sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

No outro lado do espelho

 Sentou-se no café com o seu tablet. Um novo brinquedo muito sério. Concluiu, com satisfação, que, com aquele presente, comprar um computador portátil deixara de ser uma necessidade. Até a pequena máquina digital perdera o sentido: talvez mesmo um descartar extensível aos seus cadernos, aquele íntimo caos composto por papéis infindos, que se iam dispersando, desistentes, em gavetas atulhadas de tarecos, caixas de cartão empoeiradas, bolsos e malas velhas, versos, pequenos textos, ideias, esboços que, em muitos casos, acabavam por nunca cumprir o seu  destino.
Ela sorriu, vendo o seu universo de gestos enriquecido com novos confortos concentrados num só objecto. A tecnologia foi para ela, por instantes, um amigo - feito de plástico, borracha, compostos electrónicos e outros mistérios e saberes que ela jamais dominaria - ainda assim, um parceiro de confidências que desejou abraçar, como quem abraça um amigo.
E escrevendo isto descobriu também que, uma vez domesticado o bicho nas suas manhas, poderia, ali mesmo, no café da aldeia (que até tinha internet), publicar o texto no seu blogue.
Sentiu-se uma Alice no outro Lado do espelho, num mundo absurdo que teria de compreender; tão depressa amigável como rival ou ameaça: para que serviria aquele botão? E se fosse por ali, aonde iria dar? Um mundo estranho a explorar, com os seus dedos juvenis, saltitando sobre o teclado.

Sem comentários:

Enviar um comentário