sábado, 18 de abril de 2015

Abril na Lx Factory


Para fazer tempo (como se fosse possível), na loja em frente à entrada, namoro vestidos e túnicas que não posso comprar. Um chá earl grey ao fim da tarde, na Landeau, com a Rosarinho, amiga que há cerca de 25 anos tem uma fatia do meu coração. Não houve direito a bolo de chocolate. Uma espreitadela à escrita de Rui Miguel Fragas, que me disse muito, com o seu "O nome das árvores". Os pequenos livros da Poética empilhados sobre a mesa. O tablet, as fotografias da praxe, para pôr no facebook. Sou agora mais uma, sucumbi às selfies. Faz-me sentir que pertenço ao mundo dos vivos. Chegaram a Maria João e a Virgínia, editora da Poética e aniversariante. Mais selfies. A angústia de não ter preparado nada, como se fosse preciso. Ler Devagar. Chegam a Raquel e o Ricardo. Sou apresentada a José Pinho, o "pai" desta livraria de culto, a paixão pelos livros, por receber bem as pessoas nesta casa que se recusa a fechar as portas.
Sol posto, instala-se o frio. Sabe bem ir por dentro, até ao outro extremo, onde se encontra o restaurante malaio. Somos sete à mesa. Alguém nos apresenta o João Pestana, este, não o outro, que está bem longe de chegar. Ocupamos a mesa reservada para um grupo de teatro que só chegará depois do início da nossa tertúlia. Perfeito. Os seis pratos que partilhamos, acompanhados por vinho branco e tinto, são generosos em cores e sabores. Camarão, carne de porco e muitos vegetais e especiarias do Oriente. Chega o José Luís Outono. Falamos de viagens, de música, de comida, claro, ou não fôssemos portugueses. Partilhamos sobremesas, bebemos café, cantamos os parabéns à Virgínia em cante alentejano, com a melodia da "Internacional" e do "Grândola vila morena". Risos.
Subimos ao primeiro andar, onde alguns participantes já aguardam. A Virgínia faz as devidas apresentações, com a simpatia e o tom informal que lhe são próprios e, à pergunta da Raquel, feita em tom de brincadeira - onde estava no 25 de Abril? -, instala-se o mote: as idades variam, há diferentes gerações e distintas são as memórias. A tertúlia ganha um carácter de quase terapia de grupo: celebrando, exorcizando, em confissões, memórias, desabafos, alertas, o que foram aqueles dias de 1974, o que significou a revolução, o antes e o depois, a ditadura, a censura, o espanto, a liberdade, sempre a liberdade como pano de fundo deste encontro salpicado de versos de poetas presentes uns, ausentes outros. Leitura de versos e prosas em papel, em iphones e tablets, na coabitação promíscua em que as palavras se vão arrumando nos tempos modernos, versos que se resgatam em gadgets cujas baterias estão prestes a terminar. Mas sempre chegam, as palavras que falam de liberdade.
Obrigada, Virgínia, por este encontro. Gostei de poder abraçar, enfim, uma amiga até hoje virtual: a poetisa Graça Pires; de conhecer um pouco ao recheio dos livros da Poética e dos seus autores, tais como Eufrázio Filipe, Gisela Ramos Rosa, Lídia Borges, Maria Isabel Fidalgo, Manuel Veiga, Rui Miguel Fragas e, claro, Rosário Ferreira Alves, cuja escrita conheço desde os versos que ela já escrevia, quando andávamos juntas na faculdade.
Descemos à livraria. Por fim o espumante oferecido pelo José Pinho, uma saúde à Virgínia, uma espreitadela aos desenhos maravilhosos do João Pestana, no seu Moleskine, mais fotografias que saíram desfocadas e dois dedos de conversa com a Raquel, que há tanto eu queria conhecer melhor.
Alcântara, sexta-feira à noite: uma operação stop com direito a balão, sem consequências, felizmente. A celebração que nos corre nas veias não pode ser detida nem censurada. Continuamos com as nossas palavras e com a liberdade do movimento sobre rodas. Foi este o nosso Abril. Livre, apesar de tudo.
Raquel Serejo Martins lendo excertos do seu romance "Pretérito Perfeito"
Virgínia do Carmo, editora da Poética
 

1 comentário:

  1. Gostei da tua crónica dos acontecimentos que partilhámos (em liberdade). Também gostei de te abraçar.
    Um beijo.

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