sábado, 27 de fevereiro de 2010

Fúria

A minha janela é um rectângulo de folhagem inquieta. As serpentinas da tempestade anseiam por nela encontrar uma fenda e levar-me, em voo, com esse monstro ciclónico. A sua fúria descompõe a cabeleira da paisagem, emudecendo as aves, ensurdecendo os homens, enraivecendo as ondas, que explodem, ao longe. A luz oscila, inquieta e aflita, estrangulada pela cólera dos deuses. Por vezes, um quase silêncio. A quietude descerra os seus braços, acorrentados pelo vento, a tentar embalar-nos os medos. Mas logo a ira regressa, na impiedade da teimosia, chicoteando o corpo do horizonte com um assobio harmonizado, poderoso, subjugando as árvores, intimidando tudo – até os mortos – incomodados nas sepulturas.

Invictus

Nunca pensei emocionar-me tanto com um jogo de rugby. Ou melhor, nunca pensei sentir qualquer espécie de emoção com um jogo de rugby. Mas quando sabemos o que está em jogo...quando sabemos dos bastidores das coisas... que outras coisas compreenderíamos nós, se andássemos mais pelos bastidores..?

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Desidério Lázaro


Para quem pensa que somos sempre o Portugal dos Pequeninos, oiçam este animal, que não passa de um rapazeco ainda, e tirem as vossas conclusões. O nome é sucesso garantido: ninguém esquece um nome destes. E depois de o ouvirem tocar, também não.
Dedico este post ao Nanã Sousa Dias, que faz anos hoje, e que me deu a conhecer o melhor saxofonista português da nova geração. Parabéns, Nanã!

Novo livro de histórias de JOSÉ FANHA

Nas palavras do próprio autor:
"Cada livro é uma pequena grande alegria. Este acaba de sair. Ainda está quente como o pão pela manhã. Traz histórias para ler e contar. Histórias diversas, escritas em momentos diferentes, destinadas a gente de todas as idades.
Entram nestas histórias uma rainha que se perde no silêncio, uma princesa que tem pelos de ouro, uma velhinha que dá milho a pombos imaginários, uma domadora de livros selvagens, uma máquina de apanhar poetas e tudo o mais que quem ler encontrará...
Histórias...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Humor

Um toque de humor para este final de dia. A banda sonora, que começa com Carpenters e John Denver, é muito boa. Enjoy. Obrigada, Luís Pedro.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Filosofices III

Se eu voltasse a ser uma criança, havia de querer fazer uma série de perguntas que na altura não me ocorreram. Agora que sou crescida, até parece mal, mas mal que pergunte...
Porque é que aplicamos a expressão “proferiu estas palavras”, a qualquer pessoa que fala? Não acham que o verbo "proferir" devia ter uma tabuleta a dizer “reservado a profetas”? Ou quer dizer que, só por falarmos, somos profetas? Eu proferia que respeitassem mais os profetas.

Arvorar é plantar uma árvore? Alvorar é apontar ao alvo? É que há coisas que parece que são, mas depois não são, não vale, como a palavra bucólica, que parece uma cólica de susto. Bu!-cólica.

Se engomarmos um relógio, podemos dizer que estamos a passar o tempo?

Os supositórios não deveriam chamar-se antes ANALgésicos? E os supositórios, suponhamos…púnhamos na boca ou no nariz, por exemplo.

Desfrutar, é arrancar os frutos às árvores? E desmanchar, é tirar a nódoa?

Porque é que um desmancha-prazeres é aquele que dá cabo deles? Não deveria dizer-se, em vez disso, mancha-prazeres? Senão, lá está, parece que é alguém que tira a mancha aos prazeres. Não acham isso esquisito? É o que está a dizer, ou não é?
E se eu não sofrer de incontinência, significa que sou continente? Então e se um militar fizer continência, significa que segura o xixi que nem um valente?

Se trautear uma canção é cantarolá-la em lá-lá-lá, então porque é que não usam o verbo Lalalar, que é muito mais adequado? Trau, parece que está a dar porrada à canção, não parece? Bom, em muitos casos isso é verdade, lá isso…lálálá...

Se eu disser que me estou a lixar, quer dizer que me estou a enfiar no caixote do lixo?
- Olha, VAI-TE LIXAR! Sim, é um insulto suficientemente mal cheiroso, desejar ao outro que se atire para dentro de um caixote com cascas de cebola, pontas de cigarro e lenços ranhosos. Bem feito.
Pronto, isto era o que eu perguntava se fosse criança, mas agora sou crescida, já não dá.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Jardim

Cá ando a semear, como zeloso jardineiro. Desenvolvendo as raízes de novas amizades, de outros rumos, arrancando ervas daninhas, protegendo das intempéries as minhas flores. De vez em quando há uma folha verde que irrompe, tímida, e eu fico feliz por vê-la encher-me de esperança. Tenho pétalas que decidem soltar-se, à revelia, e que preferem deixar-se tombar no solo, antes que os meus olhos possam admirar-lhes o esplendor. Uma espécie de suicídio vegetal, de desistência antes da luta, de cobardia. Nesses dias, cheia de vergonha, varro a esperança para debaixo do tapete e ergo uma taça de amargura. O tempo vai entornando a sua terra sobre mim e chega o dia em que a luz regressa, antes que o tempo me consiga sepultar. É então que sacudo a terra dos ombros e levanto o tapete, à procura da esperança que desprezei.
Dedico este post ao Rogério Bueno de Matos, à Maria, ao Possidónio Cachapa e aos amigos mais recentes. De uma forma ou de outra, somos todos jardineiros.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Novo disco de Rita Guerra

Caros leitores, saíu o novo disco da Rita Guerra. Esta edição limitada, da Fnac, inclui dois temas bónus, sendo que a letra e a música de um deles ("Enquanto D(o)urar o Dia") é da autoria desta vossa amiga. A balada que fecha o disco também, e a Rita interpretou-a com aquela belíssima voz que deus lhe deu. Vá, toca a comprar e a divulgar junto de amigos e inimigos, para eu começar o meu mealheiro de direitos de autor como compositora e letrista, e para que a Rita mantenha o seu tão merecido sucesso junto de novos fãs. Além desta edição especial, está à venda o álbum com 13 faixas, em vez de 15. O disco é bom, recomendo. Claro que sou suspeita, como mãe a elogiar o filho, mas não deixa de ser verdade. Felicidades, Rita, para este "Luar". Que os teus dias se encham de prata e que o teu sucesso continue a engordar como uma imensa lua cheia.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

The Great FLYdini

Nesta 3ª feira de Carnaval, tão fria e chuvosa, um apontamento de humor com uma faceta menos conhecida de Steve Martin: o ilusionismo. Já agora, para festejar também as seis mil visitas a este blog. Muito obrigada a todos e votos de um bom feriado.
http://www.youtube.com/watch?v=dJCtOz32dnw

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Namoro

Dois excertos do novo livro em que estou a trabalhar. Dois corações. Dois momentos, um triste, outro feliz, como a montanha russa que pode ser um longo namoro.
“Por mais que fizesse por agradar, por mais que saísse de si para lhe fazer a vontade, existiam outras bocas, outras nádegas, outros seios mais apetecíveis do que os seus. Nesses momentos, ela concluía que o amor servia apenas para lhes acelerar os gestos, nunca para os travar. Como os automóveis que circulavam nas rotundas. Não se parava por amor: agora nesta faixa, agora na outra, agora vou sair, faço pisca, adeus, vou até à próxima rotunda. A vontade dele derrapava por outros corpos e acidentava-lhe o coração, que sangrava à berma da estrada, como um cão atropelado, à chuva. Por isso ela chorava, de coração desastrado. Porque, para ela, ele era o caminho mais directo, todos os atalhos, todas as esquinas. Para onde quer que olhasse, para onde quer que fosse, ia desembocar nele.”

“As tuas cartas diziam-me que estavas cansado e divertido e eu odiava-te também e as tuas palavras de amor não me serviam de consolo. Era o corpo que eu queria. Odiava-te por te amar tanto e deixares-me aqui, sem ti. A praia perdeu o sabor, o grito das gaivotas no porto de abrigo, junto ao molhe, era-me indiferente, o riso dos outros era algo impossível de compreender, uma afronta. Faltava-me uma fatia tão grande de mim, que nem sei como me aguentava em pé. Como prisioneira, riscava os dias, um a um, até que voltaste. Um belíssimo dia, voltaste. A imagem coseu-se à memória e engoliu o tempo que ficou pelo meio: abri a porta e vi-te. Vejo-te ainda. Trazias uma t-shirt cor-de-laranja, calças de ganga e uns óculos espelhados azuis, que me ofereceste e que eu usei durante anos, mesmo depois de ti. Às costas, uma enorme mochila que te ultrapassava em altura e, num dos lados, com a cabeça de fora, vi a namorada do Snoopy, em peluche, com um vestido encarnado, laçarotes nas orelhas e olhos pestanudos. Nesse dia, fomos felizes. Melhor é chorar de alegria, as lágrimas que repõem o nosso mundo no devido lugar e que nos devolvem o coração. Foi isso que senti, o meu coração de volta.”
(VERA DE VILHENA)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Proust destilado

Decididamente, o Sr. Alain de Botton, escritor, filósofo e ensaísta, sabe cativar-nos. Dele li "A Arte de Viajar", "O Consolo da Filosofia" e agora este "Como Proust Pode Mudar a Sua Vida". Um género de livro de auto-ajuda, divertido, sedutor, interessante, inteligente. A meio do livro, estamos já íntimos de Marcel. Vale a pena ler. Obrigada, João, mais uma vez.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Bolsos de algodão

Hoje acordei assim, com sonhos nos bolsos, e saíu isto.

Adormeço com a lua
Num pijama de algodão
Tenho bolsos junto às coxas
Junto ao peito, o coração

Neles trago, quando acordo
Asas de anjo, girassóis
Trago sonhos, bebo as ervas
Que abarco nos lençóis

Tenho as mãos cheias de vento
Que seguro num abraço
Quando passo pelos ramos
Navegando uma árvore
Qual navio, um mar, um mastro

Não me acordem, não me aterrem
Lancem o meu corpo ao mar
Que eu mergulho e navego
Ponho a alma a velejar

Lá, onde a escuridão se esconde,
Abismo de água, concha branca
Em silêncios intocáveis
Moram sonhos de criança

E dos bolsos de um pijama
Tiram grãos de areia azul
Sustentam a raiz do mar
Criam pérolas de luz
(VERA DE VILHENA)

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Sábados

Aos sábados de manhã, depois do pequeno-almoço, gosto de sair de casa para ir a Ribamar comprar o jornal e beber um segundo café. Apesar de ter saído do concelho de Lisboa há mais de três anos, não deixo de apreciar o contraste dos pequenos gestos do quotidiano: acho piada ao senhor que limpa os vidros ao pé de mim, enquanto eu bebo uma água e folheio a revista que vem com o jornal. Gosto daquele cheiro a limpo, da atmosfera que se respira, familiar e desprendida. A televisão baixinho, sussurrando-nos coisas do nosso país. Saco de uma folha da EDP (daquelas que não servem para nada e às quais não damos atenção, senão aos códigos do multibanco e à data limite de pagamento) e escrevo no verso, em branco. Não escrevo versos em branco, não, mas sim esta crónica. A dona do estabelecimento ergue a voz para falar com o marido e ele censura-a, com ar respeitoso, Fala mais baixo, que a menina está a escrever! –, Como se eu fosse Hemingway, Sartre ou outro qualquer mestre da literatura, e aquele o Café de Flore, no Quartier-Latin, abençoando o nascer de uma obra eterna. Percorro as ruas discretas e ensolaradas, o sino da igreja toca, os cães ladram, os habitantes cruzam-se no passeio e dão dois dedos de conversa. Um concelho que ainda é aldeia, com muito do conforto de uma metrópole. O melhor de dois mundos, como um Eldorado

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Adeus, Rosa

Assim que li o primeiro romance de Rosa Lobato de Faria, "O Pranto de Lúcifer", há muitos anos, soube que estava na presença de uma romancista, muito mais do que da escritora de letras de canções, ou actriz de telenovelas. Apesar de começar a dedicar-se à prosa aos 6o anos, ainda teve tempo de nos presentear com dez romances, além do seu trabalho como poeta e guionista de humor. Foi uma mulher criativa, elegante, profissional e de espírito forte. Uma grande perda para todos nós, esta sua partida tão prematura. 
Deixo aqui o link para o blog da Patrícia Reis, que inclui uma pequena autobiografia que a própria Rosa escreveu e publicou no Jornal de Letras, há dois anos. Vale a pena ler (com Kiri Te Kanawa de fundo) e conhecê-la melhor.

 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

"Cândido", de Voltaire

O LIVRO
Escrito no final do séc.XVIII é uma pérola nos dias de hoje. Irónico, satírico e inteligente, faz-nos viajar pelo mundo inteiro (Lisboa surge sob o cenário do malogrado terremoto, onde supostamente Pangloss, o querido amigo de Cândido, é enforcado), filosofando sobre o Optimismo e a Felicidade, enquanto acontecem as coisas mais atrozes a todas as personagens, a começar pelo protagonista. O humor-negro é irresistível.  
Já conhecia a opereta orquestrada pelo maestro Leonard Bernstein (e que, por sinal, amo e cantarolo pela casa quando me dá para isso),  mas nunca tinha lido o pequeno livro que lhe deu origem. Agora que tenho som outra vez, festejei com a visualização de várias peças de "Candide", de Bernstein. Aqui fica a "Overture", dirigida pelo próprio, e dois momentos hilariantes, na Broadway. Enjoy.
Obrigada, querida João, por me chegares com pilhas de livros tão bons. Ofereço-te a opereta, para a troca.

A OPERETA
http://www.youtube.com/watch?v=422-yb8TXj8

http://www.youtube.com/watch?v=U5liuHR6wug&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=YPoy5SGjB5o&feature=related