terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Adeus, John Barry

O compositor John Barry, conhecido pela banda sonora de todos os filmes do Agente 007, deixou-nos. Autor da música de "Midnight Cowboy", ou de "Danças com Lobos", foi, a meu ver, no filme "Out of Africa" ("África Minha") que se mostrou mais inspirado. A sua música diz tudo.

3 comentários:

  1. Sem dúvida que existem filmes que nos causam arrepios, e pelas melhores razões. O John Barry reuniu talvez os maiores filmes ícones de várias gerações. Conseguiu a proeza maior de ser transversal a várias delas e morrer actual.

    De repente, a evocação do 007 fez desfilar pela minha mente recordações antigas de um tio, cunhado da minha mãe, amante incondicional das coisas boas da vida e do 007 também. ‘The Bond way of life’ era sem dúvida uma bandeira para ele. Morreu muito novo, sem dúvida por ter vivido a vida de um modo mais intenso do que devia. Assoprou tanto na brasinha que todo o calor se dissipou num riscar de fósforo.
    Vivia com a minha tia e as minhas primas em casa da minha avó, e foi lá que conheci a maior biblioteca de livros policiais e espionagem da minha vida. Foi com ele que aprendi a gostar de Dick Haskins, Ellery Queen, Edgar Wallace, Jack Hunter e a incontornável Agatha Christie. A minha avó arreliava-se com ele porque ‘aquilo não eram livros para uma criança’, mas eu era o filho que ele não tinha.
    Estava-se no final da década de sessenta do século passado e o cinema S. Jorge e o Eden faziam as delícias dos amantes das ‘girls Bond’ e o meu tio Júlio não falhava uma soirée seguida de umas imperiais na Solmar ou na Trindade. Depois, ao outro dia ao almoço, contava-me aquelas aventuras rocambolescas e mostrava-me os livros do Ian Fleming; e eu ficava deliciado, em êxtase, a olhar para aquelas raparigas, invariavelmente de vestido comprido, saltos altos e uma perna elegante a deixar-se adivinhar por uma saia meio aberta ou meio fechada. Ele, o James Bond, impassível empunhava uma pistola de cano comprido.
    Que raiva que eu sentia por não ter 16 anos para poder ir ao cinema com ele. Então, prometia-me que assim eu tivesse idade, me levaria e me explicaria detalhes que agora ainda não tinha idade para compreender.
    Não teve tempo para cumprir a sua promessa. Morreu bem, se assim se pode dizer; um ataque cardíaco fulminante no emprego. Naquele tempo, ainda não havia 112, nem desfribiladores, nem paramédicos de luvas brancas e coletes fluorescentes. Morreu sozinho, no chão do escritório onde o estenderam e lhe desapertaram o nó da gravata.
    Quando me disseram, chorei de tristeza e o James Bond perdeu para todo o sempre, o encanto que para mim tinha. Descobri da pior maneira, que o meu herói não era ele mas sim o meu tio Júlio.

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  2. A minha geração viu nascer o western em ‘technicolor’ e consequentemente, o mundo dividia-se em bons e maus, ou seja em cowboys e índios.
    Ora durante muitos anos, isto foi uma verdade inabalável até que por alturas dos finais dos anos sessenta apareceram dois filmes polémicos para a época: ‘Jerónimo’ e ‘Soldier Blue’.
    O primeiro, era a história nua e crua do grande chefe Apache que só a muito custo foi vencido, e o outro uma história de amor improvável; uma mulher branca obviamente jovem, loura e bonita era a única sobrevivente de um massacre de uma caravana de colonos brancos que pereceram às mãos dos Sioux. Adoptada por eles, acaba por se ver convertida à sua vida nómada e com o tempo, transforma-se incondicionalmente num ‘índio’. É então que assiste a todo um drama de genocídio perpetrado por um colonialismo impiedoso. Para atrapalhar ainda mais a questão, um soldado da cavalaria americana apaixona-se por ela e converte-se também à causa índia. O ‘Soldier Blue’!
    Ela, era a Candice Bergen, muito novinha, mais tarde imortalizada no papel da jornalista Murphy Brown e ele já não me lembro de quem era. Aliás, o meu coração teenager da altura nunca fixaria uma coisa dessas. Vi esse filme mais de uma dezena de vezes e jurei a mim mesmo nunca mais voltar a ser cowboy, nem mesmo para ensaiar um episódio da Bonanza.
    Ora, muitos anos depois e muitos livros lidos sobre o assunto, vi ‘Danças com Lobos’ e percebi como um problema que parecia enterrado, podia reaparecer ainda mais polémico do que nunca. Claro que, com uma idade diferente, a beleza de ‘Danças com Lobos’ era simplesmente sublime, quiçá mais intensa, mas a magia do ‘Soldier Blue’ ainda se mantinha e a música do John Barry transportava-me para o Cine Teatro Lido na Amadora e fazia-me sentir na minha mão, bem apertada e transpirada, a mão da minha namorada, que tremia ao som dos tiros e dos gritos de aflição das mulheres índias e dos papooses.

    No verão de 2009 tive a oportunidade de visitar a Casa Museu de Karen Blixen em Rungstedlund na Dinamarca. Vivi por essa altura, talvez os momentos mais emocionantes da minha vida.
    É muito difícil de explicar o que é África, o que e o que se sente quando se lá está, mas principalmente o que se sente quando A deixamos. É uma sensação de saudade, de perda, de orfandade. É uma sensação sufocante que nos tira as forças, mas que nos faz perceber o quanto é doloroso estar-se ‘ Out of Africa’!
    Não conheço os planaltos do Kenya mas tenho presentes as xanas de Angola, os planaltos da Namíbia, as planícies de Coldra, as florestas de Casamansa, os mangais das Guinés. A magia que exerce sobre nós é qualquer coisa de inexplicável, tão inexplicável como os acordes de ‘Out of Africa’. Nunca um trailer foi tão devastador para a minha sensibilidade como o deste filme.
    África não se explica, vive-se; não se entende, aceita-se; não se apreende, entranha-se; e tal como uma moléstia ‘boa’, toma conta de nós para nunca mais nos largar. É uma ‘doença’ crónica, inexplicável, arrepiante; é uma droga dura que nos consome por apropriação.
    África, é também uma paixão, um céu, um mapa de estrelas, um sol, um pôr-do-sol, ou um renascer; África só pode ser sem dúvida, o berço da humanidade. Só isso pode explicar o seu mistério.
    É muito difícil entender as palavras ‘I had a farm in Africa…’. É iniciático… Só quem lá esteve, só quem lá vive ou viveu, só quem se rendeu aos seus desígnios consegue entender todo o misticismo se não a tragédia, destas palavras. É passado e o passado em África dói…
    Vera, grato por lembrar John Barry.
    John obrigado por tudo o que fizestes.

    Mário de Sousa
    Nota final: Já estou em Portugal. Volto para África a 27 deste mês. Temos de nos encontrar todos antes disso. Quando?

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  3. Mário! As suas cartas são um bálsamo. Só hoje vi este comentário por moderar. Espero que fosse recente, que não tenha ficado dias a ganhar pó.
    Claro, vamos encontrar-nos, tenho de me pôr em campo, a ver quem consigo reunir.

    Um grande abraço,

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