu-se? Caiu o maior avião do mundo e até agora ninguém o viu? Um jornalista escreveu Dark Vador em vez de Darth Vader? E Vanessa Paradise em vez de Paradis? Tudo o que eu possa inventar hoje fica aquém da realidade...
Ponto 3, hoje em dia, acreditamos em tudo. Precisamente por isso. A realidade é tão extraordinária que acreditamos em tudo.
E ponto 4, a verdade é que jornalistas e leitores perderam a imaginação, a criatividade e o tempo para pensar. Passam-nos pelas mãos milhares de informações todos os dias. Já não há espaço para a imaginação. Falamos das crianças, mas também nós estamos reféns de tecnologias, ipads e nets e sites que não nos tornam mais criativos, apenas nos entopem de informação inútil e mal digerida, que lemos na diagonal e engolimos sem tirar caroço nem pensar se será verdade.
Aliás, a mentira era extremamente educativa: no dia 1 de Abril por uma vez, eramos leitores atentos e desconfiados. Punhamos tudo em causa...
Conclusão: apesar de tudo, continuo a achar que é preguiça.
Eu, pelo menos, ainda tenho saudades de uma boa peta. Com ou sem inocência perdida.
Contem-me lá uma. Eu prometo que acredito.
(in "Fonsecaville blog" - ACTIVA.sapo.pt)
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