sexta-feira, 27 de abril de 2012

SAUDADE


Caminhava com a fotografia na mão. Os passos a hesitar, inclinando à esquerda e à direita, ziguezagueando como um cão mal treinado, conduzido pela trela. Andava à caça daquela miúda, a que ficara colada à imagem encarniçada pela luz e pelo tempo. As árvores do fundo já não se encontravam ali. No seu lugar havia um prédio cinzento, sem graça, atravessado por cabos telefónicos de cobre, a aguçar os apetites larápios dos croatas. Uma fatalidade, aquilo dos prédios em vez de figueiras e arbustos. Porque as pessoas insistiam em reproduzir-se e eram obrigadas a arrumar-se assim, umas por cima das outras. O espaço encolhia todos os dias. E o carro azul escuro, a fugir pelo canto direito, há muito que fora sepultado na prensa do ferro-velho, levando com ele as embalagens esquecidas de cromos, no banco de trás, os papéis peganhentos das bolinhas de neve e aquele berlinde que ela e a irmã haviam atirado para o interior da grelha de metal, que acompanhava o comprimento do banco traseiro. M. tinha saudades desse ruído, o berlinde a rolar para um lado e para o outro, cada vez que o pai fazia uma curva apertada. O riso cúmplice das duas, o olhar de censura da mãe, como quem diz, Bela ideia, a vossa. E sim, fora uma ideia de louvar, absolutamente. No silêncio de todas as curvas que vieram depois, havia uma ausência que dava sentido à saudade.


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2 comentários:

  1. A saudade é mesmo esta sensação que nos acompanha em cada curva. O eco dos momentos em que tudo nos era tanto.

    Gostei muito de passar por aqui, Vera.
    Bem hajas.

    Beijinhos

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    Respostas
    1. Obrigada, querida Virgínia e devo dizer que gostei imenso de estar convosco ontem. Ficou a vontade de mais. Entretanto, vamo-nos espreitando, entre-linhas :) beijo!

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