sexta-feira, 11 de abril de 2014

Verbo

E pronto, ontem lá chegou mais um filho de folhas. Desta vez pela Verbo/Babel. Como escreveu a minha querida editora Maria José Pereira, "o seu menino chegou. Consta que cheira imenso a papel impresso, pesa cerca de 150 gramas e tem uma corzita um tanto ou quanto pálida. Vamos lá ver se não temos de o levar à praia, a estender ao sol!"
Quando cheguei à Babel, tinha uma pequena caixa de cartão à minha espera, com os quinze exemplares a que o autor tem direito. Ao pegar ao colo no meu novo filho achei-o pequenino. Pudera! O primogénito, de fantasia, tem 508 páginas, é um matulão. Mas este também está lindo. As ilustrações a carvão, da Vanessa Bettencourt, são um verdadeiro mimo. 
O contrato ficou entregue. Catoze páginas com cláusulas e muitas assinaturas. 
Fomos ficando à mesa do escritório onde trabalhava a Mónica e ela já não conseguiu trabalhar mais. Trouxeram-me um cafezinho e ficámos à conversa comendo pasteis de nata O Sebastião Sena juntou-se a nós; falámos de futebol sem percebermos raspas de futebol, de livros, do facebook, de filhos, de vidas, de transformações, do futuro. Até que chegou a senhora da limpeza. Saímos todos juntos, incluindo a senhora da limpeza e, em final de conversa, fiquei a saber que o meu filho estará nas livrarias daqui a uma semana. Espanto. Uma semana, já??? E que estava tudo tratado para uma ida ao Colégio Valsassina. "Tudo tratado", uma expressão que nunca oiço e que me sabe tão bem.
O jantar fez-se no Golfinho Azul, em S. Lourenço, para matar saudades da Mena e daquela casa que há muito é, para ambos, muito mais do que um restaurante. A Duilsa e a Mena jantaram connosco. A Duilsa chama "avó" à Mena, tem 9 anos e desenhou números e letras na toalha de papel, com um traço que promete, transformando o nosso jantar de sopa de peixe e caril de gambas numa minúscula sala de aula, em que todos participámos, atrapalhados com os novos métodos, tão diferentes dos tempos em que também fomos crianças.
- O que é o jantar, vó?
- Raspas de alguidar.
Não foi fácil explicar à Duilsa o que eram raspas, o que era um alguidar, e por que razão essa expressão tinha graça. A nossa inaptidão acabou por nos fazer rir e a Duilsa só punha as mãos na cabeça, revirando os olhos, como quem diz, Aiaiai, o que é que eu faço com esta gente. Depois concentrou-se na primeira palavra da capa do livro e seguiu com o indicador cor de chocolate:
- Veer - bó. Ver-bo. Ó vó, o que é esta palavra, verbo?
- Perguntas aqui à Vera, que ela é que sabe bem português e explica-te.
E eu, feita parva:
- É uma acção.
- O que é uma acção?
-Uma coisa que fazemos: brincar, escrever, falar, comer...
- Comer bife com batatas!
(era uma indirecta para a avó)
(risos)
- Sim, mas só a palavra "comer" é um verbo.
- Ai, não percebo nada!
Então eu concluí que não era fácil explicar à Duilsa o que era um verbo.
E apontando para a capa do livro novamente, ela perguntou:
- E o que é "Coi....san...dês"?
E então rimos com mais vontade, porque para quem pouco sabia de português ainda, explicar-lhe uma não-palavra era, no mínimo, impossível.
Quando a Ana, filha da Mena, pegou nela ao colo, sobre os ombros largos, a magricela da Duilsa exclamou, contente:
- Sou um saco de arroz!
Só mesmo as Duilsas deste mundo para se lembrarem de dizer, Sou um saco de arroz.
A Mena não nos deixou pagar o jantar. E foi a pessoa a quem ofereci o primeiro livro, a quem escrevi a primeira dedicatória deste pequenino Coisandês. Não poderia ter ficado em melhores mãos.

2 comentários:

  1. Muito sucesso para o novo livro.
    Beijo e boa Páscoa.

    ResponderEliminar
  2. Muito obrigada, querida Graça. Uma Páscoa feliz para si também e para os seus. Beijo

    ResponderEliminar