segunda-feira, 9 de março de 2015

Os velhos dicionários

Em arrumações no escritório, em fase de mudanças de fundo no pequeno espaço onde finjo trabalhar, dou, mais uma vez, com os velhos dicionários da Porto Editora: Português-Inglês, Inglês-Português, Português-Francês, Francês-Português, Dicionário de Sinónimos, Dicionários de Verbos, Latim... abro um, ao acaso, na primeira página, e encontro a assinatura do meu pai e uma data: 1972. Sorrio, ao lembrar-me de que o meu pai, tal como eu, tem o hábito de escrever o nome e a data nos livros, incluindo os dicionários. O sentimento de posse, do género perdoável.
Os dicionários, gordos, poeirentos, velhos, inúteis, olham-me com aflição, como quem implora, por favor, não te desfaças de nós só porque nos tornámos obsoletos; imagina que a electricidade pode faltar, tudo falhar, a internet, a bateria do computador, o próprio computador, o tablet... que farás tu, quando a tecnologia te faltar? Nós aqui estamos, com a fidelidade de sempre, velhos mas sábios. Sábios, porque velhos. E em nós encontrarás, sempre, a palavra latina para "absurdamente", a inglesa para "perdição" ou sinónimos de "abandono". Recusam reformar-se, sem saberem que há muito se tornaram desnecessários. Fingindo acreditar nos seus argumentos, retiro-lhes a humilhação do pó, suspiro pelo espaço roubado, sem sentido, e torno a arrumá-los nas prateleiras atulhadas de coisas inúteis e preciosas.

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