Sobre a mesa de madeira rústica um boião cheio de biscoitos, uma vela de cravo e canela a arder, e um envelope para cada uma: no interior, uma fotografia assinada pelo próprio, em jeito de oferenda pela escolha de imagem na sessão anterior. A João chegou com as suas próprias oferendas, kits com mimos para o corpo destas mulheres que somos nós, a precisar - não só de alimentar a alma com livros e textos - mas de mimosear a nossa pele.
A Rosarinho trouxe avelãs, que dispus numa tigela de barro.
Leram os seus textos, falámos sobre eles e acerca dos temas que se escondiam entrelinhas, deixando-nos perder, por instantes, em considerações sobre as nossas vidas.
Depois de uma pequena pausa para um chá com biscoitos e avelãs, saltámos para as personagens. Cada uma recebeu um rolinho com um desafio de escrita. Pareciam trocados, mas traziam malandrice, que é segredo nosso. No ar anda uma cumplicidade maior e o orgulho de uma humilde transformação, que se infiltra de sessão para sessão, a fazer crescer os textos e a libertar a ousadia.
Falámos dos filhos, do "Contracorpo" da Patrícia Reis, cujo exemplar acabei por emprestar a uma delas. Uma chuva repentina caiu copiosamente, agigantando a nossa consciência de conforto, enquanto espreitávamos, de vez em quando, as gotas escorrendo ao longo das vidraças e a gaze aquosa cobrindo o vale. Do lado poente, o arvoredo balançava, acompanhando a tempestade das palavras.
Fomos personagens falando sobre personagens. Rindo, palrando, soltando disparates. Acima de tudo, fomos mulheres.
O fim do curso aproxima-se, e sinto-me grata por adivinhar que isso as entristece. Nada mais compensador do que o sentimento de mútua entrega; de reciprocidade. Bem hajam, minhas meninas.
NOTA
Imagem: quadro de John Everett Millais (1829-1896), um dos fundadores da Irmandade Pré-Rafaelita, que fez por recuperar o estilo "Quattrocento", da arte italiana, dando atenção aos detalhes, à efusão das cores e à complexidade das composições.
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