quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Não te mexas

Não te mexas. Não saias do meu corpo, por favor, mas não entres na minha vida. Deixa estar assim, este amor perfeito na distância, sem a vulgaridade dos dias, como quem ama o mar distante. Deixa-me viver a vida dos outros, a vida que se espera de nós, e voar para dentro de ti de vez em quando, para te fazer criança outra vez. Não te mexas. Deixa que sejamos reticências, onde tudo cabe, até o futuro que poderíamos ser, mas que não seremos nunca. Estamos presos num castelo de gestos infantis, que erigimos num tempo sem muralhas. Fui ponte levadiça e deixei-te entrar. Encerrei-te dentro de mim para sempre. Por isso não te mexas, deixa estar assim. Deixa que o fosso da vida corrente se afaste de nós, para continuarmos reis do nosso castelo. E serás um Passado sempre presente, pois se abalássemos dessa fortaleza elevada em direcção à planície, que faríamos nós dessa paisagem? Para quê trocar um refúgio de memórias, pelo refugo dos dias? Quando a amargura do tempo tenta arrancar-me o desejo, o desejo mais profundo, lembro-me de nós. E torno a pegar nos braços, chamando por ti, para construirmos juntos um novo castelo.

1 comentário:

  1. Há textos que se criam, se imaginam, se escrevem. Outros há que arrancamos em fatias ao interior do nosso ser. Pedaços de carne feita memória, prazer, desejo. Estes não se escrevem. Gritam-se! Com a necessidade de quem não pode guardar. Gritam-se, mesmo que seja baixinho, na intimidade do sonho.

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