sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A Crise do Futuro (Miguel Carvalho)

Não resisto a postar aqui, com os devidos créditos e autorizações, um dos textos geniais escritos pelo jornalista e escritor Miguel Carvalho, publicado recentemente na revista Egoísta (tema "Crise de Bolso"). Leiam este e procurem a revista. Vale a pena.


"Se algo queremos do futuro é que venha bem passado. Conjugado o pretérito com osso e consumido o presente insosso, esperamos um futuro gourmet ou lá o que é. As maçãs terão o tamanho de cerejas e as cerejas o tamanho de melões, sem caroço. A Esquerda será macrobiótica ou não será, e a Direita aparecerá vegetariana à vista desarmada, mas com design. Talvez as mamas saibam a rebentos de soja. E os pirilaus a tofu. Os bebés serão concebidos e servidos a la carte: sexo, olhos e cabelo à escolha, oferta de catálogo previsível de doenças, manias e tropelias, desconto na opção gémeos. O futuro terá ministros sem corantes nem conservantes, deputados low-cost e eleições oito dias/sete noites, com pensão completa. O governo autorizará os genéricos para o optimismo e liberalizará a adrenalina contra o vírus da depressão. Teremos empregadas insufladas, mordomos a rodas para as tostas e Ambrósios a pedal, com aquecimento central. O psiquiatra será o nosso Pai Natal. O sexo será de última geração, com ecrã plasma e carregamentos de 50, 100 e 200 euros, com mensagens ilimitadas para redes congestionadas. A bimby handjob/blowjob fará o sucesso das classes mais abastadas. Os subúrbios serão desinfectados regularmente e os dormitórios terão, no mínimo, uma palavra-passe com seis dígitos. O Código Penal será revisto para criminalizar o consumo de rojões a céu aberto e a prática de revoluções aos molhos. Haverá Igrejas com consumo mínimo e seitas por catálogo. O gangue das misericórdias será caso de polícia. E a polícia terá seguranças privados. O futuro terá poetas a pilhas, pintores a bateria, dançarinos de corda, teatro às peças e cinema por SMS. A felicidade terá orçamentos rectificativos. E os governos cairão sempre de pé, mas de uma assentada. As crises serão permanentes. Com madeixas. Sorriremos com silicone. E choraremos para dentro, em garrafões de cinco litros. O desgosto e a tristeza serão pandémicas. Mas de marca."
NOTA - espreitem o blog "Devida Comédia", do Miguel, se andarem à procura de bons textos para ler. Eu sigo religiosamente.

1 comentário:

  1. O bicho sabe escrever de facto!
    É pena que não tenha sido aproveitado para a campanha eleitoral. Com esta facilidade pictórica, por certo encaixaria em qualquer partido, sobretudo nos "dissidentes", quer à esquerda (o que é isso?) quer à direita (o que é isso?)
    É pena de facto que tanta pujança narrativa se perca, quase no anonimato.
    Obrigado pela dica.
    Beijos,

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