A vida não lhe acontecia. Era assim há vários anos. A mulher já se convencera de que o melhor seria arrasar o cume das suas altas expectativas e mudar-se de vez para um qualquer buraco debaixo das pedras. Como um bicho subterrâneo. Compreendera, enfim, que a língua que falava, o corpo infantil que lhe morava dentro, era invisível aos olhos dos que habitavam um universo de gente crescida. Jamais haveria lugar para si. Indefinida. Hesitante, como saco transparente esvoaçando numa rua em movimento. Não sendo criança nem adulta, não tinha onde pousar, não sabia para onde ir. Andava assim, perdida, escarafunchando torrões de terra húmida, para encontrar um lugar na escuridão.
Até que o telefone tocou e a vida aconteceu.
Tantos livros, tantas horas de recreio enfiada em mundos de papel, enquanto os meninos jogavam à bola e as meninas saltavam à corda. Tantos suspiros ao ver os outros passarem por si, velozes, enquanto os seus pés se pregavam ao chão, como um sonho que assusta. Afundava-se numa noite eterna, assistindo à construção de um templo celestial. Vitórias de outros, grandes e pequenos, que arranhavam os céus. Conquistas que apenas conseguia farejar, por instantes, até ser novamente arrasada por aquele deus castigador que lhe morava nos ombros, colando a sua alma às sombras. Vivia no chão, assistindo ao céu tornado negro, sem azul.
Quando desligou o telefone, entendeu que uma nova realidade lhe acontecia. Uma luz que já não esperava. E sentiu os pés leves, leves, erguendo-se acima do solo. Quando se atreveu a estender os braços, deu-se conta de que sempre tivera asas, sem saber. Então respirou fundo, preparando o embate do vento... e voou.
Um abraço muito apertado...:))
ResponderEliminarQuem tem asas voa, mais cedo ou mais tarde;)
Bjinho
Rosarinho
Só voa quem se atreve a voar! E ninguém duvida do poder das tuas asas. Bjs.
ResponderEliminar...e os amigos pousados em cada asa, para voar connosco. Que bom.
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