sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Trabalho e uma cabana

Temos demasiadas distracções, no momento em que nos sentamos para trabalhar. Escritores como o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw, com a sua minúscula cabana (era mais um barracão) de base rotativa, à caça da luz natural, ou Henry David Thoreau, no seu longo e espartano retiro, a fim de se isolar da civilização, é que sabiam: quando é para trabalhar, nada como reduzir ao mínimo as ferramentas, de modo a que o autor seja ele e o seu pensamento, rodeado de solidão e silêncio. Apenas os sons bem-vindos da natureza.

George Bernard Shaw na sua cabana, instalada na sua casa em Hertfordshire,
com plataforma rotativa. Aqui trabalhou nos últimos 20 anos da sua vida.

Garagem convertida de Dylan Thomas, País de Gales.

Retiro de Virginia Woolf, instalado
no jardim da sua casa, no East Sussex.
Também Mark Twin se isolava, mas com maior luxo. Numa carta a um amigo seu, William Dean Howells, datada de 1874, o autor de Huckleberry Finn descreveu a sua "cabana" deste modo: é o mais charmoso estúdio que se possa imaginar. octagonal, com telhado em bico, cada uma das faces cobertas por uma janela generosa ... instalado em completo isolamento no topo de uma elevação, que preside a léguas de vale e cidade e serras ao fundo, com distantes morros azuis (...) É um ninho acolhedor e tem espaço suficiente para um sofá, mesa e três ou quatro cadeiras. E quando as tempestades varrem o vale remoto e os raios piscam entre as colinas e além, e a chuva atinge o tecto sobre a minha cabeça? Imagine a sua sumptuosidade.
Retiro de Mark Twain
Com ou sem barracão, cabana ou chalet, importa cortar com os fios que nos prendem ao mundo, para que possamos reencontrar uma qualquer verdade em nós, buscar um pensamento puro. Quem poderá descobrir o rumo de uma história, cumprir a angústia de uma personagem ou seguir os labirintos de uma ideia, se tão facilmente permitimos que os dedos saltem para o mural do facebook, o dicionário de sinónimos online, a caixa de correio eletrónico ou os ruídos da casa, com vizinhos, familiares, telefones, cães, noticiários, anúncios, campainhas...? Cada vez nos é mais difícil estar por inteiro, como se a mente fragmentada fosse agora peça de cristal em pedaços, jamais tornando a ser una. Quantas cicatrizes e remendos haverá, na transparência do que vamos construindo?

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