segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Varre varre vassourinha

Tenho a cabeça cheia de coisas caseiras. Do baú retirei o ponto-cruz, terminei um velho bordado há muito abandonado e ficou-me a vontade de abrir outras revistas de fada do lar, que me mostram truques vários e novos motivos, novas razões para bordar. Peço à casa que me relembre as cores originais; os tarecos, meio perdidos, suplicam-me que lhes devolva a dignidade, também eles querem morar na sua casa mais ilustre, este livro entre este e este, este prato mais pequeno fica em cima do maior, este frasco de perfume que não uso vai para o fundo, o vestido já não serve, vai para os pobres ou emagreço. O orgulho anda vivo, resgatado e devolvido à dona da casa...paradoxo, já que a minha casa, até ver, é o banco que (a) tem. Pico pico sardanico, varre varre vassourinha, esconde o pó que o espirro vem, ilusões são o que resta, faz -de-conta-que-sou-dona-desta-casa, presas por um fio, eu e ela, presa por ter e por não ter vintém. Adio projectos elevados para esfregar o soalho, De pano aveludado cor-de-laranja na mão, aguardo que a poeira dos meus gritos assente e retiro o pó à indignação. Nada é transparente nesta casa, nada é limpo; vidros encaixilhados denunciam a mancha, o tempo de abandono a que andam condenados desde a última vez em que se viram bem lavados. Sedenta, a casa pede água; faminta, pede recheio nas paredes imperdoavelmente vazias, todas nuas, despudoradas, uma vergonha de se ver. As janelas, de olhos baços, cataratas lacrimosas, pedem como mendigos que a esfreguem, que a coçem, que a livrem de mil bichos. Uma dança interminável, diabólica e suja. O diabo esfrega as bancadas comigo e sabe que não nego a sua ajuda. E ri-se: ri-se de mim, o maldito, pois só ele sabe que na verdade nada desaparece. Não verdadeiramente... 
Tudo
apenas
troca
                                                   de lugar.
Varre
         varre
                 vassourinha
Que esta casa não é tua
(mas também não será minha...?)
Enquanto o diabo esfrega o olho
Dou um salto e aproveito
P'ra fechá-lo na cozinha.

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