domingo, 21 de março de 2010

Livro do Desassossego I

Larguei a Anna Karénina ao fim de 150 páginas, para me entregar ao Pessoa. Teve de ser. Não consegui investir mais tempo em centenas de páginas de Tolstoi, com personagens cujas preocupações são os bailes, as festas, os pedidos formais de casamento, as roupas. No Livro do Desassossego, assim que leio um parágrafo, encontro frases que me enchem as medidas da mente e parecem explicar, por mim, os meus pensamentos.

"As coisas sonhadas só têm o lado de cá...não se lhes pode ver o outro lado...não se pode andar à roda delas...O mal das coisas da vida é que as podemos ir olhando por todos os lados...As coisas de sonho só têm o lado que vemos...Têm amores só puros como o nosso olhar."

"A vida só não nos persegue quando nos entregamos a ela."

"A arte de sonhar não é a arte de orientar os sonhos. Orientar é agir. O sonhador verdadeiro entrega-se a si próprio, deixa-se possuir por si próprio."

"Julga-te sempre mais triste e mais infeliz do que és. Isso não faz mal. É mesmo, por ilusão, um pouco escadas para o sonho."

"Abdicar da vida, para não abdicar de si próprio."

"Com este sonhar tanto, tudo na vida te fará sofreres mais. Será a tua cruz."

E não posso deixar de sorrir ao constatar que, no agir, podemos construir uma escada de acesso ao edifício dos nossos sonhos.

4 comentários:

  1. Bom dia Vera.
    Pois é. O Bernardo Soares, salvo erro aprendiz ou ajudante de guarda livros, é um verdadeiro encantamento.
    A propósito. Há uma coisa que deves gostar, ou pelo menos experimentar. Um outro desassossego! É do Hermann Hesse e chamou-lhe "O Lobo das Estepes".
    Desculpa este aparente pretensiosismo.
    Fernando Santos Correia

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  2. Olá Fernando, bom dia
    Não tens nada (olha, já nos tratamos por tu, bem feito!) que pedir desculpa, só tenho a agradecer a sugestão. Do autor apenas li os contos. Vou "tirar uma senha" para o Lobo das Estepes, que conheço apenas de nome, e requisitá-lo aqui na biblioteca. A seguir ao Pessoa ainda vou atacar um livro que me foi oferecido a meu pedido pelo meu filho, no Natal, e que há anos que estou para ler: "Sinais de Fogo", do Jorge de Sena.
    Muito obrigada pela sugestão de novos desassossegos!
    Um abraço,
    Vera

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  3. Olá mulher vivaz!
    Espero que tenhas apanhado o sentido metafísico do "vivaz" (isto no one single word)
    Quanto ao Livro do Desassossego, estamos de acordo.
    O heterónimo derivou muito bem para a prosa, arrancando cá de dentro, tal como o Fernando, na poesia, coisas que só ele Fernando e os seus heterónimos conseguiam.
    Também eu me revejo bastante no que o Homem escreveu!
    Beijoca

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  4. Olá querido amigo,
    foi uma palavra generosa da tua parte, como não podia deixar de ser. Sim, só posso interpretar pelo lado metafísico, pois se considerasse o significado na perspectiva prática, só poderia discordar. Se há coisa que eu não sou é dinâmica: em espírito, faço imensas coisas, viajo por todo o lado e conquisto novos territórios; mas na vida corpórea, sou um lagarto ao sol :-)
    Estou a adorar o Pessoa na sua face em prosa. Era um espírito espantoso, este homem. Beijos

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