quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Sangue e poesia I

(Iª de 2 partes)
O meu marido foi à janela. O carteiro trazia qualquer coisa, uma encomenda que precisava de assinatura.
- Estás à espera de alguma coisa?
- Não - Disse eu estremunhada - Ah, sim, devem ser os livros da Poética. 
Ele desceu. Eu fiquei na cama, entregue à preguiça, até porque tinha ficado a ler até ao fim "A vida em surdina", do David Lodge, com insónia, até quase às 6h da manhã.
Os cães não paravam de ladrar. Normal, tratando-se do carteiro, um ódio de estimação, especialmente do serra da estrela cá de casa, o Gastão. Pouco tempo depois o marido subiu ao quarto.
- Vais ter de te levantar. O Gastão mordeu o carteiro na mão. Vou ter de ir com ele ao hospital.
Assim começou o nosso dia.
Já com um lenço agarrado à mão, o jovem carteiro caminhava para um lado e para o outro, visivelmente nervoso, com a adrenalina em alta, amparando a mão, que pingava.
Sugeri que entrasse, enquanto o meu marido se preparava para sair; ofereci-lhe um chá, água oxigenada. A tudo ele disse que não, que não era preciso. E sempre a sorrir. Até teve humor suficiente para pedir desculpa, por estar a sujar o chão da entrada.
Eu consternada. Aflita com a situação. Às tantas era ele, mais calmo, que me tentava acalmar a mim: 
- A culpa foi minha, sabe? Ele está a fazer o papel dele, eu é que invadi o território dele. Ainda por cima tinha o dono ao pé, estava a protegê-lo, é normal, dona Vera. Eu gosto muito de cães, sabe?
A mão pingava.

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