quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Patrícia Reis



A Egoísta, que editou durante 13 anos, foi suspensa ou acabou?
O mandato desta administração da Estoril-Sol, que é a proprietária da revista, terminou. Foi-me dito em Novembro para suspender todos os pedidos de colaboração para a edição de Março, que seria a primeira deste ano. O que a próxima administração vai decidir não sei.
Qual é o balanço?
A queixa é muito ‘tuga’, mas eu não gosto nada. Não penso ‘ai Jesus que terminou a Egoísta!’. Penso que fizemos 50 edições com coisas maravilhosas e foi uma experiência magnífica para todas as pessoas que tiveram o privilégio de participar. A Egoísta foi a revista mais premiada da Europa, esteve no Louvre, foi premiada em tudo o que é sítio. E demos trabalho a fotógrafos e a autores, alguns consagrados, outros que vieram a sê-lo. Fizemos uma publicação completamente distinta e fizemos escola. Quando propus uma revista temática diziam que era maluca.
Tem algum projecto para substituir o espaço que a Egoísta preenchia?
Tenho que ter porque tenho uma empresa no mercado, o ateliê 004. Se não estiver a funcionar não vivo. A ideia de que a Egoísta era a base de sustento é errada. Nós fazíamos e fazemos, felizmente, muito mais coisas. Sites, exposições, stands, eventos, imagens corporativas. É um ateliê de design, de ideias e de conteúdos. Adoro trabalhar e sempre fiz coisas muito variadas. Continuo a editar a Portfolio, que é a revista da Fundação Eugénio de Almeida, onde faço a cada ano uma grande entrevista. Fazer entrevistas é das coisas de que tenho mais saudades no jornalismo. Há vida para além da Egoísta.
Mas foi o grande projecto da sua vida?
Não. O grande projecto da minha vida são os meus filhos. Não é uma revista, caramba!
Como é que vocês conseguiam coisas como retratos do Lucien Freud?
Comprando. Tínhamos um orçamento editorial que era gerido à pinça e que foi sendo esmagado a cada ano. Muitas vezes fizeram-se omeletas com a película que separa o ovo da casca. Mas fizeram-se.
A revista custava 17,5 euros, mas é impossível que isso pagasse o custo real. Era um projecto de luxo?
Foi pensada para ser uma revista de culto. Não é uma publicação de índole comercial. É um veículo de comunicação e marketing de um grande grupo empresarial cujo core business é o jogo. A Lei do Jogo estipula que qualquer casino é obrigado a aplicar parte das suas receitas em actividades culturais. Entre outras coisas, a Estoril-Sol optou por ter uma publicação que reflectisse os valores do grupo e que fizesse algum serviço público.
Como é que asseguravam a qualidade gráfica e de impressão, que são imagens de marca da revista?
Trabalhando com os melhores designers do mundo e com a melhor gráfica do mundo, a Norprint, em Santo Tirso. Por cada ideia estapafúrdia que eu tivesse eles diziam sempre: ‘Se tem que ser feito vamos fazer’. Estou-lhes extremamente agradecida. Fizemos uma revista em que a capa só se via depois de ir ao microondas! Tiveram que fazer pesquisa com tintas. E muitas vezes perdemos todos dinheiro com isto.
Ainda tem carteira de jornalista. Gostava de voltar aos jornais?
A maneira como vejo o mundo é de jornalista. Faço parte da geração d’ O Independente e isso fica connosco. Mas passaram-se 26 anos desde que comecei. O jornalismo hoje é outra coisa.
Está diferente em que sentido?
Os jornais agora são geridos com uma folha de Excel, tudo tem que ser rentável. Quando entrei para O Independente fiz a tarimba toda e estive dois anos até assinar um texto. Agora, um miúdo entra num jornal, assina na primeira semana, mas está numa redacção onde os jornalistas mais velhos foram despedidos por serem caros. E as redacções ficaram sem memória. E há também a ideia de que os leitores não gostam de textos longos. Não gostam se forem maus!
A redacção de O Independente, onde começou, também era muito jovem...
Sim, com excepção da Helena Sanches Osório, mas tínhamos um objectivo e um líder, o Paulo Portas, o melhor director de jornal que tive. Ele tinha um plano.
Qual era o plano?
Derrubar o Cavaco e ganhar ao Expresso. Queríamos mudar o mundo e o jornalismo. Éramos a ‘presstroika’.
Como é que entrou?
Vi um anúncio, fiz provas e fui a uma entrevista com o Miguel Esteves Cardoso. A Inês Pedrosa assistiu e eu só respondia: ‘Já sei’. Estava nervosíssima. Quando o Miguel disse: ‘Esta não porque é muito já sei’, a Inês respondeu-lhe: ‘Esta sim por isso, não esteve aqui a lamber-te as botas’.
Qual foi o trabalho em jornais mais importante que fez?
Foi a última coisa que fiz para O Independente, em que estive presa na cadeia de Tires durante 20 dias, sem que ninguém lá dentro soubesse que eu era jornalista. Viver num pavilhão de uma prisão com 121 mulheres, sete chuveiros, sete buracos, que não havia sanitas, é uma experiência que muda a vida. Em vez de veres o copo meio cheio ou meio vazio, dás graças por teres um copo.
Patrícia Reis
Editora
Começou n’ O Independente com 16 anos e passou pela redacção do Expresso, da Marie Claire e da Elle. Participou na preparação da Expo-98 e foi produtora do programa Sexualidades, de Júlio Machado Vaz. Criou o conceito da revista Egoísta e vendeu-o à Estoril-Sol. Dirige um ateliê. Tem 42 anos, é escritora e jornalista ‘para sempre’.

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