domingo, 3 de maio de 2015

A minha mãe



"Estás cada vez mais parecida com a tua mãe", é o que oiço frequentemente. Para mim é um elogio, uma vez que a minha mãe sempre foi um exemplo de elegância e de charme. Os álbuns da casa-mãe estão cheios de fotografias da senhora que foi a modelo preferida do meu pai, num tempo sem photoshop, em que a máquina captava a verdade que os olhos viam. À minha mãe agradeço ter-me deixado ler todos os livros que eu escolhia das estantes, da casa de Lisboa e, sobretudo, da de Sesimbra, cuja biblioteca é maravilhosa. Muitos livros em francês, infelizmente, de contrário a minha primeira formação literária teria sido ainda mais rica. Também lhe devo, e ao meu pai, a formação musical: para sempre me ficou a influência do jazz e da bossa-nova, a recordação de muitos invernos na salinha da casa de Sesimbra, a ouvir Frank Sinatra, Paul Simon, Chico Buarque, Paul Williams, Carmina Burana, de Carl Orff... e os filmes, claro, boas "fitas", como ela dizia, acrescentando, quando eu torcia o nariz: "tem de ver, Vera". E eu via. E ainda bem: musicais, filmes italianos, franceses, ingleses, americanos. E as séries boas da época, que me deixava ver, mesmo que acabassem um bocadinho para o tarde...
A casa estava sempre cheia de gente, pudera, só filhos, éramos cinco e depois vieram os namorados, que engordavam ainda mais o grupo à mesa. Em Lisboa e, especialmente, em Sesimbra, a mãe cozinhava para todos, experimentando pratos com sabores do mundo, comida chinesa, tipo, galinha com amêndoas, algas e soja (acompanhado com chá de jasmim em chávenas autênticas, de porcelana "casca de ovo"), carne à bolonhesa (receita maravilhosa, que tantas vezes faço e o meu filho adora), souflé de peixe servido em conchas de vieira...tinha assim uma paciência incrível para fazer pratos criativos. E não falhavam as velas altas na mesa, acesas à hora do jantar, apagadas com uma campânula de prata, de haste comprida, rituais que se perderam, como compôr álbuns de fotografias em folhas enormes de cartolina, com legendas escritas a branco. Ainda hoje telefono à minha mãe para tirar uma dúvida qualquer de culinária (é um privilégio de que não abdico, enquanto puder). A ela devo tantas dicas de beleza, de bom-senso, o saber estar, o ter savoir-faire, e fazer a coisa certa, aquela que nos dita a consciência (ainda que por vezes fosse um pouco sob o lema "façam o que eu digo, não façam o que eu faço). Nunca foi mãe-galinha, mas sabe ser mãe leoa quando é preciso, apesar dos seus quase 81 anos. Parabéns, mãe! Que se mantenha assim, bonita, lúcida e com saúde, enquanto desejar.
Lisboa, 1970: a elegância em pessoa. 5 filhos postos no mundo. Eu tinha poucos meses.

Natal 1971, na casa da Marquês de Tomar. as estantes sempre recheadas de livros.
Lisboa, 1970. 4 filhos à mesa (eu não consto, ainda mal me sentava, quanto mais à mesa grande). Lá estão os castiçais com as velas, vêem? Sempre acesas ao jantar.
A minha mãe, 1977

Anos 70, com a mana Sofia, na tal salinha na casa de Sesimbra, em cuja lareira se assaram muitas castanhas.

Em Sesimbra, 1976, eu na muda do dente, com 7 anos, a minha mãe pouco mais nova do que eu sou agora
                                    
Não podia falhar uma fotografia à mesa na casa de Sesimbra, neste post de recordações. Isto era um dia normal :-)
1969, com os cinco filhos, eu ao colo.

Outono 2011, os cinco filhos juntos (coisa muito rara)

4 comentários:

  1. Hoje
    a minha mãe com 90 anos

    não admite ser discriminada

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    1. Não entendo o sentido deste seu comentário. Talvez possa explicar-se melhor...?

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  2. Lindíssima a tua mãe. Adoro fotografias antigas. Gostei muito daquilo que escreveste. Sais à tua mãe...
    Um beijo, Vera,

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    1. Muito obrigada, Graça, tanto mais haveria a dizer, mas o que veio à superfície foi isto. Um grande beijinho.

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