SAUDADE
Caminhava com a fotografia na mão. Os passos a hesitar, inclinando à
esquerda e à direita, ziguezagueando como um cão mal treinado, conduzido pela
trela. Andava à caça daquela miúda, a que ficara colada à imagem encarniçada
pela luz e pelo tempo. As árvores do fundo já não se encontravam ali. No seu
lugar havia um prédio cinzento, sem graça, atravessado por cabos telefónicos de
cobre, a aguçar os apetites larápios dos croatas. Uma fatalidade, aquilo dos
prédios em vez de figueiras e arbustos. Porque as pessoas insistiam em reproduzir-se
e eram obrigadas a arrumar-se assim, umas por cima das outras. O espaço
encolhia todos os dias. E o carro azul escuro, a fugir pelo canto direito, há
muito que fora sepultado na prensa do ferro-velho, levando com ele as embalagens
esquecidas de cromos, no banco de trás, os papéis peganhentos das bolinhas de
neve e aquele berlinde que ela e a irmã haviam atirado para o interior da
grelha de metal, que acompanhava o comprimento do banco traseiro. M. tinha
saudades desse ruído, o berlinde a rolar para um lado e para o outro, cada vez
que o pai fazia uma curva apertada. O riso cúmplice das duas, o olhar de
censura da mãe, como quem diz, Bela ideia, a vossa. E sim, fora uma ideia de
louvar, absolutamente. No silêncio de todas as curvas que vieram depois, havia
uma ausência que dava sentido à saudade.
Roubei a imagem AQUI
A saudade é mesmo esta sensação que nos acompanha em cada curva. O eco dos momentos em que tudo nos era tanto.
ResponderEliminarGostei muito de passar por aqui, Vera.
Bem hajas.
Beijinhos
Obrigada, querida Virgínia e devo dizer que gostei imenso de estar convosco ontem. Ficou a vontade de mais. Entretanto, vamo-nos espreitando, entre-linhas :) beijo!
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